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Pacientes estão mais bem-informados e buscam qualidade de vida e saúde
Os pacientes estão interessados em buscar uma vida longeva e saudável
Loraine Luz, especial para o JC
Internações domiciliares, hospitais especializados com uma gama maior de serviços, tratamentos individualizados, diagnósticos, intervenções e drogas mais precisas, médicos atuando em conjunto e atenção total ao estilo de vida como forma de evitar doenças são algumas das tendências no setor de saúde que ganham destaque neste especial em referência ao Dia do Médico.
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Elas se retroalimentam e a maioria tem uma sustentação em comum: o avanço da tecnologia. Sistemas e ferramentas equipados com inteligência artificial prometem uma revolução. "A maior tendência é, sem dúvida, o avanço da tecnologia na precisão, na resolutividade. Isso significa mais segurança, menos desperdícios", afirma Gerson Junqueira Jr, presidente da Amrigs.
Rastreadores fitness comuns ou dispositivos sofisticados, que rastreiam sinais vitais, monitoram condições crônicas e fiscalizam hábitos - os chamados wearables na medicina -, abrem caminho para que as pessoas sejam mais proativas em relação ao seu estado de saúde. O indivíduo se torna cada vez mais informado e ativo no processo. "Os pacientes estão mais interessados em buscar uma vida longeva e saudável. Também estão mais informados acerca do mundo e esperam abordagens de cuidado mais personalizadas", opina Daniel Giaccheri, sócio fundador do Grupo São Pietro Hospitais e Clínicas.
Essa proatividade explicaria até por que a saúde mental está entre as prováveis maiores demandas médicas daqui em diante (junto com doenças cardiovasculares e aquelas ligadas ao envelhecimento da população). "Nas últimas décadas se viu um crescimento exponencial no atendimento mental da sociedade. Isso se deve a muitos fatores, claro, mas também pela redução do estigma. As pessoas buscam mais facilmente a ajuda", explica Fernando Uberti, diretor-geral do Simers e médico na psiquiatria.
Se a tecnologia evolui com velocidade, a grande questão posta é como tirar proveito dela. Conforme lembra Luiz Nasi, superintendente do Hospital Moinhos de Vento, o ChatGPT já é capaz de configurar o prontuário médico durante uma consulta, estabelecendo as principais hipóteses diagnósticas e sugerindo condutas, enquanto o médico dialoga com o paciente. "Novas tecnologias devem facilitar o trabalho médico e não substituí-lo", alerta ele. Há muito conhecimento disponível, acessível instantaneamente com simples toques em telas de smartphones. Para Leonardo Pinto, pesquisador, docente e decano da Escola de Medicina da Pucrs, isso gera uma expectativa na formação e atuação médica: "como utilizar esse conhecimento disponível, como acessar um conhecimento confiável, que é o que se chama medicina baseada em evidências".
Eduardo Trindade, presidente do Cremers, acredita que incorporar as novas tecnologias sem nunca perder o olhar humano sobre o paciente é importante para os profissionais da área. Diretor do Hospital Nora Teixeira, que inaugura nesta quinta-feira reunindo parte das tendências expressas neste especial, Fernando Lucchese aposta: "A escalada de tecnologias vai fazer diferença no atendimento. Mas é o médico quem cuida do paciente. O paciente precisa do médico. Eu não tenho dúvida de que a alma da medicina está lutando bravamente para não perder o seu calor, o seu afeto, o seu acolhimento".
Home care e hospitais especializados se destacam
A telemedicina ganhou impulso durante a pandemia da Covid-19. Na medida em que se incorporam novas tecnologias voltadas para o monitoramento da saúde do paciente, registrando, analisando e sintetizando dados (que ficam disponíveis em rede), é possível se projetar além.
"Os últimos steps dessa transformação é quando você consegue fazer a distribuição do cuidado até o consumidor final através da tecnologia. Vai muito além da telemedicina", analisa Rafael Cremonese, diretor-geral do Hospital Mãe de Deus. "Cada vez mais dispositivos de monitoramento e diagnóstico são capazes de funcionar em rede sem necessariamente estarem dentro do hospital", afirma.
