O governador Eduardo Leite (PSDB) promete dar atenção especial ao desenvolvimento econômico do Rio Grande do Sul neste segundo mandato. Nos primeiros quatro anos de governo, o tucano focou na reorganização das contas públicas. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, concedida por e-mail, Leite ainda analisa projetos para incentivar a indústria gaúcha, fala de carga tributária e de iniciativas para uma nova economia focada em inovação e sustentabilidade.
Jornal do Comércio - A reindustrialização do Brasil está na pauta outra vez. Industriais esperam avanços na reforma tributária e incentivos do governo federal. Como o governo do Estado pode ajudar a indústria gaúcha a se desenvolver?
Eduardo Leite - O tema da promoção do desenvolvimento ganhará um tratamento especial neste segundo período de governo, já que, no primeiro ciclo, tivemos que nos concentrar nos aspectos fiscais. De uma certa forma, os dois eixos estão correlacionados, porque é um poder público financeiramente saudável que tem as melhores ferramentas para agir como promotor do crescimento econômico. Ao ajustar a máquina pública e equilibrar as contas, conquistamos a condição de poder reduzir responsavelmente impostos e promover investimentos que melhoraram a nossa competitividade. Criamos um ciclo virtuoso. Nós queremos ajudar ainda mais a indústria gaúcha e os demais setores econômicos. Estamos formatando uma agência de desenvolvimento, em parceria com a iniciativa privada, que irá intensificar a promoção comercial do nosso Estado, atraindo e retendo projetos. Também mantivemos a política de estreitar o diálogo do setor produtivo com a Secretaria da Fazenda, com o intuito de encontrar oportunidade de simplificações tributárias que façam sentido e gerem resultados práticos. Agora, tudo isso precisa ocorrer em um ambiente de racionalidade tributária, por isso estamos atentos e acompanhando as discussões em torno de uma reforma tributária que leva à simplificação efetiva, à redução da carga tributária e a um mecanismo nacional de devolução de imposto, nos moldes do Devolve ICMS, que já implantamos aqui no Rio Grande do Sul.
JC - Calçadistas avaliam que o Rio Grande do Sul pode avançar em termos de simplificação tributária e até mesmo redução da carga tributária pontualmente para o setor. É possível neste ciclo de governo?
Leite - Buscamos implementar medidas setoriais que sejam benéficas para a economia mas que não criem novas dificuldades para o processo tributário das próprias empresas. Esse assunto tem sido acompanhado pela Receita Estadual nos fóruns de debate com o setor para avaliar a possibilidade de avanços. Vamos seguir dialogando para encontrar as melhores soluções possíveis, lembrando que esta interação entre iniciativa privada e Secretaria da Fazenda tem sido elogiada pelos empresários como um fórum adequado para aprimorar o sistema tributário gaúcho.
JC - Ainda falando em tributos, a alíquota do ICMS de combustíveis, energia e telecomunicações deve voltar a ficar em um patamar superior ao da alíquota básica de 17%?
Leite - Hoje já vigora uma sistemática diferente para os combustíveis, que não é mais baseada na alíquota de ICMS. A mudança no modelo de monofasia simplifica a cobrança do tributo ao adotar um valor único de ICMS sobre o preço do litro dos combustíveis para todo o País. Poderá ser recuperada uma parcela da arrecadação que perdemos com a Lei Complementar 194 em 2022. Veja que, no caso das alíquotas sobre energia e telecomunicação, já tínhamos previsão para que baixassem de 25% para 17% a partir de 2024 no Rio Grande do Sul, fruto de decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal. Mas essas medidas precisam ser coordenadas, porque afetam também os municípios. As reformas estruturais promovidas nos últimos anos, que foram cruciais para a retomada do equilíbrio fiscal do Rio Grande do Sul, permitiram ao governo promover uma redução responsável da carga tributária do ICMS. Ainda em janeiro do ano passado, reduzimos as alíquotas sobre combustíveis, energia e telecomunicações de 30% para 25%, além da queda da alíquota geral, de 18% para 17%.
