Giana Milani, especial para o JC
Como está a saúde mental dos médicos no Brasil? Segundo o estudo Qualidade de vida do médico, realizado pelo centro de pesquisa da Afya, 39,8% dos profissionais alegam ter alguma doença mental, percentual que sobe para 44,3% na Região Sul, a de maior prevalência entre todas.
Questões como a demanda elevada e o descontentamento com o sistema de saúde são alguns dos fatores que os participantes relacionam ao aumento do nível de estresse no dia a dia. "O trabalho médico por si só exige a excelência e a competência em 100% dos atendimentos, pois lidamos com a vida", pontua Bruno Lo Iacono Borba, médico psiquiatra do Hospital Bruno Born, de Lajeado.
Para oferecer assistência, entidades como o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) vêm desenvolvendo uma série de ações relacionadas à saúde mental e à promoção do bem-estar. Uma delas é o SIM Mental, plataforma de atendimento psiquiátrico que reúne serviços especializados para os associados. Ela foi criada em 2020, após o levantamento de dados de um questionário para avaliar as consequências da pandemia entre médicos e estudantes.
O vice-presidente do Simers e também psiquiatra, Fernando Uberti, observa que situações como a da Covid-19 e, mais recentemente, as enchentes no Rio Grande do Sul, tornam as pessoas mais vulneráveis aos impactos psiquiátricos. "Além da carga natural de estresse que o profissional médico já enfrenta, existia uma carga adicional por estar em uma pandemia. Havia o receio de pegar a doença, de ter familiares afetados, a preocupação com a questão financeira. Os médicos estavam na linha de frente, cuidando das pessoas. É claro que isso traz ansiedade, influenciando no sono e na qualidade de vida, questões que apareceram nos dados levantados", comenta.
O questionário também trouxe outro cenário desafiador: a saúde mental dos médicos residentes. Desse modo, a entidade criou um grupo técnico com outras instituições para construir um projeto inédito, o "Simers Mais Saúde na Residência", que tem como objetivo a redução do estigma, a prevenção em saúde mental e a identificação de riscos. "Pretendemos trabalhar com a intervenção precoce, ou seja, identificar o risco e intervir precocemente para não deixar essa demanda em saúde mental se tornar uma doença e se agravar", explica Uberti.
"Há poucos profissionais para atender a demanda pública", diz Machado
Giordano Toldo/Divulgação/JC
Atualmente, o piloto do projeto ocorre em três instituições, nas quais os residentes respondem a questionários e passam por uma avaliação. "Os resultados preocupam. Percebemos uma alta prevalência de depressão e ansiedade. Há, ainda, níveis de Burnout que inspiram cuidados", detalha o professor e pesquisador Wagner de Lara Machado, que integra a iniciativa por meio da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul(Pucrs).
De acordo com Machado, a ideia é ampliar essa coleta para todos os programas de residência médica no Estado. A previsão de conclusão do projeto é para o 1º semestre de 2025, com posterior encaminhamento dos resultados para o Ministério da Saúde e para o Ministério da Educação. "Há muito menos profissionais do que o necessário para atender a demanda da saúde pública no Brasil. Estamos fazendo esse diagnóstico para sensibilizar as autarquias federais que podem, de certa forma, reverter essa situação. Os médicos residentes têm um papel muito importante para que o nosso Sistema Único de Saúde funcione, dando conta de atender a demanda da população", analisa.
Para Machado, o autocuidado entre os médicos é necessário, assim como é preciso compreender outros determinantes que podem impactar na saúde mental destes profissionais. "Há questões que não estão sob controle do médico. É um equilíbrio. Temos que falar sobre o autocuidado e o estilo de vida, mas esse não pode ser um álibi para não se falar das dificuldades estruturais", justifica.
O vice-presidente do Simers recomenda aos médicos que não negligenciem a própria saúde, seja física ou mental. "Isso é fundamental para a nossa vida pessoal e profissional. Um médico que está impactado psiquiatricamente, em uma situação de esgotamento, de saturação ou com uma síndrome de Burnout, não será um médico tão bom para seus pacientes como seria em uma condição habitual", alerta Uberti. Por isso, é preciso estar atento aos possíveis sintomas e buscar ajuda o quanto antes, complementa Borba. "E, como orientado para a população em geral: manter bons vínculos afetivos, autocuidado e espiritualidade também são importantes para a saúde mental", acrescenta. Esse assunto, aliás, pode começar a ser abordado na faculdade, como sugere a professora Jane Márcia Mazzarino, da Universidade do Vale do Taquari (Univates).
Jane Mazzarino, professora da Univates, promove banhos de floresta
Lucas Wendt/Divulgação/JC
Segundo ela, passar um tempo em contato com a natureza pode reduzir a ansiedade, o estresse, a tensão e as emoções negativas, devido à liberação de fitocidas pelas plantas. Essa é a proposta dos "banhos de floresta", ministrados pela professora como uma das atividades práticas dos módulos de Saúde e Sociedade. Jane acredita que é revolucionário uma instituição assumir no currículo a necessidade de cuidar da saúde de seus estudantes. Ela destaca que, no Japão, onde a prática teve início nos anos 1950, os banhos de florestas fazem parte da política pública de saúde. "No Brasil, há um movimento para incluirmos eles em uma das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), junto com as 29 já ofertadas pelo SUS, tais como a ioga e arteterapia, outras duas formas de experiências que os alunos de Medicina têm nas minhas aulas", conta.