Embora tendo apresentado resultado negativo no faturamento em relação a 2022, as cooperativas agropecuárias representaram mais da metade da receita do cooperativismo gaúcho no ano passado. O baque veio pela queda nos preços das commodities e pelas perdas geradas na sequência de estiagens e nos episódios de chuvas intensas em setembro e novembro.
Mas o setor segue firme, com pesquisa, assistência técnica e crédito, por exemplo, apoiando os produtores. E são milhares no âmbito da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul (Fecoagro). A entidade congrega 170 mil sócios em seu guarda-chuva, sob o qual estão 34 cooperativas de grãos e de proteína animal. Segundo o presidente, Paulo Pires, 85% deles são pequenos produtores rurais.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o dirigente fala sobre a importância econômica e social do cooperativismo agropecuário para o Rio Grande do Sul e sobre o papel do setor no processo de reerguimento do Estado após a catástrofe climática de maio.
Jornal do Comércio - Qual é o tamanho do cooperativismo agropecuário no contexto econômico do Rio Grande do Sul?
Paulo Pires - O setor cooperativo agropecuário é extremamente importante. Hoje, procuramos agregação do valor. Nós temos um pioneirismo no Brasil, isso é muito importante. Quem primeiro começou a industrializar fomos nós, no Rio Grande do Sul. Nós tivemos uma indústria de defensivos do cooperativismo agropecuário do Estado. Tivemos indústrias de fertilizantes, indústrias de calcário, de óleo de soja. Isso tudo foi inovador, através de centrais. Mas, infelizmente, isso deu errado lá atrás, e isso talvez tenha freado um pouco o setor em novos investimentos. Mas temos uma originação de 50% da soja, 60% do trigo, 40% do milho. No arroz, já fomos bem mais expressivos no passado. E há outras atividades que as cooperativas estão trabalhando muito, como fabricação de ração, para as cooperativas de produção de proteína animal. E, principalmente, o grande trunfo das cooperativas é que elas estão nos mais distantes rincões. Onde uma cooperativa atua, onde ela está, normalmente ela é quem mais gera renda, quem mais gera emprego e quem mais gera tributos nesses municípios. Ela tem uma importância extraordinária.
JC - Essa relevância traz responsabilidades e a necessidade de driblar dificuldades. Quais são as principais do setor?
Pires - O setor está cheio de desafios. Inclusive na reforma tributária. Nós temos um lobby, às vezes, muito forte contra o cooperativismo, não entendendo que a cooperativa, além de ser uma empresa com finalidade econômica, tem muito dentro de si uma questão social. Então, às vezes, isso não é levado em conta, principalmente, por pressão de grandes federações. O cooperativismo tem uma grande diferença da iniciativa privada normal. Os donos são milhares. No caso aqui, são 170 mil donos. Qual é a empresa no Rio Grande do Sul com importância econômica e que tem 10% disso em donos? Então, isso é fundamental, e isso diferencia o cooperativismo.
JC - Mas como se faz o enfrentamento dessas dificuldades?
Pires - O cooperativismo gaúcho vem vencendo desafios, mas com resultado. Nós temos mais de 10 anos de resultados. E, principalmente, eu não tenho dúvida de dizer que no setor agropecuário, quem mais investe em armazenagem e estruturas físicas, novas unidades, enfim, é o cooperativismo agropecuário. Não há dúvida que o cooperativismo tem cumprido seu papel.
JC - Como se administra um ambiente de necessidade de investimento permanente e de risco financeiro constante, por conta de circunstâncias climáticas adversas?
Pires - As dificuldades são tomar crédito. Nós somos tomadores de preço. Não adianta querermos definir o preço dos produtos que o produtor vende para nós e que nós vendemos ao produtor, no caso dos insumos, que são definidores. Por isso que investimos muito em assistência técnica. Para melhorar a produtividade para o produtor, e ele ter mais resultados. Também temos a questão da estiagem, que prejudica muito o cooperativismo agropecuário do Rio Grande do Sul. São coisas que nós temos que enfrentar. Tem regiões com investimento muito forte. Mas as leis não nos ajudam muito nessa questão, porque nós temos convicção de que a irrigação não tem prejuízo para o meio ambiente. E, infelizmente, por um cochilo na legislação, nós podemos armazenar a água para uma série de finalidades, mas para produzir alimento, isso não está previsto no código florestal. Isso nos dificulta muito.
JC - Como a catástrofe climática de abril e maio de 2024 afetou o setor cooperativo agropecuário?