JC - Sustentabilidade e inovação são dois pilares da nova economia. Quais cadeias produtivas industriais o Estado pode ou planeja desenvolver baseado nestes princípios?
Leite - O Estado tem feito um trabalho intenso para fortalecer esses setores da economia, que representam oportunidades enormes para o futuro do Rio Grande do Sul. A atração e o desenvolvimento de cadeias produtivas ligadas à inovação e à sustentabilidade dependem de um contexto que aprimoramos nos últimos anos. Hoje, somos líderes em inovação entre os estados brasileiros e estamos nos consolidando como referência no tema a partir de uma sinergia muito forte com os ecossistemas de inovação, as universidades e o setor privado. O número de startups aumentou consideravelmente nos últimos anos, e já somos o quinto Estado no ranking nacional. Estamos desenvolvendo essa cadeia com uma velocidade muito importante. Na parte de sustentabilidade, modernizamos a nossa legislação ambiental, promovendo um fluxo mais simplificado para os empreendedores, mas nem por isso menos cuidadoso com o meio ambiente. Essa combinação de resultados e o cenário que se desenha no Estado nos dão confiança de que teremos um protagonismo ainda maior nessas áreas a curto e médio prazos, abrindo espaço para projetos transformadores, como no caso do Hidrogênio Verde, entre outros investimentos que temos condições de atrair.
JC - Em quais setores estão os principais investimentos privados que o Rio Grande do Sul pretende atrair?
Leite - Trabalhamos para receber investimentos em todas as áreas, até pelas características do Estado, que possui uma economia diversificada. Temos uma carteira de projetos bastante robusta e mudamos o ambiente de negócios para tornar a instalação de empresas mais simples, além de oferecermos incentivos. Mas é inegável que um dos nossos principais focos no momento é criar as condições para recebermos investimentos para produção de hidrogênio verde. Essas condições já existem, em muito, pelas características geográficas do Rio Grande do Sul. O Estado tem um estudo técnico que respalda a oportunidade e a competitividade do Rio Grande do Sul na produção do combustível. Estamos saindo na frente de outros estados, e somos os primeiros a ter esse estudo, que orienta ações do governo na geração de ainda maior demanda interna e condições competitivas para este uso do hidrogênio verde. Estamos falando de uma tecnologia com potencial de injetar mais de R$ 60 bilhões na nossa economia até 2040, além de gerar dezenas de milhares de empregos.
JC - Como está a negociação para destravar o investimento de R$ 6 bilhões no complexo de energia com a termelétrica a gás em Rio Grande? O senhor esteve em Brasília por mais de uma vez, inclusive em reuniões com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). É possível destravar esse investimento estratégico para o Estado neste ano?
Leite - Estamos insistindo junto à Aneel para que a agência dê uma atenção especial ao projeto. O complexo seria um dos maiores investimentos privados da história do Rio Grande do Sul, além de se instalar em uma região estratégica para o desenvolvimento, que é a Metade Sul. Estive na Aneel ao lado do prefeito de Rio Grande, Fábio Branco, e estamos trabalhando para sensibilizar a direção da agência. Ressaltamos, além de outros aspectos, que a usina é importante para ampliar a diversificação das fontes de produção de energia elétrica, o que a torna fundamental para o enfrentamento de eventuais crises de falta de energia causadas pela escassez de chuvas, por exemplo. O governo está empenhado em destravar esse investimento.
JC - E a privatização da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan)? O imbróglio jurídico será superado até o fim de maio?
Leite - Temos confiança de que sim. O processo de privatização da Corsan transcorreu legalmente e passou por decisão do Parlamento, como manda a legislação. É natural que um processo dessa magnitude receba contestações judiciais, mas confiamos em um desfecho favorável, que vai beneficiar, acima de tudo, os gaúchos e as gaúchas. A verdade é que a Corsan não tem condições de cumprir as metas do Marco do Saneamento. O Marco ajuda a levar coleta e tratamento de esgoto para quem mais necessita e dá mais saúde e dignidade à população. Seguimos este caminho para recuperar o enorme atraso que existe no Brasil em relação ao saneamento básico. Já está mais do que comprovado que necessitamos da iniciativa privada para garantir esses investimentos. A população, em especial a mais pobre, não precisa simplesmente de empresas públicas de saneamento. Ela precisa que o saneamento funcione.