Para Luiz Nasi, superintendente do Hospital Moinhos de Vento, a telemedicina quebrou o paradigma de que é fundamental tocar no paciente em qualquer situação. "O que toca ao paciente é a atenção, a empatia e o interesse do médico em resolver seus problemas", acredita.
Decano da Escola de Medicina da Pucrs, Leonardo Pinto vislumbra possibilidades reais inclusive de internações domiciliares. "A gente chama de home care. A estrutura hospitalar vai ficar cada vez mais reservada para situações graves", ressalta. Cremonese endossa: "Vão estar nos hospitais os pacientes cujo tratamento precisa de alta complexidade, ou seja, uma grande disponibilidade de tecnologia embarcada e de conhecimento médico".
A mudança no perfil de assistência ainda se alinha à tendência de os hospitais se tornarem grandes complexos. "Deixa de ser apenas um lugar de internação e amplia o número de serviços oferecidos", projeta o pesquisador da Pucrs. Também parece propício o foco em especialidades, concentrando expertise numa área específica. Um exemplo prático é o próprio Hospital Nora Teixeira, da Santa Casa, que inaugura nesta quinta-feira e entrega até novembro um centro oncológico completo. "Todos os exames, procedimentos, quimioterapias, tudo será feito em único lugar", anuncia Fernando Lucchese, diretor médico da nova instituição.
Outra mudança que vem tomando forma cada vez mais nítida é no comportamento do paciente. "O usuário do sistema, especialmente o de saúde suplementar, tem um comportamento de consumidor e quer ser enxergado como cliente", atesta Cremonese. Segundo ele, os hospitais precisam entregar uma experiência como qualquer outra de consumo. Sócio fundador do Grupo São Pietro Hospitais e Clínicas, Daniel Giaccheri também aponta para a mesma cultura: "A qualidade do atendimento é crucial. Uma experiência satisfatória e eficiente inclui o atendimento cordial no ambiente físico e digital, bem como em todos os processos de atendimento. Há uma maior ênfase na experiência do paciente, incluindo estrutura e design acolhedores além de aspectos psicológicos na arquitetura".
Genética personaliza abordagens
A descoberta dos desencadeadores genéticos de doenças e os avanços em biologia molecular têm favorecido a personalização da medicina. O resultado são tratamentos mais específicos e eficazes. As informações moleculares não ajudam apenas a tratar doenças, mas também a prevenir.
Luiz Nasi, superintendente do Hospital Moinhos de Vento, explica: "A medicina genômica, que define o nosso perfil genético a partir do sequenciamento do nosso DNA e as proteínas geradas em escala a partir de cópias do RNA tem trazido enorme contribuição para conhecermos o comportamento evolutivo de certas doenças".
Nos tratamentos, Nasi cita a terapia-alvo no tratamento de cânceres, que visam a marcadores genéticos específicos do tumor para modificar seu comportamento e aumentar a possibilidade de erradicação.
O conhecimento biológico possibilita que se administre o medicamento mais adequado, na dosagem e no momento corretos. Com base no perfil genético do paciente, os chamados biomarcadores podem não só avaliar como o corpo responde a um medicamento, como também auxiliar na previsão do curso da doença e ainda antecipar a eficácia de um tratamento.
"Conhecendo o genoma, se consegue fazer uma predição de como o indivíduo vai reagir às mais variadas intervenções que podem ser propostas", explica Rafael Cremonese, diretor-geral do Hospital Mãe de Deus.
Cremonese cita, ainda, drogas modernas no tratamento de câncer. "São chamadas de imunobiológicas. Instigam o sistema imune do paciente e combatem com precisão somente a células cancerígenas, preservando as células normais do corpo."
Precisão é a nova ordem
Os ganhos em precisão estão em diversos níveis na medicina. O uso de robôs em cirurgias, prática bastante avançada no Estado, como lembra Eduardo Trindade, presidente do Cremers, é apenas um dos segmentos onde uma refinada exatidão pode ser festejada.
