Um dos segmentos da economia mais afetados pelas enchentes de maio, o comércio gaúcho segue mobilizado para retomar as atividades e superar os prejuízos. As águas do Guaíba invadiram estabelecimentos, causando perdas materiais e comprometendo o desempenho dos negócios. Desde então, o Sindilojas Porto Alegre atua fortemente pela recuperação do comércio e dos pequenos negócios da Capital. Por meio da campanha "Reconstruindo Juntos", a entidade passou a conectar lojistas e consumidores por meio de uma cartilha de enfrentamento ao estado de calamidade. Além disso, com uma websérie de lives, especialistas ajudam os varejistas nas decisões pós-enchentes. O presidente do Sindilojas, Arcione Piva, conversou com o JC sobre a situação atual do comércio local e os próximos passos rumo à retomada econômica dos empresários do ramo.
Jornal do Comércio - O lojista porto-alegrense foi bastante afetado com as enchentes de maio. Quais foram os principais dramas vividos?
Arcione Piva - Sim, cerca de 30% deles foram atingidos diretamente, mas muitos outros foram impactados de forma indireta. O grande drama vivido por esses lojistas foi a sensação de não poder fazer nada para evitar que as águas tomassem conta das suas empresas. E a impotência de ver a loja embaixo d'água por vários dias e não poder fazer nada pela impossibilidade de acessar o estabelecimento.
JC - O Sindilojas tem uma estimativa de quantidade de negócios afetados?
Piva - Ainda não temos um levantamento da quantidade de empreendimentos que reabriram e nem de quantos vão desistir, mas sabemos que os impactos foram e ainda continuam sendo muito grandes. Sabemos, por meio de uma pesquisa que realizamos, que um total de 65,7% dos lojistas não foi atingido. Já quase 20% dos respondentes teve seu estabelecimento totalmente invadido pelas águas e ainda 15,2% disse que a loja foi parcialmente atingida. Do total de atingidos, 8,3% perderam tudo. Para 41,7%, os prejuízos ficaram entre 50% e 75% da loja. Acima de 75% da loja atingida foi relatado por 19,4% dos respondentes. Apenas 5,6% dos lojistas relataram perda de até 10%.
JC - Em relação ao seguro contra este tipo de ocorrência, como estava a situação dos varejistas da Capital?
Piva - Uma pequena parcela, cerca de 13% dos empresários, relataram ter seguro contra enchentes em sua empresa. Mais de 77% disseram não ter este tipo de apoio. E quase 10% responderam ainda não saber se tem ou não o seguro. Sobre furtos, roubos ou saques, 3,8% afirmaram ter sofrido este tipo de ataque durante a tragédia. Cerca de 85% não sofreram nenhum dano deste tipo e mais de 11% ainda não sabem dizer.
JC - Que áreas e que tipo de negócios foram mais afetados?
Piva - Quando falamos do comércio da Capital, que é representado pelo Sindilojas Poa, os grandes prejudicados foram os pequenos negócios (moda, calçados, acessórios, entre outros), especialmente no Centro Histórico da cidade e também nos bairros Humaitá e Sarandi.
JC - Quais são as medidas da entidade para auxiliar estes empresários?
Piva - Desde o início das chuvas, o Sindilojas Porto Alegre realizou muitas ações para ajudar seus representados, com ações de doações de muitos itens básicos para socorrer as pessoas atingidas, bem como ações em favor dos lojistas, como acordos coletivos emergenciais e doações de itens de limpeza. Também disponibilizamos um portal, o Reconstruindo Juntos, com todas as informações advindas dos governos municipal, estadual e federal, no sentido de orientar nossos representados e a sociedade em geral com seus direitos. Criamos uma cartilha atualizada quase que diariamente com novidades sobre benefícios, seguros e impostos, fizemos uma websérie com cinco episódios, pesquisas sobre os impactos das enchentes e um guia prático aos lojistas. Participamos efetivamente de reuniões com o poder público.
JC - O número de empregos no setor precisou ser reduzido?
Piva - A demora nas políticas públicas, especialmente na manutenção de empregos e na liberação de recursos financeiros com custos acessíveis, fez com que as empresas demitissem parte de seus funcionários. Ou seja, ainda com o acordo coletivo que fizemos junto ao sindicato que representa os empregados do comércio a fim da manutenção do emprego, realizado junto do Sindicato dos Empregados do Comércio de Porto Alegre, algumas empresas tiveram que demitir.Nosso acordo permitiu que flexibilizações trabalhistas fossem criadas na relação empregador e empregado. Em cima disso, nossa pesquisa perguntou se os lojistas pretendem tomar alguma medida em relação aos funcionários. A maioria, 65,1%, disse que sim. Entre os que disseram que sim, seguem as medidas a serem tomadas: antecipação de férias individuais (50,8%), compensação de jornada por meio de banco de horas (47,6%), demissão de funcionários (39,7%), acordos coletivos de trabalho (20,6%) e férias coletivas (9,5%).
JC - As medidas governamentais foram suficientes para que o setor consiga começar a se reerguer?
Piva - Sendo bem categórico: não. Até hoje não foram suficientes para a retomada de grande parte dos negócios atingidos. Com relação aos auxílios do governo federal, nossa pesquisa apontou que 55,7% dos empresários responderam que pretendem usar. Os que disseram que "talvez precisem" foram 18,9%, e cerca de 25% afirmaram não ser preciso o uso de auxílio. Destes, 70,9% optaram pela subvenção de juros do Pronampe, 58,2% pela prorrogação de tributos no Simples Nacional, 55,7% pelo Programa Emergencial de Acesso ao Crédito, 15,2% pelo Fundo Garantidor de Operações, 6,3% pelo Saque do Fundo de Garantia, 1,3% pela antecipação do INSS e 1,3% pelo financiamento para reforma.
JC - Quais ações seriam importantes o poder público tomar para auxiliar os lojistas?
Piva - Efetivamente deveriam ser implementadas politicas de manutenção de empregos, na mesma linha do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm), feita durante a pandemia, com mais disponibilidade de recursos financeiros a custos acessíveis e previsíveis, com carências de 12 meses e prazos longos para pagar. Não exigir tantas coisas do empreendedor, tais como estar 100% em dia com tributos. Não exigir Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, aumentar o Fundo Garantidor de Investimento (FGI) para diminuir os custos das taxas de juros. Na pandemia, tivemos alguns aprendizados que não foram empregados neste momento, o que lamentamos, pois o comércio varejista ainda sofre.
JC - Provavelmente as projeções para o ano devem ter sido alteradas. Qual era a expectativa anterior às enchentes e como ficaram?
Piva - Infelizmente, as projeções terão que ser alteradas. Inicialmente, prevíamos um crescimento gradual, mas contínuo, agora em muitos segmentos teremos que conviver com quedas significativas em relação ao ano anterior.
JC - Como o senhor vê esta retomada?
Piva - Vejo que temos muitas especificidades no varejo, e isso traz uma dificuldade maior para uma análise geral, mas se as medidas efetivas e de impactos importantes não forem efetivadas agora pelo poder público, especialmente no âmbito federal, teremos sérios problemas para retornar à normalidade no comércio de Porto Alegre. Estamos atentos e apreensivos, mas trabalhando muito em prol do nosso comércio.