JC - Há outras privatizações ou concessões no radar para este segundo mandato?
Leite - Com certeza. Inclusive, durante a missão oficial que tivemos em Nova York, recebemos um feedback curioso de investidores. Alguns brincaram que a nossa carteira de projetos está reduzida em relação a outros estados. Mas isso acontece porque nós fizemos muitas privatizações e concessões no primeiro mandato, mais do que qualquer outro Estado. Então, naturalmente, temos menos ativos agora. Brincadeiras à parte, ainda temos projetos muito importantes para desenvolver neste mandato. Lançamos o edital da PPP do Presídio de Erechim, temos ainda os blocos 1 e 2 de concessão de rodovias, o Cais Mauá, aeroportos regionais, a rodoviária de Porto Alegre, o zoológico de Sapucaia do Sul, o Jardim Botânico, além de ativos imobiliários e novas oportunidades que estamos prospectando, para hospitais e escolas.
JC - Como estão as negociações do empréstimo de US$ 500 milhões com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para o pagamento de precatórios?
Leite - Já foi aprovado ano passado pela Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex) e agora está em análise pelo BID. Essa é uma operação autorizada dentro do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e que tem um papel estrutural para que o Estado possa enfrentar o passivo dos precatórios de R$ 16 bilhões. Esse projeto, inclusive, deve se tornar uma referência para outros estados que também buscam soluções para os precatórios que precisam ser quitados até 2029.
JC - No contexto atual, é possível dizer que as contas públicas do Estado estão equilibradas e que teremos superávit nos próximos anos, mesmo sem receitas extraordinárias?
Leite - O Rio Grande do Sul acumulou anos de déficits e precisa de um período também prolongado de recuperação, o que está sendo feito no Regime de Recuperação Fiscal no médio prazo. Ainda temos a dívida, os precatórios e qualquer medida sem lastro na receita pode comprometer esses avanços que foram tão caros à sociedade. Por isso, o ajuste precisa ser permanente. Os investimentos precisam avançar dentro da capacidade que a receita permite. E se medidas externas como essa da redução das alíquotas surgem, elas certamente podem representar ameaças. Da nossa parte, vamos seguir trabalhando pelo aumento dos investimentos públicos e privados, pelas reformas e pelo melhor ambiente de negócios no Estado, fortalecendo a educação e a inovação. Nós quebramos um ciclo de deterioração das contas públicas. Isso é um valor que precisa ser preservado pela sociedade. Acredito que a reforma tributária tenha também esse potencial de virada de página para o Brasil.
JC - Haverá um novo ciclo de investimentos do Rio Grande do Sul com recursos do Tesouro Estadual até 2026?
Leite - Nosso objetivo é elevar e tornar sustentável a capacidade de investimento do Estado, sem que os aportes dependam tão somente de receitas extraordinárias, como as originadas por privatizações. Isso envolve um conjunto de ações transversais, como o fortalecimento do programa de Qualidade do Gasto, que busca a alocação eficiente de recursos e a identificação de gastos contraproducentes. Também estamos otimistas com relação ao avanço da reforma tributária nacional no Congresso. Houve avanços com as reformas previdenciária e administrativa. Uma remodelação tributária bem elaborada, que torne o imposto sobre o consumo mais progressivo e simplifique a vida do contribuinte, tem potencial de acelerar o crescimento econômico do País, o que se reverteria em aumento de capacidade de investimento para os Estados. Sob a perspectiva da despesa, estamos discutindo com a União a remodelagem de alguns pontos do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) para tornar mais sustentável o estoque da dívida pública com o governo federal, o que também poderia eventualmente abrir espaço fiscal para mais investimentos com recursos próprios.