Loraine Luz, especial para o JC
Do estabelecimento de bairro, em que muitos frequentadores são tratados pelo nome, ao modelo autônomo e automatizado, em que o cliente interage apenas com máquinas, os formatos de lojas para o momento de "fazer o super" e reabastecer a geladeira ou a dispensa de casa nunca foram tão diversos. Comodidade, custo-benefício e detalhes que entregam mais do que é esperado vão se alternando (ou se combinando) como motivo para o consumidor optar por esse ou aquele formato a cada decisão de compra.
"O supermercadista tem de estar muito inquieto, atento às novas demandas de consumo. Entender de forma recorrente o que o público espera a fim de adequar o modelo de negócio", analisa Fabiano Zortéa, especialista em Varejo e Consumo.
E foi pela total atenção ao cliente, além de levar em conta contextos e trajetórias próprias, que Franck Müller e Arthur Bolacell decidiram o formato de suas lojas do Estado — que, curiosamente, são radicalmente opostas, comprovando que a diversidade é bem-vinda pelos consumidores e veio para ficar.
Há um ano, Müller migrou sua loja matriz, um varejo tradicional com 30 anos, no bairro Santa Terezinha, em Taquara, para o formato de atacarejo. O redirecionamento incluiu nova identidade visual, denominada Certo Atacado & Varejo. Resultado: incremento de 42% no faturamento. O supermercadista acredita que a penetração desse modelo está crescendo. O próprio grupo Müller deve seguir nesta direção. Cinco novas unidades do tipo estão previstas para os próximos cinco anos. Atualmente, o grupo conta com quatro atacarejos e dois varejos tradicionais. Antes da migração da matriz, era meio a meio. Observando o mercado, Müller identificou potencial do segmento em sua região. "O formato atrai o consumidor que busca vantagem no preço. A mudança trouxe novos clientes, até do mesmo bairro, que antes se deslocavam daqui para comprar em atacarejo concorrente", comenta.
Em Porto Alegre, por sua vez, o Mercado Brasco ajudou a revelar o potencial de outro formato, que em nada lembra atacarejos e é chamado de "food hall". Bolacell e o sócio, Gabriel de Moraes, preferem identificar a loja aberta em 2020 no Bom Fim como "a sala de estar do bairro". Bolacell acrescenta sobre o perfil do seu negócio (são outros quatro endereços na Capital): "A gente caminha mais para o lado da experiência".
À loja do Bom Fim, o cliente pode chegar cedinho e pedir o café da manhã, trabalhar no espaço de coworking do mezanino, almoçar com opções variadas de gastronomia, tomar um sorvete no meio da tarde, aproveitar o happy hour e, antes de ir embora, passar no mercado para fazer as compras dos itens que precisam ser repostos em casa. Embora todas as lojas mantenham a essência de "mercado de bairro", cada uma tem sua peculiaridade. "A diferença nas lojas existe porque cada bairro tem uma necessidade", explica. Muito estudo, busca de referências e pesquisa com os clientes antecedem a abertura das operações. "Assim, a gente consegue entregar o que o vizinho quer", esclarece Bolacell.
De modos diferentes, tanto o atacarejo mais impessoal dos Müller quanto a proposta mais intimista do Brasco atenderam a expectativas latentes do público do entorno. E por isso vão ao encontro da análise do especialista Zortéa: "A variedade de formatos deve seguir como tendência por uma demanda de consumo. Todos os formatos têm seus desafios de implantação. As operações que conhecem as dores da sua comunidade vão ganhar mais relevância".
O "food hall" pensado para o conforto da vizinhança
Para dar certo, conceito que reúne diversas operações deve ser instalado em locais de grande densidade demográfica, com fluxo de clientes a pé
/TÂNIA MEINERZ/JCNo formato food hall, o cliente encontra uma experiência completa: é possível fazer compras de mercado, almoçar, lanchar, tomar café, escolher um presente. Como um espaço compartilhado por diferentes operações, ganha peso o layout do ambiente, pensando mais para o conforto — afinal o cliente vai passar muito tempo.
