Loraine Luz, especial para o JC
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) homenageia pessoas que utilizaram ferramentas da instituição para contribuir com a sociedade. Um deles é Fernando Lucchese.
Médico cardiologista, diretor dos hospitais São Francisco e Santo Antônio, do Complexo Santa Casa de Porto Alegre, chefe de Medicina e cirurgia cardiovascular, professor e pesquisador de prestígio internacional, ele foi presidente do Conselho Superior da Fapergs entre 1987 e 1989. Mas a sua relação com a fundação teve início muito antes, como bolsista. Seja em qual for o papel, acompanhou muito de perto as contribuições da Fapergs nas áreas de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação.
Ainda estudante de Medicina, na Ufrgs, Lucchese recebeu auxílio para a construção de um aparelho de circulação extracorpórea, usado em cirurgias intracardíacas para substituir as funções do coração e dos pulmões. "O aparelho permitiu que a gente operasse, durante a faculdade, 200 cães. Foi na cadeira de eletrofisiologia, chefiada pelo professor Pery Riet Corrêa, que era pesquisador da área de fisiologia", recorda o cardiologista.
O grupo envolvido no projeto acabou todo reunido no Instituto de Cardiologia como residentes. "A Fapergs foi extremamente importante porque nos concedeu os primeiros auxílios, com o qual compramos as bombas, os motores que faziam circular o sangue. Fui a São Paulo, de ônibus, para adquirir as bombas e obter informações. As bombas foram instaladas na oficina de um tio meu, que tinha uma fábrica de óleo de soja. Lá fizemos nossa primeira máquina de circulação extracorpórea", detalha Lucchese.
O avanço científico de maior repercussão social, com inúmeros reconhecimentos, em prêmios e publicações, conquistado graças ao estímulo financeiro da Fapergs, se deu no final da sua graduação, já à beira da década de 1970. Muito necessárias no tratamento de pacientes, válvulas cardíacas eram de difícil importação e muito custosas.
Com inspiração no médico Adib Jatene, que já fabricava o mecanismo em São Paulo, Lucchese conta que encaminhou um pedido de auxílio à Fapergs para que se pudesse instalar no Instituto de Cardiologia a oficina de fabricação de válvulas. Com a ajuda da fundação, estabelecia-se um marco no desenvolvimento da Medicina gaúcha. A tecnologia da época incluía a necessidade de prensa, vulcanização de silicone, para fazer as bolas da válvula, moldes de cera, de gesso, centrífuga, liga metálica, entre outros detalhes técnicos.
"Isso tudo foi financiado pela Fapergs. Em junho de 1970, conseguimos usar em seres humanos essas válvulas fabricadas aqui. Mais de 1 mil pacientes se beneficiaram na época", destaca Lucchese. O Instituto de Cardiologia passou a produzir de forma recorrente, distribuindo para outros Estados. O atendimento a pacientes se ampliou. "Foi o maior projeto que desenvolvi com a Fapergs. Pacientes viveram anos com essas válvulas artificiais e eu diria que até hoje existem alguns com elas. Foi um projeto que deu muito orgulho para nós", afirma. O renomado cardiologista faz questão de anotar que a Fapergs foi fundamental em outras áreas, não somente na Medicina. Ele cita a Agronomia, a Veterinária e a Física. Segundo ele, a atual produção espetacular de soja do Estado tem raízes nas pesquisas de solo realizadas na década de 1960.
Foi um projeto da Faculdade de Agronomia da Ufrgs que demonstrou a viabilidade do desenvolvimento de videiras mais ao Sul do Estado, comparando as características da região com o solo da Califórnia (EUA), reconhecida pela qualidade de suas uvas. "Esse estudo, anos mais tarde, chegou ao conhecimento de um técnico da Almadén, na Universidade da Califórnia. Eu ouvi essa história do próprio Sylvio Torres. Esse técnico veio ao Estado e acabou que a empresa se estabeleceu aqui, iniciando os vinhedos", garante. (A Vinícola Almadén se estabeleceu em Santana do Livramento nos anos 1970).
Na veterinária, Lucchese destaca as contribuições do Instituto de Pesquisas Desidério Finamor, com auxílios da fundação, para a erradicação da febre aftosa no Estado, na figura do professor, pesquisador e virologista Milton Guerreiro, que montou um grupo de pesquisadores com reconhecimento nacional e internacional. Pelo menos outros dois nomes vêm à memória de Lucchese, agora na área de Física: os professores doutores Gerhard Jacob, falecido em 2018, e Fernando Zawislak, que o ajudaram muito na época em que presidiu o Conselho Superior. "Juntos, eles montaram um grande Instituto de Física na Ufrgs, de onde saíram muitos pesquisadores. O Zawislak é meu paciente. Como não poderei comparecer, convidei-o para receber por mim a homenagem da Fapergs, prevista na cerimônia de dezembro, e ele aceitou. Terei o maior orgulho de receber a comenda de suas mãos", emociona-se o médico.
Durante a experiência no Conselho, outro feito é recordado, ao lado do então diretor-presidente da Fapergs, o cientista político Abílio Afonso Baeta Neves: a mobilização para garantir na Constituição Estadual uma verba específica para a Fapergs. "Foi um período muito ativo. Passamos por cada gabinete de deputado, argumentando em busca de apoio à ideia. E acabou que conseguimos colocar na Constituição aprovada o percentual de 1,5%", recorda o médico. Lucchese se refere ao artigo 236, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, promulgada em outubro de 1989, que determina o repasse à fundação de 1,5% da receita líquida de impostos do Estado ao ano.
"A Fapergs chega vigorosa aos 60 anos. Ao longo de sua história, participou fortemente do desenvolvimento da ciência e da tecnologia gaúchas. Nós temos muito orgulho da fundação. Ela continua estimulando as novas gerações, apoiando pesquisadores jovens em sua trajetória. Sempre estive ligado à Fapergs. Primeiro, com o Instituto de Cardiologia, onde depois muitas bolsas de iniciação científica foram dadas aos nosso pessoal mais jovem, e também na Santa Casa. Os governos talvez não tenham, no passado, entendido tanto a importância da fundação, mas nós, cidadãos, não podemos deixar de lutar para que a Fapergs ocupe seu espaço cada vez mais."