A retomada da procura dos consumidores pelos estabelecimentos comerciais é uma prova de que a pandemia de coronavírus, apesar de não estar totalmente superada, tem perdido força. No entanto, o presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre (Sindilojas Porto Alegre), Arcione Piva, frisa que algumas mudanças apressadas pela situação da Covid-19 vieram para ficar, como a questão das vendas online. O dirigente argumenta que as empresas, para não perderem clientes, terão que se adaptar e atuar tanto no meio digital como no presencial.
Jornal do Comércio - A pandemia acelerou o processo da propagação do comércio online. Os lojistas que trabalham com o atendimento presencial precisam se adaptar a essa nova situação?
Arcione Piva - Realmente, houve uma aceleração muito grande. Ações que iriam acontecer daqui oito, 10 anos, estão acontecendo hoje em função da pandemia que obrigou muita gente a fazer coisas que nem estavam no planejamento, mas que tiveram que ser antecipadas. Já está havendo uma mudança muito radical no jeito de consumir. É óbvio que o presencial não vai acabar. As pessoas sentiram muita falta do olho no olho. Porém, não é o suficiente para voltar ao que era antes da pandemia.
JC - O futuro passa por essa combinação entre o presencial e o online?
Piva - Na verdade, hoje está híbrido, as empresas têm que ser híbridas. Não existe mais a possibilidade de ser só físico e nem só digital, tem que estar preocupado com todos os meios de acesso ao consumidor. O lojista não pode imaginar que o Instagram ou o Facebook dele pode ser abandonado, porque se o consumidor estava acostumado a comprar por ali, vai continuar usando a ferramenta, talvez não para comprar, mas para receber informação, saber o que tem disponível na loja. Temos percebido que muitas empresas, especialmente as pequenas, têm deixado de acompanhar as suas mídias digitais e isso tem gerado redução de fluxo de pessoas em suas lojas.
JC - O que o Sindilojas pode fazer para preparar os lojistas para esse novo cenário?
Piva - É uma preocupação do sindicato disponibilizar ferramentas para os lojistas para que eles possam se atualizar no sentido tecnológico, de maneira acessível. Por isso, criamos, no segundo semestre de 2021, o Co.nectar Hub, um ambiente com o foco em soluções de inovação para o varejo, para tentar aproximar o máximo possível esse novo momento do varejo para os nossos associados.
JC - Qual o seu balanço quanto ao ano passado em relação ao desempenho dos lojistas da capital gaúcha?
Piva - Tem que separar os segmentos que estiveram fechados por causa da pandemia e os abertos. Para quem não estava fechado, 2020 e 2021 foram dois anos muito bons, como é o caso de estabelecimentos de materiais de construção, farmácias e supermercados, todos eles foram muito bem. Agora, outros segmentos, como moda, calçados e serviços, como restaurantes, hotelaria e eventos, sofreram.
JC - E como foi o primeiro semestre de 2022?
Piva - De modo em geral, tem se percebido uma recuperação mês após mês, muito lenta, mas está havendo uma recuperação. Claro que a comparação é com 2021, que foi um ano bastante difícil para o varejo. Resumidamente, estamos vendo de forma positiva. Podia ser bem melhor? Podia. Porém, é melhor um pouco positivo do que nada.
JC - A expectativa é otimista para a segunda metade do ano?
Piva - Todas as conversas que tive no mês de junho apontavam para isso. Mas, no início de julho, começaram a haver algumas preocupações com a realidade das eleições. Por outro lado, tem ações que o governo está fazendo de redução de tributos, especialmente nas áreas de combustíveis, energia elétrica e telecomunicações, que vão trazer mais disponibilidade de dinheiro para a carteira dos consumidores. Há uma preocupação, contudo a gente vê de forma positiva o segundo semestre, ainda com a continuidade da recuperação.
JC - Seria possível estimar uma projeção de crescimento para este ano?
Piva - É difícil. Porque tem as eleições, temos ainda a guerra da Rússia e Ucrânia, tem notícias sobre as internações mais frequentes com a pandemia, isso nos preocupa bastante. Há segmentos que vão crescer menos e outros mais. Mas esperamos que o varejo em Porto Alegre, de modo geral, tenha um incremento real, já descontando a inflação, de 2% a 3% em relação a 2021.
JC - A Covid-19 ainda assusta?
Piva - Preocupação sempre vai ter. Mas eu diria que é mais um estado de atenção do que pânico. Não somente com a Covid, mas com outras doenças, principalmente aqui no Sul, que tem muito a influência do frio. Precisamos nos preocupar com as variações das outras gripes. A saúde é uma preocupação permanente, mas a pandemia passou de um pavor para uma atenção, com leve preocupação.
JC - O Sindilojas está projetando um aumento de vendas no inverno deste ano na ordem de 18%. O que justifica essa estimativa?
Piva - São vários fatores. Esse segmento de inverno foi bastante prejudicado na pandemia, são basicamente roupas mais quentes, agasalhos, jaquetas, botas e cobertores. Essa área estava com a demanda reprimida. Não se tinha evento e as pessoas não estavam comprando roupa e agora estão precisando comprar porque todo dia tem um evento, gerando essa necessidade de consumo. Para sair para a rua, encontrar os amigos, não dá para usar roupa fora de moda.
JC - Qual a expectativa de movimentação do comércio para o Dia dos Pais?
Piva - Em 2020 e 2021, as famílias não puderam se encontrar com os pais, fazer aquela festa. Conversando com os lojistas, a expectativa é na linha de um crescimento de 18% a 20%. Essa é uma estimativa que colhemos informalmente, mas todos estão bastante otimistas quanto a boas vendas.
JC - Procede a informação que está havendo uma dificuldade de se encontrar mão de obra para o comércio ultimamente?
Piva - Procede. Na verdade, é um problema que não é de hoje. Quando a economia começa a ter uma recuperação, temos dificuldade. Ainda mais agora, com a necessidade de um conhecimento maior em tecnologia. A maioria das vagas disponíveis depende de um conhecimento de tecnologia, algumas muito e outras pouco, mas não existe mais uma empresa que não tenha Instagram ou um sistema de dados. Hoje, o cliente está muito disputado e, se a empresa não tiver um mínimo de tecnologia para ajudar nesse sentido, é difícil sobreviver. Nesses últimos dois anos, também houve uma dificuldade muito grande de formação de mão de obra e isso está refletindo agora.
JC - Chega a faltar gente então?
Piva - Falta. Daria para dizer, sem medo de errar, que está faltando cerca de 10% da mão de obra ativa. Se olhar para empresas que têm cerca de 10 empregados, elas precisam mais um ou dois funcionários.
JC - Quais os objetivos do Sindilojas para este ano?
Piva - A grande missão da diretoria atual, que assumiu em abril, é fortalecer a cultura da inovação, principalmente no pequeno varejo. E, como entidade, temos algumas bandeiras que são permanentes, que é o combate ao comércio informal, promover a segurança pública, redução e simplificação dos tributos e licenças e a capacitação de mão de obra. Também temos projetos estratégicos, como o de trazer para o varejo de Porto Alegre uma inteligência de mercado. Como queremos ser uma entidade que entrega inovação para o varejo, estamos montando um departamento dentro do Sindilojas para ter dados e poder abastecer o lojista com informações e soluções.