A crise climática enfrentada pelos gaúchos a partir da enchente de maio de 2024 derrubou as vendas de vários setores do comércio, provocou fechamento de postos de trabalho e pausou novas contratações. O cenário de incerteza é percebido nas projeções dos empresários para os investimentos nos próximos meses e pode ser constatado a partir do resultado do levantamento Índice de Confiança dos Empresários do Comércio Gaúcho (ICEC-RS), realizado pela Fecomércio-RS. A pesquisa dos empresários sobre a situação atual, investimentos e projeções para os próximos meses ficou abaixo de 100 pontos pela primeira vez desde maio de 2021. Para Luiz Carlos Bohn, presidente da Fecomércio-RS, medidas tributárias, trabalhistas e financeiras voltadas às empresas são essenciais para a retomada da economia no Estado.
Jornal do Comércio - Qual o impacto das enchentes de maio para as empresas?
Luiz Carlos Bohn - No mercado de trabalho, o efeito foi uma redução significativa das contratações. As demissões, na comparação com o mesmo mês em 2023, apresentaram redução, mas as admissões despencaram, o que era esperado. Como tivemos uma grande área afetada, é natural que essas regiões não contratassem num período marcado pela incerteza quanto ao futuro próximo. Já as demissões representam um desencaixe relevante. Diante do cenário que vivenciamos na espera de alguma alternativa, muitos optaram por retardar ao máximo as demissões. É muito provável que os efeitos das enchentes nas demissões sejam vistos em junho e julho.
JC - Como a tragédia climática afetou as vendas?
Bohn - O ICVA, calculado pela Cielo, revela que o varejo no Rio Grande do Sul cresceu 4,7% em maio, descontada a inflação. Em termos reais, o crescimento foi de 8,6%. Apesar de as vendas de Dia das Mães praticamente não terem ocorrido, os dados mostram que foram impulsionadas pelas compras de produtos alimentícios, combustíveis, higiene, limpeza e medicamentos. As categorias de móveis, eletrodomésticos e lojas de departamento também apresentaram expansão, motivada pela recomposição de perdas ocorridas nas enchentes. Já as atividades de alimentação, óticas e joalherias, estéticas e lojas de vestuário apresentaram perdas significativas. Porto Alegre tem apresentado a maior dificuldade de recuperação nas vendas no Estado, com desempenho semanal negativo.
JC - A pesquisa de confiança dos empresários mais recente ficou em 93,5%, abaixo de 100 pontos. O que pode ser feito para reverter?
Bohn - A confiança reflete a percepção do empresariado sobre a economia, sobre o setor e sobre a própria empresa quanto às condições atuais, expectativas, intenção de investimentos, contratações e nível de estoques. A enchente ocorreu de forma não antecipada, gerou muito estrago e estabeleceu um clima de incerteza muito grande sobre o futuro. Níveis baixos de confiança refletem em menores investimentos e na formação de estoques, bem como menos contratações. Para reverter isso, primeiramente, precisamos dar a certeza de que tudo que pode ser feito para evitar que o que ocorreu se repita. É necessário apoiar as famílias, para restaurar a demanda, e as empresas, para restaurar a oferta. A recuperação depende essencialmente do volume de recursos despendido e da eficiência da distribuição dos mesmos, o que envolve agilidade e focalização. As famílias têm recebido apoio, mas a ajuda às empresas tem ficado em segundo plano. Auxiliar as empresas significa preservar renda e empregos.
JC - Qual perspectiva de melhora?
Bohn - A reversão do indicador vai se dar na medida que os empresários perceberem a recuperação ganhar força e parte da incerteza derivada da ocorrência das enchentes se dissipar. A confiança não depende apenas de fatores locais, o que acontece com a economia brasileira implica muito na confiança do empresariado do comércio. Diante de uma tragédia como a que vivemos, seria necessário termos recursos a fundo perdido, linhas de crédito competitivas, com taxas de juros baixas, carências e prazos alongados, bem como garantias e exigências adaptadas a uma situação extraordinária como a ocorrida. Também seriam fundamentais políticas mais efetivas no campo trabalhista e tributário.
JC - Os pleitos apresentados pela Fecomércio junto aos governos foram atendidos?
Bohn - As medidas estiveram alinhadas com nossas demandas em termos de direção, mas não de tamanho e de desenho específico. Na frente tributária, solicitamos alívio para as empresas atingidas por meio de isenções, adiamento e parcelamento de tributos. Houve o adiamento, por um período muito curto, e um programa de parcelamento aqui no Estado. Na frente trabalhista, demandamos um programa, nos mesmos moldes do adotado na pandemia, que permitisse que as empresas suspendessem o contrato daqueles trabalhadores que não pudessem realizar suas atividades, com o governo auxiliando no pagamento dos salários. O programa lançado pelo governo federal auxilia com o pagamento de um salário-mínimo por apenas dois meses, e com restrições que limitam muito a adesão por parte das empresas. Na frente financeira, para as micro e pequenas empresas, a subvenção disponibilizada pelo Pronampe, que totalizou R$ 1 bilhão, teve um valor muito aquém do necessário. Para as empresas maiores, os recursos estão completamente atrasados e, ainda, com subvenções apenas para a taxa de juros.
JC - Que iniciativas de apoio às empresas a entidade lançou?
Bohn - O Sistema Fecomércio prestou ajuda direta às famílias por meio da manutenção de abrigos, recolhimento e entrega de doações no âmbito do Programa Mesa Brasil, e com custeio da construção dos Centros Humanitários de Acolhimento. Essa frente é fundamental, pois, além de minimizar os efeitos humanos da tragédia, ajuda a preservar renda e demanda para as empresas gaúchas. O Sistema também prestou auxílio direto às empresas do setor com os programas de doação de cestas básicas para funcionários de empresas do comércio e de mobília para as empresas. Atuamos no estudo, organização e canalização de demandas ao Poder Público, solicitando medidas de atenuação dos impactos e apoio em quatro frentes: tributária, trabalhista, financeira e de infraestrutura. Tivemos alguns sucessos, como a liberação dos recursos via Pronampe e o auxílio trabalhista, mas são necessárias medidas mais robustas. Viemos mantendo diálogo para ajuste dos programas já anunciados.
JC - Além das questões da enchente, quais as principais pautas defendidas pela entidade atualmente?
Bohn - Em nível federal, cito a regulamentação da Reforma Tributária, em temas como o condicionamento da tomada de créditos da cadeia produtiva, o tratamento diferenciado das empresas do Simples Nacional e a garantia da não cumulatividade para garantir que ela não prejudique nossas empresas. Temos trabalhado em propostas que permitam o crescimento das empresas sem enfrentar um degrau tributário, como acontece no regime atual, e apoiamos um regime de transição que facilite a ascensão das empresas ao regime geral de tributação. Em âmbito estadual, mantemos o olhar vigilante para evitar aumento de carga tributária para os gaúchos. A alternativa costuma se repetir na pauta de políticas públicas estaduais, então é fundamental que estejamos atentos às contas públicas, alertando para o aumento de gastos e reduzindo as possibilidades de aumento de tributos.