Gestões responsáveis, conservadoras e profissionalizadas são referência das cooperativas com negócios ligados à agropecuária no Rio Grande do Sul para enfrentar turbulências, reverterem crises ou mesmo sustentar patamares já alcançados de eficiência.
Nesse ambiente volátil, em que um movimento pode definir sucessos ou fracassos para toda uma comunidade de associados, a cautela e o planejamento são mantras inegociáveis. E é com base neles que o setor pretende colher resultados sustentados e auxiliar o Estado na missão de reconstrução após a devastação provocada pelas chuvas do final de abril e boa parte de maio.
É assim na Cotrijal, de Não-Me-Toque, na Santa Clara, de Carlos Barbosa, com 4,8 mil associados, e também na Languiru, com sede em Teutônia, que tenta sair da difícil situação financeira em que se encontra. O esforço é para tranquilizar os mais de 5,3 mil produtores, dos quais apenas 30% entregam a produção de leite de forma regular, atualmente.
Situada no Norte do Estado, a Cotrijal concentra esforços na produção, armazenagem, industrialização e comercialização de grãos e insumos. Com 16 mil associados, atua em 53 municípios e faturou no ano passado R$ 5,4 bilhões, com mais de R$ 140 milhões em sobras e lucro líquido. Desse montante, R$ 124 milhões foram investidos em melhorias para o atendimento ao produtor, sendo R$ 95 milhões em estruturas para armazenagem de grãos, fertilizantes e novas tecnologias para o campo.
Com 78 unidades de recebimento de grãos, a cooperativa teve algumas delas afetadas pelas enchentes, mas não interrompeu suas atividades. Para o presidente, Nei César Manica, é a hora de o governo federal aportar recursos, inclusive a fundo perdido, para que o Rio Grande do Sul possa se reerguer em três a quatro anos.
"É o papel do governo em situações de catástrofe. Se depender só do nosso esforço, vamos levar muito tempo. Tem estradas, tem empresas. Tudo isso que aconteceu mexe na economia. Com ajuda federal, vamos nos reconstruir mais rapidamente", afirma o dirigente.
No Vale do Taquari, a Languiru, com dívida superior a R$ 1 bilhão, fez a virada de chave há um ano, quando ocorreu a renúncia da administração anterior, que esteve à frente dos negócios por mais de duas décadas. E, agora, em meio a um processo de Liquidação Extrajudicial em Continuidade de Operação, trabalha para encolher de tamanho, pagar dívidas, valorizar ativos rentáveis e retomar a força e o vigor de quando foi fundada, em novembro de 1955.
Além dos movimentos de mercado que levaram ao endividamento no passado, novos obstáculos se postaram pelo caminho com as estiagens e chuvas excessivas ocorridas desde o ano passado na região. E, na enxurrada de abril e maio, o impacto sobre a cooperativa foi grande.
Mas conforme o presidente-liquidante Paulo Birck, a retomada no setor cooperativo agropecuário pode ajudar na recuperação do Rio Grande do Sul pós-catástrofe. A vocação agropecuária do Estado, principal motor da economia, dialoga largamente com as cooperativas, em especial ligadas às cadeias da proteína animal, que lida com médios e pequenos produtores em regime de economia familiar. É preciso, então, fomentar o setor. Permitir a retomada das cooperativas e dos agricultores familiares é condição para milhares de famílias retomarem o sustento e girar toda a cadeia do agronegócio envolvida, antes e depois da porteira, alcançando um grande número de trabalhadores e empresas.
"Temos visto a mobilização dos poderes públicos municipais, estadual e federal, sinalizando que se houver vontade, será possível. Agora, é importante reforçar, tanto para o auxílio governamental quanto da sociedade civil, com doações e suporte: levaremos tempo para nos reerguer. Os problemas, as mazelas, os danos dessa catástrofe repercutirão por muitos anos." No caso da Languiru, acrescenta o dirigente, é preciso dar aos produtores prejudicados pelas chuvas as condições para voltarem a produzir, auxiliar a recomposição dos plantéis e das estruturas danificadas.
