Porto Alegre começou a semana com a possibilidade de um fechamento total da cidade mais próxima do que nunca desde o início da pandemia do novo coronavírus. Na sexta-feira (17), o prefeito Nelson Marchezan Júnior afirmou que,
se o isolamento social não prosperar nesta semana, o lockdown será inevitável. “Chegamos ao nosso limite. Todas as medidas restritivas às atividades levam 15 dias para surtirem efeito. Falta muito pouco para o lockdown”, ressaltou o prefeito.
Diante da possibilidade real de que a capital gaúcha entre na sua fase mais dura de restrições à circulação de pessoas e ao funcionamento do comércio, indústria e serviços, no momento em que a pandemia começa a estabilizar ou até regredir na maior parte das outras capitais do País, a pergunta que surge é a seguinte: como se chegou a esse ponto?
O novo coronavírus desembarcou oficialmente no Brasil no dia 26 de fevereiro, quando o Ministério da Saúde registrou o primeiro caso da Covid-19 no País. Três dias depois, no dia 29 de fevereiro, a doença chegou no Rio Grande do Sul, com a primeira ocorrência sendo anotada pela Secretaria Estadual da Saúde, no município de Campo Bom.
Em Porto Alegre, o
primeiro caso de infecção pelo vírus foi notificado no dia 8 de março e confirmado no dia 11. Doze dias se passaram até que o primeiro óbito causado pela doença fosse registrado, no dia 20 de março, quando o município já tinha 77 ocorrências confirmadas da doença.
O primeiro mês e meio da pandemia na cidade foi de boa adesão da população aos apelos por distanciamento social e o resultado foi de um impacto baixo da doença, com Porto Alegre, inclusive, tendo, aparentemente,
domado a curva de contágio. O número de pessoas internadas em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) começava a cair, o de casos aumentava em ritmo lento e o de mortes se mantinha estável.
No dia 21 de abril, os hospitais da Capital tinham 68,4% de seus leitos intensivos ocupados - 455 pacientes ocupando 665 leitos. Desses, 31 eram de casos confirmados de Covid-19. Além disso, outras 29 pessoas com suspeita do novo coronavírus também estavam hospitalizadas em UTIs. Os números eram bem menores dos registrados 10 dias antes, em 11 de abril, quando havia 43 pessoas com diagnóstico confirmado internadas.
Passados mais de 20 dias, em 13 de maio, o cenário apontava para uma consolidação do controle da pandemia em Porto Alegre, com o município, inclusive, se tornando
modelo de combate ao vírus. Naquela data, dois meses depois do primeiro caso, a cidade de quase 1,5 milhão de habitantes tinha 19 vítimas fatais. Em termos comparativos, Curitiba (PR), teve o primeiro óbito em 6 de abril - 17 dias depois do primeiro em Porto Alegre - e já contabiliza 29 mortes na ocasião. Em Goiânia (GO), que também tem população na casa de 1,5 milhão, 25 pessoas já haviam perdido a vida. Naquele dia 12 de maio, a Capital tinha 452 pessoas hospitalizadas em UTIs, sendo 41 com diagnóstico confirmado do coronavírus e 16 com suspeita de contaminação - número menor que o registrado em 21 de abril.
Ainda em 12 de maio, o prefeito Nelson Marchezan Júnior, apontava, porém, que o número de casos da doença iria aumentar na cidade, fosse pela maior quantidade de testes aplicados, fosse pela liberação de algumas atividades econômicas que estavam suspensas. “Isso não quer dizer que perdemos o controle ou que estamos piores na gestão do problema”, disse Marchezan à época.
Evolução da pandemia em Porto Alegre (casos e óbitos) desde o primeiro caso
Pandemia deu salto na cidade após reabertura de atividades econômicas
O impacto das medidas adotadas foi percebido nos números da pandemia. Um mês depois das primeiras liberações, em 22 de maio, o total de casos já havia mais que dobrado – passado de 415 para 934 –, assim como o de mortes, que saltou de 11 para 27. A elevação das curvas de casos e mortes fez o prefeito
"dar um passo atrás" e decretar a retomada de restrições a partir do dia 15 de junho, com vistas a tentar conter a propagação do vírus e evitar uma pressão maior sobre o sistema hospitalar.
A situação, porém, já havia chegado a um ponto de difícil retorno sem que medidas drásticas como o lockdown fossem tomadas. Os índices de isolamento social diminuíram consideravelmente e isso podia ser visto no significativo aumento do movimento nas vias da Capital. A situação levou a prefeitura a
fechar a orla e alguns parques da cidade no dia 4 de julho, além de bloquear o vale-transporte de trabalhadores que não atuam em serviços essenciais.
Com a escalada vertiginosa da pandemia, nem o aumento de leitos em UTIs – de 665 em 20 de abril para 756 em 20 de julho – foi suficiente para manter a tranquilidade do cenário. Somente nos 20 dias do mês atual, foram 118 óbitos em razão da Covid-19 em Porto Alegre, número de mortes igual ao ocorrido nos três primeiros meses do novo coronavírus no município. Ou seja, nos últimos 20 dias, a cidade teve a mesma quantidade de mortes pela doença que teve nos 120 dias anteriores.
Curva de internações por Covid-19 em UTIs na Capital disparou
Com a rede hospitalar superando os 90% de ocupação em seus leitos intensivos – nesta segunda-feira, três hospitais (Santa Ana, Restinga e Porto Alegre) tinham 100% de lotação em suas UTIs – a velocidade de abertura de novas vagas não é a mesma da demanda por esses leitos.
A rede de saúde se aproxima de um ponto de saturação. Os hospitais de Clínicas, Santa Casa e Conceição estão perto da lotação máxima, com percentuais de ocupação de 95,3%, 93,5% e 93,3%, respectivamente. Além deles, os hospitais Moinhos de Vento (90,3%), Divina Providência (91,3%), Cristo Redentor (94,8%), Pronto Socorro (90%) e Independência (90%) também estão chegando ao limite.
Porto Alegre tem nesta segunda-feira, 281 pessoas internadas em UTIs com Covid-19. Um mês atrás, eram 90 pessoas nessa situação. Sem conseguir conscientizar parte da população da necessidade urgente de que o isolamento social seja mantido, a prefeitura aventa agora sua principal cartada no combate ao novo coronavírus: o lockdown.