Arthur Bolacell e o sócio Gabriel de Moraes não se limitaram a implantar um formato pronto e criaram um conceito próprio com base em pesquisa com clientes e referências. "Primeiro a gente entende os gaps do bairro", conta Bolacell. E assim surge, por exemplo, o espaço de coworking no mezanino da loja no Bom Fim. Na loja do Bom Fim, há seis operações: duas próprias e quatro de parceiros. Cardápio e mix de produtos também não surgem aleatoriamente. Optam pela valorização de fornecedores locais (mais de 80% são gaúchos) e pelo desenvolvimento de produtos exclusivos. A cerveja da casa é a segunda mais vendida no local, enquanto o vinho é líder entre os pedidos para esse tipo de bebida. "A pessoa retorna tanto pela experiência quanto pelos itens que ela só encontra aqui", comenta. Entre as peculiaridades do formato, ele cita: "Só dá certo em locais de grande densidade demográfica, precisa de fluxo a pé, mais do que estacionamento. E precisa de um espaço grande, para acomodar todas as operações. No mínimo, uns 700m²".
O atacarejo com cara de supermercado
A menor despesa de operação frente aos demais modelos é o principal diferencial desse formato. Com planos de aumentar o número de unidades nesse segmento, se somando às três de seis do grupo, pesou para Franck Müller, entre outros aspectos, o fato de o atacarejo aumentar a área de vendas, "verticalizando o depósito, que vem para dentro da loja". Esse detalhe também facilita o abastecimento, considerando que basta descer os itens da prateleira mais alta. Para o formato dar certo, segundo o empreendedor, precificação agressiva, atenção ao segundo preço (quando o consumidor vê vantagem em levar mais quantidade) e um mix de produtos ajustado são essenciais.
Segundo levantamento da Associação Brasileira dos Atacarejos (Abaas) em parceria com a NielsenIQ, o formato de atacarejo faturou R$ 300 bilhões no País em 2023 e soma mais de 2 mil lojas em operação, sendo 162 delas inauguradas no ano passado. O crescimento e a diversificação de clientes criaram uma demanda por mais serviços no estabelecimento — e é nesse ponto que Müller aposta em suas lojas do segmento: "Tem padaria, açougue, hortifrúti. É um super completo", ressalta.
Diversidade de formatos
Mercado de bairro
De porte pequeno, geralmente de origem familiar ou administrado por pequenos empresários. Na relação com a comunidade vizinha está sua força. Local que garante produtos básicos, com foco em alimentos e bebidas.
Mercado tradicional
Foca em gênero alimentício, em geral, nos ramos de mercearia, carnes, frios, laticínios e hortifruti. O cliente busca reposição cotidiana, em pequenas quantidades. É um formato que atende um público maior do que apenas a vizinhança.
Supermercado
Oferece um mix de produtos maior e mais diferenciados do que o mercado tradicional, com valor agregado e atendimento de qualidade.
Hipermercado
Em uma grande área horizontal, busca atender a maioria das necessidades de compra oferecendo todos os tipos de produtos, entre duráveis e não duráveis (básicos, eletrônicos e supérfluos).
Atacarejo
Soma de atacado e varejo no mesmo lugar, atendendo os dois tipos de público, que pode comprar itens a preço de atacado (na aquisição de maior volume) ou a preço de varejo. Tem um mix de produtos menos variado.
Loja de conveniência
Pequeno varejo aberto 24h, em locais com movimento permanente (como postos de combustíveis), com produtos de consumo e necessidade rápida, incluindo refeições prontas, lanches e cafés no primeiro aspecto e higiene pessoal no âmbito do segundo.
Food hall
Espaço multiuso com mercado dentro. O cliente tem um leque maior de possibilidades e fica convidado a permanecer no ambiente como uma experiência de lazer. Arquitetura e decoração têm peso importante. Opções gastronômicas são mais elaboradas. O mix de produtos no mercado é mais diferenciado e exclusivo.
Minimercado autônomo
Como tendência principalmente entre condomínios residenciais ou corporativos, é um formato que se caracteriza pelo autosserviço e a automatização. O cliente faz tudo sozinho.