Assim como representantes de outras entidades do mesmo segmento, Birck defende que o Estado brasileiro repense a política agrícola, especialmente sobre o seguro agrícola. Entre as demandas recorrentes estão a criação de um plano de refinanciamento das dívidas, tanto para os agricultores quanto para as cooperativas agrícolas, e linhas de crédito com largo período de carência e taxas de juros baixas, talvez a fundo perdido, para a reconstrução. "Mas que também é necessário melhorarmos os mecanismos para liberação destes recursos, para que de fato eles cheguem aos produtores e cooperativas que estão em dificuldade e endividados. Falta uma política pública forte, que venha para resolver esses problemas. Sozinhos, nossos produtores e cooperativas terão muita dificuldade."
Em meio à reestruturação necessária após a consolidação da crise financeira, a empresa estabeleceu metas, já contextualizadas no seu novo momento. E, em maio, a Languiru atingiu cerca de 85% da meta mensal para este ano. E segue atenta à redução do custo operacional e redimensionamento. "Nossa maior busca é pela retomada do equilíbrio. Acreditamos que chegaremos na nossa meta no próximo trimestre. Não devemos fechar a meta anual, mas fecharemos este ano com perspectiva", conclui.
Movimentos seguros pavimentam a caminhada de crescimento de cooperativa da Serra Gaúcha
Santa Clara manteve metas de faturamento como desafio e foco em oportunidades
ANA TERRA FIRMINO/JCCom 113 anos, a Santa Clara tem hoje um mix de 391 itens. E, sem abrir mão do planejamento estratégico, adota o conservadorismo em suas ações, levando adiante somente projetos com viabilidade econômica, além de metas segmentadas de faturamento e resultado.
"Cuidamos muito do caixa e dos indicadores econômicos, trabalhando sempre com liquidez positiva, buscando manter nossos compromissos em dia. Com isso, zelamos por uma cooperativa saudável financeiramente, fazendo com que todos os elos que se relacionam com a Santa Clara estejam seguros em trabalhar com a cooperativa, tanto produtores, colaboradores, fornecedores, instituições financeiras e nossos clientes", diz Alexandre Guerra, diretor administrativo e financeiro da Cooperativa Santa Clara.
Embora estruturada, a empresa também enfrenta desafios devido às enchentes e condições climáticas adversas, somadas às diversas estiagens. Subiu o custo da logística. É preciso buscar rotas alternativas na captação e entrega do leite, já que há acessos bloqueados por queda de pontes e deslizamentos na rota da unidade de industrialização do leite UHT, no município de Casca.
Outro ponto é a crescente inadimplência, uma vez que muitos clientes perderam seus negócios devido aos impactos das enchentes. Além disto, o excesso de chuva lavou o solo e terminou com as pastagens de grande parte das propriedades dos produtores de leite. O desafio é recuperar este solo e voltar a obter a alimentação necessária do gado leiteiro.
Guerra acredita que, diante desse cenário de necessidade de reconstrução e recuperação do Rio Grande do Sul pós-enxurradas, a receita é manter o foco nos negócios, trabalhar ainda mais prezando pelos valores do cooperativismo e entender que sempre existem oportunidades. Para isso, a Santa Clara manteve a meta traçada, de crescer 10% em 2024, mesmo com o impacto das chuvas sobre a economia gaúcha.
"Os desafios passam a ser maiores, e a meta mais desafiadora, principalmente na produção de leite. Apesar de os índices estarem abaixo do projetado, estamos mantendo a meta como uma forma de nos desafiar ainda mais, procurando transformar desafios em oportunidades."
Para ele, será o foco no trabalho a melhor contribuição do setor cooperativo agropecuário para a recuperação do Rio Grande do Sul.