Suzana Vellinho Englert, presidente da Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA) para o biênio 2024-2026, acredita que a recuperação dos negócios, após as enchentes, depende de investimentos. Para isso, ela defende mais acesso a crédito.
Nesta entrevista, ela fala sobre as ações da ACPA e o que considera essencial para que o Rio Grande do Sul volte a ser um estado pujante economicamente neste cenário de reconstrução. "A inovação é uma das ferramentas para a resolução de problemas e de novas soluções", sublinha a gestora.
Jornal do Comércio - Passados dois meses das enchentes de maio, qual o cenário do comércio em Porto Alegre?
Suzana Vellinho Englert - Os empreendedores estão mostrando resiliência, coragem para continuar investindo em seus sonhos e objetivos. O cenário ainda é de recuperação das operações para funcionar de forma plena. Segundo dados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo, são aproximadamente 45 mil empresas atingidas só em Porto Alegre e apenas 3 mil com acesso aos recursos do Pronampe, um número inexpressivo para a demanda existente.
JC - Como a ACPA enxerga os esforços governamentais, nos âmbitos municipal, estadual e federal para salvar a economia de Porto Alegre e no Rio Grande do Sul no geral?
Suzana - A Associação Comercial realizou uma edição do seu tradicional MenuPOA, a reunião-almoço que leva para o debate assuntos de interesse dos empreendedores, com o tema "E as verbas para a reconstrução de Porto Alegre, quando chegarão?". Participaram do evento deputados, senador, secretária de Desenvolvimento Econômico e Turismo da capital. Como resultado do encontro surgiu uma comitiva com representantes de entidade empresariais liderados pela ACPA, deputados, o vice-governador, Gabriel Souza, secretários municipais e estaduais, todos unidos para pressionar o governo federal a apoiar o Estado com a liberação de verba. Esse movimento mostra a insatisfação da ACPA com os não-esforços do governo federal. O Rio Grande do Sul recolhe aos cofres da União Federal, anualmente, cerca de R$ 100 bilhões e recebe de volta cerca de R$ 26 bilhões. Chegou a hora do governo federal devolver ao empresariado gaúcho a contribuição feita através do pagamento de impostos. Entendemos que a maior força na reconstrução do Estado e da Capital está em Brasília.
JC - Nesse momento, quais são as principais dificuldades dos comerciantes de Porto Alegre?
Suzana - Os comerciantes estão precisando de acesso a crédito a fundo perdido. Esse seria o cenário necessário, mas nem o acesso ao crédito com juros está sendo suficiente para atender a demanda de todos. De que maneira um empreendedor que ainda sofre com os prejuízos da pandemia vai conseguir apresentar garantias para um novo empréstimo? Se não investir, não há recuperação do negócio e consequentemente não consegue a recuperação.
JC - Acredita que negócios irão fechar nos próximos meses?
Suzana - O cenário é muito preocupante. As incertezas são maiores que as certezas, mas o empreendedor tem garra, determinação para lutar bravamente pelo seu negócio. O fechamento sempre é risco.
JC - O que pode ser feito para evitar isso e que ainda não foi feito?
Suzana - Apoio financeiro do governo federal com força, com atenção e respeito que o povo gaúcho merece já que é um dos que mais contribui no pagamento de impostos.
JC - Do ponto de vista de uma retomada, qual a previsão para uma melhora no cenário?
Suzana - A busca pela retomada precisa ser constante. A retomada depende dos empresários, mas também da ajuda financeira dos governantes. Passou da hora dos pagadores de impostos receberem ajuda.
JC - Em 2020, vivemos uma pandemia que afetou fortemente a economia. Com as enchentes, esse cenário piora?
Suzana - As enchentes agravaram muito a situação econômica dos empresários, principalmente os micros e pequenos para qual o capital de giro é restrito e muitas vezes inexistente. Além do prejuízo financeiro, existe o prejuízo psicológico que ninguém consegue suprir, esse depende somente da estrutura do empresário e de sua família.
JC - Pensando que enchentes podem se tornar algo mais frequente em nosso Estado e Capital, quais políticas públicas a ACPA acredita que deveriam ser institucionalizadas na área da economia como prevenção?
Suzana - Acreditamos que seja um conjunto de ações com a cooperação de vários departamentos, congregando medidas que visem os micros e pequenos empreendedores. Realizar um trabalho integrado entre prefeitura e sociedade civil articulando todas as proteções necessárias para que não aconteçam mais. Esse grupo precisa de uma atenção devido à limitação de recursos. Entendemos que os empresários no seu todo necessitam de medidas que possam ser executadas com mais agilidade e menos burocracia.
JC - Como a ACPA tem auxiliado seus associados neste momento?
Suzana - Entre as ações desenvolvidas pela Associação Comercial está o programa ACPA Esclarece que, através de especialistas da entidade, são esclarecidas possíveis dúvidas sobre os direitos e deveres dos empresários mediante o cenário das enchentes. São vídeos postados nas redes sociais da entidade com no máximo um minuto. Além disso, a ACPA está engajada em uma série de movimentos voltados para a recuperação da cidade. Movimentos que trabalham pelo recebimento da verba federal e pela continuidade do comércio de Porto Alegre. Outro projeto desenvolvido pela ACPA, de forma gratuita e aberto ao público, é o Capacita ACPA. Encontros mensais com especialistas que abordam temas que estejam conectados com o dia a dia do empreendedor, com seus problemas e novidades do mercado.
JC - Porto Alegre vinha se destacando no polo de inovação no Brasil. Como justamente a inovação pode solucionar esses problemas urbanos e fazer com que esse episódio não caia no esquecimento e, por fim, se repita?
Suzana - A inovação é uma das ferramentas para a resolução de problemas e de novas soluções. A inovação é uma poderosa aliada se as deficiências forem identificadas, pensadas a longo prazo e a aplicação nas resoluções em áreas como: mobilidade, gestão de resíduos, energia sustentável, habitação e infraestrutura. Hoje, o núcleo de inovação está centralizado no 4º Distrito e a ACPA apoia integralmente a permanência das empresas na região. As forças vivas como sociedade civil, área pública, para que possamos evitar novos problemas. A implementação bem-sucedida dessas inovações requer a colaboração entre governo, setor privado, academia e sociedade civil, além de investimentos em infraestrutura tecnológica e capacitação dos cidadãos para usar essas novas ferramentas e serviços.