Na fase investigativa de sintomas, quanto mais assertivos e seguros os diagnósticos, melhores são as decisões tomadas pelos médicos - o que também implica numa medicina mais individualizada. "É o fim da solução standard", resume Gerson Junqueira Jr., presidente da Amrigs.
Um exemplo disso está entre os equipamentos de ponta que o novo Hospital Nora Teixeira, do Complexo da Santa Casa, passa a disponibilizar em seu centro oncológico. Será usado um sistema por estereotaxia ou tomossíntese, que permite a realização de biópsias 2D ou 3D, com alta definição e baixa radiação. Já o sistema de radiografia entrega imagens de última geração, com nitidez e detalhamento que facilitam a rápida tomada de decisões diretamente da sala de cirurgia ou do procedimento ambulatorial. Para o diretor da nova instituição, Fernando Lucchese, a qualidade das imagens está se tornando um mundo dentro da medicina. Tome-se como exemplo o uso de inteligência artificial (IA) na avaliação das mesmas - em laudos, por exemplo. "Hoje, se faz um laudo com dois radiologistas e cada um terá uma interpretação diferente para a mesma imagem", comenta Leonardo Pinto, decano na Escola de Medicina da Pucrs. "Provavelmente, no início, a IA vai assessorar o médico, mas depois teremos de acompanhar para ver como vai evoluir. Mas a tendência é a IA fazer um laudo mais objetivo", diz.
Outro exemplo notável de precisão nunca antes visto é um equipamento de ressonância magnética com inteligência artificial adquirido recentemente pelo Hospital Mãe de Deus. Os recursos embutidos no modelo Signa Pioneer (GE Healthcare) melhoram tanto a nitidez de imagem que permite o diagnóstico precoce de alguns tumores, assim como a percepção de alterações cerebrais de pequenas dimensões, com diferenciais na investigação de Alzheimer, Parkinson, esclerose múltipla, AVC, entre outras doenças. "Estamos ainda aprendendo todas as potencialidades dele", impressiona-se o diretor-geral, Rafael Cremonese. As qualidades da máquina não se limitam ao diagnóstico. Ele explica: "Na operação de um tumor no cérebro, o cirurgião fazendo uso do equipamento vai saber qual o melhor caminho para que a cirurgia não afete estruturas nobres, como as responsáveis pela fala, visão, movimento etc". Outro exemplo no mesmo hospital é um tomógrafo com IA que, além de imagens em altíssima resolução, reduz em 10x a radiação emitida. Os estudos de genética que tanto abrem caminho para uma medicina individualizada também aparecem entregando mais precisão.
Mais realismo na formação e atuação médica não isolada
A própria formação médica avança no universo da precisão na medida em que incorpora a simulação realística. São manequins usados em aula que podem simular uma parada cardiorrespiratória, uma crise convulsiva, por exemplo. "Tem alguns equipamentos que chamamos de manequins de alta fidelidade cuja simulação é perfeita", comenta Leonardo Pinto, pesquisador, docente e decano da Escola de Medicina da Pucrs.
Para Luiz Nasi, superintendente do Hospital Moinhos de Vento, quando se pensa em formação, sempre será importante a prática de excelência do cuidado médico aliada a uma cultura da produção de conhecimento. "Os grandes centros universitários no mundo unem médicos, professores, assistentes e pesquisadores", afirma.
Outra tendência verificada pelo pesquisador da Pucrs, já na fase da atuação médica, é o trabalho em conjunto, não apenas multidisciplinar mas multiprofissional, ou seja, uma integração que vai além dos limites da medicina. Diretor-geral do Simers, Fernando Uberti tem a mesma percepção: "Na atuação, vejo uma tendência de criar soluções para os pacientes de maneira integrada a outros profissionais, e não de forma isolada ou fragmentada". Eduardo Trindade, presidente do Cremers, faz uma ressalva. "Mas atuação multiprofissional não é todo mundo fazendo tudo. Tem de ficar claro o que cabe a cada profissional."
