À frente da Fapergs desde 2017, Odir Dellagostin se orgulha de dizer que foi bolsista de iniciação científica da fundação. Esta oportunidade, ainda na graduação, determinou a carreira de destaque que ele construiria.
Formado em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), com doutorado em Biologia Molecular pela University of Surrey, na Inglaterra (1995), e pós-doutorado pela mesma instituição (1997), Dellagostin é professor titular da UFPel desde 1997 e pesquisador nível 1A do CNPq desde 2007. É presidente reeleito (2023-2025) do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e acabou de ter seu nome anunciado entre os 74 novos membros da Academia Mundial de Ciências para o Avanço da Ciência nos Países em Desenvolvimento (TWAS, na sigla em inglês). Com Dellagostin, são apenas 10 cientistas brasileiros que tomarão posse em janeiro de 2025.
Faltando um ano para finalizar o seu terceiro mandato como diretor-presidente da Fapergs, está comprometido com a continuidade de programas estabelecidos e com a consolidação de novos projetos.
"Nós criamos de forma inédita no País o Doutor Empreendedor. É um programa muito bem sucedido, que vem sendo copiado por outros estados", destaca. Trata-se de um incentivo à criação de startups por doutores que desejem levar para o mercado o conhecimento gerado nas universidades e centros de pesquisa.
Dellagostin cita ainda o programa para formação de Redes Inovadoras de Tecnologias Estratégicas e o de clusters tecnológicos. "Nele, procuramos aproximar pesquisadores acadêmicos de empresas e demandas empresariais, colocando esses dois setores lado a lado para também contribuir de forma mais efetiva na geração de novos produtos e processos", explica.
Esses são alguns exemplos do potencial da fundação de continuar sendo relevante para os gaúchos, assim como tem sido ao longo dos seus 60 anos. "Nós temos uma longa trajetória de funcionamento ininterrupto, acumulamos uma grande experiência. E se hoje estamos em uma posição de destaque em nível nacional na produção científica, na produção de conhecimento, na formação de mestres e doutores, em grande parte isso se deve à atuação da Fapergs", afirma o diretor-presidente.
JC - Enquanto pesquisador e cientista, como a Fapergs esteve presente na sua carreira?
Odir Dellagostin - Durante a graduação, no último semestre, tive a oportunidade de me engajar na pesquisa e recebi uma bolsa de iniciação científica da Fapergs, que foi fundamental e determinante para mim. Foi assim que me interessei por pesquisa e decidi seguir carreira científica. Em outro momento, tive um apoio bastante importante, o Auxílio Recém-Doutor, quando concluí o doutorado. E ainda vim a ter outros projetos de pesquisa. A fundação foi muito importante para mim desde o primeiro dia. Eu costumo brincar, quando converso com estudantes de iniciação científica que recebem bolsa da Fapergs: "Ó, um dia você pode vir a ser presidente da Fapergs. Aconteceu comigo e poderá acontecer com outros" (risos).
JC - Quando assume um cargo de gestão da entidade, o que muda na sua visão?
Dellagostin - Antes de assumir a presidência, eu já tinha um bom conhecimento sobre o funcionamento e a importância das agências de fomento e apoio à pesquisa em função da minha participação em comitês de assessoramento. Fui membro e coordenador do comitê de ciências biológicas da Fapergs, membro do comitê de veterinária do CNPq, coordenador de área da Capes, duas grandes agências federais. Como pesquisador, eu era "cliente" da Fapergs, submeti projetos à fundação. Ao me tornar presidente, não pude mais. Isso mudou. Estou há oito anos na presidência. Com o tempo, a gente passa a conhecer as instituições de ciência e tecnologia do Estado. Antes eu tinha conhecimento da minha instituição, a UFPel. E hoje consigo ter uma visão mais clara e mais ampla de todo o ecossistema do Estado. Compreendi muito.
JC - Qual é a sua maior motivação ao ocupar a presidência?
