O primeiro quadrimestre do ano para a indústria metalmecânica de Caxias do Sul foi de desempenho um pouco abaixo ao de 2023, que já apresentara resultado fraco na comparação com exercícios anteriores.
Com as enchentes, a situação tende a piorar na avaliação de Ubiratã Rezler, presidente do Simecs (Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e Região), com abrangência territorial em 17 municípios da Serra. Para ter clareza sobre a dimensão dos problemas decorrentes das enchentes, a entidade realiza um levantamento junto às empresas associadas.
O ponto principal está sendo no fornecimento de matéria-prima, que era normal até o final de abril. "Várias empresas ficaram sem matéria-prima, porque há dependência do fornecimento de muitos itens da Região Metropolitana de Porto Alegre", afirma.
Para dar continuidade às atividades, são buscadas alternativas em outras regiões, mas que acabam encarecendo o custo final, o que já foi um problema sério na pandemia de Covid-19.
Rezler salienta que a situação é complexa no setor, pois não há uma realidade única, decorrente da forte diversidade de produtos manufaturados na Serra, atendendo a inúmeros segmentos.
"O ano começou mais devagar, mas mesmo assim houve reposição de postos de trabalho", comenta. Empresas com vocação mais direcionada à atividade agrícola são as que apresentam os resultados mais negativos, com média de 20% abaixo de 2023. "Se conseguirmos fechar com o mesmo resultado do ano passado será perfeito. Mas não consigo ver isto como uma possibilidade concreta, principalmente depois desta tragédia climática", avalia.
De acordo com a Associação Brasileira de Máquinas, o segmento agrícola teve recuo de 23% no trimestre na comparação com 2023. Já os segmentos de caminhões e ônibus, outros mercados fortes da indústria de Caxias do Sul, registraram aumentos de 29% e 65% na produção, respectivamente, nos quatro primeiros meses de 2024, de acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores.
Preocupação se estende ao cenário nacional
Piva, presidente do Simme, acredita que diversidade ajudará na retomada
/Simmme/Divulgação/JCAlém dos problemas econômicos e climáticos, Ubiratã Rezler destaca que o empresariado acompanha, com apreensão, o que vem ocorrendo no cenário político. "Infelizmente, a gente nunca sabe para onde vai, não se sabe qual o cenário possível", lamenta.
Para fazer frente ao momento, assinala que o empresário tem olhado para o seu negócio com muita cautela, fazendo os investimentos estritamente necessários para avançar, especialmente, na produtividade, na busca por maior competitividade. "É um cenário que requer muitos cuidados, estamos andando conforme os caminhos são trilhados, buscando fazer mais com menos", comenta. O presidente relata a percepção de que o empresário está preocupado com a organização do seu negócio e manutenção do quadro de pessoal, já que a rotatividade eleva os custos.
Ele reconhece que as grandes empresas, por meio de equipes técnicas preparadas, têm maior estrutura para encontrar o caminho mais assertivo, tanto em investimentos quanto na prospecção de negócios internos e externos. Algo que falta nas micro e pequenas organizações, segundo Rezler. Ele registra movimentos mais consistentes para investimentos no segmento de ferramentarias em linha com o novo projeto do governo federal de incentivo à atividade automotiva.
O presidente do Simme, Juarez Piva, destaca que a expectativa era de que 2024, mesmo com restrições, seria melhor do que o ano passado, que não foi promissor. Com as enchentes, a situação deve se alterar. "O agronegócio deu uma diminuída e já impactou os negócios", reforça. No entanto, o presidente ressalta que o setor é diversificado, com destaque para a produção de máquinas para indústria de bebidas, higiene e beleza, automação e produtos químicos. "A diversidade é o grande potencial da região", assinala. As exportações representam 18% do faturamento do setor, tendo países da América do Norte e Europa como os mercados mais representativos. "Nossa carteira diversificada vai de redutores até linhas completas para envase de bebidas", comenta. Para ampliar as vendas externas, o sindicato tem convidado empresas a participar de encontros para troca de informações com marcas já consolidadas neste mercado. "É preciso demonstrar mais este potencial", ressalta.
Simecan receia que, sem apoio, empresas deverão sair do Estado
Levantamento realizado pelo Simecan (Sindicato das Indústrias Metalmecânicas e Eletroeletrônicas de Canoas e Nova Santa Rita) indica que a maioria das empresas associadas com endereços no lado oeste de Canoas, que é banhado pelo Rio dos Sinos, está parada e com as plantas fabris alagadas. Este conjunto representa de 65% a 70% do total da atividade. No lado leste, que tem o Rio Gravataí como divisa, a paralisação atinge em torno de 50% das empresas ali localizadas.