Pires - Esse episódio atingiu algumas cooperativas diretamente. Mas isso é um grande desafio, não só para as cooperativas, mas para o Rio Grande do Sul inteiro. E não foi só em maio. Nós tivemos vários fenômenos repetidos, inclusive agora em junho teve cooperativas afetadas com microexplosão, ou tornado, enfim. Essas adversidades climáticas são uma característica da atividade agropecuária. Infelizmente nós temos indústrias a céu aberto. Claro que essa que ocorreu no Rio Grande do Sul extrapolou tudo.
JC - E como lidar com o impacto econômico desses fenômenos sobre a atividade e a necessidade de medidas de apoio por parte do Poder Público?
Pires - O que a gente pede para o governo federal, por exemplo, é uma política pública para passarmos esse momento. Mas nunca pedimos perdão de dívida, anistia ou coisa parecida. Nós queremos condição para que, junto com os nossos associados, possamos passar esse momento de dificuldade.
JC - O senhor comanda a Coopatrigo, de São Luiz Gonzaga, que foi atingida por um potente episódio climático recentemente. Como isso afetou a cooperativa?
Pires - A Coopatrigo tem 26 unidades. Ela foi atingida por uma microexplosão ou talvez um tornado, uma coisa nunca vista. Tivemos vários silos descobertos e, principalmente, atingiu muito a sede administrativa, onde temos toda a central de inteligência da cooperativa. Mas esses problemas todos estão sendo superados. Nós já estamos no processo de reconstrução, fizemos um processo de salvamento de grãos depositados, fizemos um processo de reestruturação do sistema para funcionar o mais imediatamente possível, enfim. Mas agora as coisas já estão andando dentro de uma previsibilidade. O produtor plantando trigo, e a cooperativa preparada para receber trigo e canola como culturas de inverno dos seus associados. Então, esse é o desafio. E os desafios realmente são enormes, mas eles estão sendo superados.
JC - Como as cooperativas agropecuárias podem ajudar no processo de reconstrução do Rio Grande do Sul pós-catástrofe climática?
Pires - O Rio Grande tem essa resiliência. Nós vamos sofrer um 'puxão', vamos sofrer um 'segura'. Mas entendo que vamos superar. Claro que nós precisamos de política pública, mas a superação das nossas dificuldades se dá em cima de atitudes da iniciativa privada. Nós temos que mudar isso no País. Temos que, cada vez mais, incentivar o empreendedor, quem investe.
JC - Falta esse olhar por parte do governo federal?
Pires - Os programas sociais são extremamente válidos. Mas temos que entender que renda para os programas sociais é originada através da emissão de uma nota fiscal. Por isso, precisamos, cada vez mais, incentivar as pessoas que estão investindo para que haja cada vez mais emissão da nota fiscal. Elas gerem tributos, esses tributos além de gerar emprego, desenvolvimento social, geram recursos para se fazer programas especiais específicos. Que o governo fique na questão de segurança pública, questões básicas e, principalmente, na infraestrutura de portos, que é estratégica e que nem sempre a iniciativa privada pode fazer esse papel. Então, é nessa conjuntura toda que as cooperativas se somam. Elas têm na sua essência o desenvolvimento, o ser humano. Nós estamos formados em torno de um CNPJ, de vários CPFs. Mas, fundamentamente, nós precisamos de resultado, porque estamos inseridos num processo de desenvolvimento econômico. Temos que pagar impostos e obrigações como qualquer outro, vinculados a Ministério do Trabalho, a Receita Federal. Mas nós temos no ser humano, no associado, no colaborador, a essência dos nossos objetivos. Por isso que é tão importante uma cooperativa, mesmo num lugar pequeno, numa cidade pequena. Tudo que ela gera ali e na região, ela reinveste ali. Diferente de grandes empresas transnacionais, que têm grandes resultados aqui e voltam para as suas matrizes. Não há nada errado nisso, mas as cooperativas se diferenciam muito justamente por investir na região onde se produz.
JC - E qual é a diretriz para o futuro, o crescimento e a superação dos obstáculos?
Pires - Nós, do cooperativismo agropecuário, temos a nossa característica, nosso espaço. Não estamos competindo para sermos melhores do que ninguém, mas entendemos que esse é um modelo de desenvolvimento muito eficiente e muito justo. Nós temos que ter gestão como fundamental. Talvez tenha sido esse um dos grandes problemas no passado. Temos que ser cada vez mais eficientes, mais eficazes no sentido de produzirmos, de gerarmos desenvolvimento através da nossa eficiência produtiva. No caso do agro, atualmente, nós vendemos para o mundo, apesar de todas as dificuldades que enfrentamos. Há o polêmico tema ambiental, há até a opinião pública urbana, de certa forma preconceituosa com o agro. Acho que estamos superando tudo isso e construindo uma sociedade mais justa e mais digna para todos. Esse é um objetivo do cooperativismo.