No crescimento de uma Medicina do Estilo de Vida, a atuação em conjunto será imprescindível. "Os modelos bem sucedidos em promoção de saúde e prevenção de doenças são multiprofissionais. O médico não faz nada sozinho. Seu papel passa a ser o de gestor de saúde, tanto populacional como individual", explica Rafael Cremonese, diretor-geral do Hospital Mãe de Deus.
Estilo de vida: um passo adiante no discurso da prevenção
Um modelo de medicina focado na promoção da saúde e não unicamente na doença pode não apenas reverter um cenário preocupante de crescimento de doenças crônicas como devolver sustentabilidade ao setor médico-hospitalar.
Diabetes, epidemia de obesidade e intercorrências cardiovasculares estão entre os desafios mais propensos a demandar dos profissionais do ramo - na perspectiva atual. Iniciada em 2004 na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, com ares de nova especialidade, a Medicina do Estilo de Vida parece o melhor enfrentamento desse cenário pessimista.
O American College of Lifestyle Medicine (ACLM), criado no mesmo ano, está com uma conferência lotada para o final do mês. Já o Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida (CBMEV), fundado em 2018, promove em novembro o VI congresso sobre o tema.
A Medicina do Estilo de Vida foca em pilares básicos de saúde: manejo de estresse, relacionamentos saudáveis, nutrição, atividade física, qualidade do sono e controle de substâncias tóxicas. Os médicos atuam como consultores especializados - pautados por dados e estudos comprovados - para ajudar o paciente a adotar atitudes que colaborem para a harmonia do funcionamento do organismo. "Mesmo na saúde mental, o tratamento não é só medicação e terapia, mas está associado a práticas de vida saudável, ou seja, leva em conta o estilo de vida da pessoa", relembra Fernando Uberti, diretor-geral do Simers.
Para Rafael Cremonese, diretor do Hospital Mãe de Deus, essa tendência tem impacto inclusive no futuro do setor como um todo: "Para o sistema seguir sendo viável e entregar ao paciente o melhor, precisa ser menos hospitalocêntrico e mais focado na promoção de saúde e prevenção. Do ponto de vista financeiro, faz muito mais sentido', avalia.
Luiz Nasi, superintendente do Hospital Moinhos de Vento, acrescenta: "O sono com qualidade, hábitos alimentares saudáveis e de lazer sistemáticos são indicadores de longevidade e qualidade de vida". Para os profissionais, os desafios na saúde são múltiplos. "Não só de formar profissionais nas diversas pontas do sistema, mas também ser capaz de promover práticas custo-efetivas tanto para o setor público quanto o privado", avalia Nasi.
Compartilhamento seguro de dados
Se tudo passa para o ambiente digital, a geração de dados é uma constante no universo da saúde. E assim o setor se vê diante de uma oportunidade: o compartilhamento aprimorado de dados e a interoperabilidade entre sistemas de saúde e prontuários eletrônicos podem aprimorar atendimento e facilitar decisões.
Não foi à toa que a vencedora da batalha de startups na Health Meeting - Business & Innovation, realizada no início do mês, foi justamente uma empresa que apresentou uma solução para facilitar a comunicação das diferentes instituições sobre o histórico dos pacientes.
Como unir tudo em um só lugar e facilitar o acesso das pessoas a essas informações? Foi assim que a ehDoc, com sede no Unitec, da Unisinos, levou a vitória.
Dentro das instituições, a integração de dados permite a colaboração interdisciplinar. "Facilita uma visão abrangente do histórico do paciente", garante Daniel Giaccheri, sócio fundador do Grupo São Pietro Hospitais e Clínicas, onde essa interconexão de dados está disponível em todas as unidades, incluindo o Hospital Banco de Olhos.
Luiz Nasi, superintendente do Hospital Moinhos de Vento, vai além. "É possível avaliar o comportamento de toda a população de uma determinada região ou país utilizando um grande banco de dados, armazenando perfis médicos individuais, fundamental para a construção de políticas públicas de investimentos no que tem sido chamado de medicina preditiva", detalha o executivo do Moinhos de Vento.
Com essa perspectiva, surge uma demanda importante: a segurança dos dados. A cibersegurança passa a ser uma preocupação para todo o setor.