"Em alguns pontos, as águas alcançaram de sete a oito metros de altura. É assustador o número de empresas submersas. Tudo foi perdido", desabafa o presidente Roberto Machemer. A entidade tem 143 associadas, responsáveis por cerca de 8 mil empregos diretos. O total projetado é de 600 empresas, a maioria de micro e pequeno porte.
Na avaliação do dirigente, a prefeitura e o Estado têm feito as ações dentro das suas condições e limites de atuação. Para ele, caberá à União a responsabilidade de auxiliar na reconstrução das indústrias por meio de financiamentos a juros zero ou com recursos a fundo perdido. "Será preciso um apoio muito forte na recuperação. Já somos menos competitivos em termos de incentivos. Se ficarmos sem apoio efetivo agora, será difícil convencer os empresários a ficar no Estado. Não podemos perder empresas, nem empregos. É hora de a União olhar com carinho para o Estado, que participa muito com impostos, mas pouco recebe de volta. O momento de ajudar é agora", manifestou.
Machemer ainda aponta como solução mitigadora repetir a medida adotada durante a pandemia da Covid-19, quando o governo federal assumiu o pagamento de parte da folha de salários. Assegura que medidas como bancos de horas, adoção de férias antecipadas e outras que permitam a flexibilização do trabalho serão adotadas para garantir os empregos. Segundo ele, o sindicato laboral manifestou posição semelhante visando assegurar os postos de trabalho.
O dirigente demonstrou preocupação com o fato de o governo federal, até o momento, só ter feito acenos para a população atingida e não ter apresentado ainda qualquer medida para o setor empresarial.
"Não temos ideia alguma de quando vamos poder retomar as atividades. Nem mesmo quando poderemos entrar nas empresas. Se tomarmos como parâmetro a enchente de 1941, foram entre 50 e 60 dias. Além de mais volumosas, as chuvas de agora estão sendo mais persistentes, retornando após uma pequena pausa. É algo que deixa a situação ainda mais caótica", lamenta.
Mesmo com o esforço das forças de segurança, o empresário revela preocupação com o grande número de roubos a empresas, com a retirada, principalmente, de matéria-prima que pode ser revendida facilmente ou ser aproveitada. Ele ainda cita o fato de muitas pessoas estarem acumulando donativos em casa, o que pode causar a falta de itens.
Machemer destacou a mobilização da sociedade civil organizada, juntamente com o setor público, para ajudar as milhares de famílias desabrigadas. "Foi tudo muito rápido, obrigando saídas urgentes. Felizmente, tem havido um envolvimento comunitário grande para resolver os problemas urgentes e ajudar no reerguimento da cidade", ressaltou.
Cita, em especial, o trabalho do Banco de Alimentos da Federação das Indústrias do Estado e de outras organizações. Ele destaca o apoio entre as empresas, inclusive de outras regiões, para a recuperação daquelas em que o nível das águas está baixando e permitindo avaliar os estragos.
Maior impacto será sentido na virada do mês com a folha salarial
A indústria metalmecânica, na região de abrangência do Simecs, tem faturamento anual estimado em R$ 50 bilhões. São 5.535 empresas, responsáveis por 73.116 empregos. O setor é formado, majoritariamente, por micro empresas (70%) e de pequeno porte (17%). Médias e grandes organizações respondem pelo restante. Em 2023, o setor exportou US$ 1 bilhão e importou US$ 500 milhões.
O cenário se repete na área de abrangência do Simmme (Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Bento Gonçalves), que representa em torno de 350 empresas, responsáveis por 5 mil empregos e faturamento anual de R$ 2 bilhões, com sedes também em Santa Tereza, Monte Belo do Sul e Pinto Bandeira. O presidente Juarez Piva relata que algumas plantas fabris foram diretamente afetadas com alagamentos, deslizamentos e falta de energia.
No entanto, o maior problema é a dificuldade de acessos, impactando o fornecimento de matérias-primas e entrega de produtos acabados. "A saída tem sido conceder férias coletivas, fazer paradas pontuais ou elevar os estoques por impedimento de entregar os produtos prontos", explica.
Piva defende uma ajuda coordenada de todos os sentidos a partir do entendimento de que a indústria precisa continuar gerando empregos e renda. Para ele, o maior impacto econômico será sentido na virada do mês com a folha de pagamento dos funcionários. "É necessária a urgente liberação de recursos com juros subsidiados e o adiamento do pagamento de impostos", acrescenta.
Para o empresário, garantir plenos acessos humanitários e econômicos é urgente para que o Estado possa sair desta situação caótica. "É surpreendente a demora para sair deste impasse. Não basta só diálogo, ações focadas nas pessoas são necessárias, bem como para o setor econômico, que precisa voltar a produzir sob pena de um colapso total das finanças. Todos os setores serão direta ou indiretamente afetados e precisarão de atendimento. Ninguém vai sair ileso desta tragédia, não voltará a ser como antes", reitera. Piva destaca a parceria que houve entre as empresas com ajuda humanitária e de materiais.