Dellagostin - Sempre considerei importante essas agências terem pessoas experientes e qualificadas. Eu me considerava experiente por ter atuado em nível nacional e na própria Fapergs. Quando fui indicado à presidência, eu integrava o Conselho Superior da fundação. O processo de seleção envolve uma lista tríplice por parte do conselho, encaminhada ao governador que então escolhe uma pessoa. Havia pessoas mais experientes e qualificadas do que eu. Me coloquei à disposição para contribuir com bons nomes na lista. E, no fim, acabei o primeiro da lista e nomeado. Foi um desafio bastante grande e me senti muito honrado pela oportunidade. Desde então venho trabalhando de forma intensa, procurando fazer o meu melhor para qualificar cada vez mais a Fapergs.
JC - Que legado a sua gestão gostaria de deixar à Fapergs e à sociedade?
Dellagostin - Eu destacaria dois aspectos. Primeiramente, quanto ao funcionamento da Fapergs em si. Antes de eu assumir, muitos pesquisadores reclamavam que a fundação era extremamente burocrática, se sentiam desestimulados e não submeteriam mais projetos à fundação por achar muito complicado. Trabalhamos muito para desburocratizar a instituição. Então, um legado que acho que estou conseguindo deixar é este: uma Fapergs mais leve, mais ágil. É claro que ainda não chegamos no patamar que eu, particularmente, gostaria, mas tivemos avanços significativos. Porque, em vários aspectos, a legislação é muito restrita. Estamos sempre que possível buscando mudanças para garantir uma maior qualidade e agilidade na prestação dos serviços à comunidade científica.
JC - Qual é o outro legado?
Dellagostin - Outro legado que tenho me esforçado para deixar diz respeito à questão orçamentária. Considerando a dimensão do Estado e as demandas que a Fapergs precisa atender, o orçamento da Fapergs é ainda muito modesto. A Constituição gaúcha determina que o governo deve repassar à fundação 1,5% da receita líquida de impostos. Nenhum governo até hoje conseguiu cumprir isto em função da crise financeira crônica que o Estado vive. Nos últimos três anos, a realidade começou a mudar, e o orçamento da fundação praticamente triplicou. Ainda está baixo, mas três vezes melhor do que há três anos. A perspectiva para 2025, o governador já nos comunicou por meio da Secretaria de Ciência e Tecnologia, é de que teremos pelo menos o dobro do orçamento atual. Saímos de R$ 30 milhões por ano, fomos para R$ 90 milhões por ano e agora poderemos chegar próximo a R$ 200 milhões no ano. Então, esse é um legado que quero deixar: um orçamento bem diferente daquele que recebi há oito anos.
JC - Quais os principais desafios de agora em diante? Tudo depende desse orçamento?
Dellagostin - Sim, temos esse desafio de aumentar os nossos investimentos. Se o que a Constituição gaúcha determina fosse cumprido, iríamos para um orçamento de em torno de R$ 600 milhões por ano. A perspectiva dos R$ 200 milhões em 2025 significa um pouco menos de 0,5% da receita líquida de impostos. São Paulo cumpre rigorosamente a sua constituição e tem investido 1% da receita líquida de impostos. Claro, é um estado com uma receita gigante, esse 1% dá mais de R$ 2 bilhões ao ano. O nosso desafio seria nos aproximar de São Paulo e tentar cumprir o que determina a Constituição. Essa é uma meta a longo prazo, talvez com um plano de crescimento progressivo. Se a gente conseguir assegurar que não vai haver retrocesso, mesmo que não seja 1%, que seja 0,5%, já vai ser uma grande conquista. Esse é o principal desafio. E há outros menores, como a ampliação da força de trabalho da Fapergs. Temos um quadro de servidores muito qualificado, experiente, mas pequeno. Operamos com excelência, presteza e agilidade. Mas, com o aumento no orçamento, não vamos dar conta. Já fizemos solicitação de autorização para concurso. Mas enquanto o Estado estiver em regime de recuperação fiscal, o próprio acordo de renegociação da dívida impede a contratação de novos servidores. Esse é um outro desafio.