Graças a uma base produtiva dinâmica, diversificada e inovadora, o Rio Grande do Sul mantém-se como um dos mais importantes polos de atração de investimentos do País mesmo no cenário de lenta recuperação da economia brasileira que se repete em 2019. Levantamento elaborado pelo Anuário de Investimentos do Jornal do Comércio, a partir de reportagens publicadas pelo jornal e de informações fornecidas pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo (Sedetur), mostra que o Estado encerra o ano com uma carteira de projetos de cerca de R$ 65 bilhões em diferentes áreas e fases de desenvolvimento.
Deste montante, 74% correspondem a projetos de infraestrutura de longo prazo, principalmente nas áreas de energia, saneamento e transportes. O setor industrial, incluindo alimentos e segmentos ligados ao agronegócio, responde por 13%, enquanto o restante distribui-se entre varejo e serviços, construção civil e tecnologia e educação. O Anuário de Investimentos 2019 relaciona empreendimentos de pelo menos R$ 10 milhões.
Somente os investimentos anunciados, desembolsados ou concluídos neste ano, ainda que tenham iniciado em anos anteriores, chegam a R$ 31,2 bilhões. Este movimento contribui para o desempenho geral da economia do Estado, que cresceu 3,8% no primeiro semestre do ano ante o mesmo período de 2018, bem acima da expansão de 0,7% no Produto Interno Bruto (PIB) de todo o País na mesma base de comparação, de acordo com o Departamento de Economia e Estatística (DEE) da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão do governo gaúcho.
O economista Martinho Lazzari, do DEE, pondera que o expressivo crescimento do PIB gaúcho até junho se deve também à comparação com o fraco resultado da primeira metade de 2018, quando o indicador acumulava queda de 1,5% frente a igual período do ano anterior.
Na época, a indústria amargava uma retração de 1,7%, influenciada pelo impacto da greve dos caminhoneiros, e a agropecuária caía 8,1% devido à estiagem. Como no segundo semestre do ano passado a economia começou a se recuperar, o ritmo deve arrefecer no acumulado de 2019, mas ainda assim tende a ficar acima da média nacional, avalia Lazzari.
Os investimentos em curso, no entanto, mostram a resiliência do Estado mesmo em momentos difíceis e aumentam a produtividade e a competitividade da economia estadual no longo prazo. O economista destaca os projetos tocados por agroindústrias ou fabricantes de insumos, máquinas e implementos voltados à agropecuária, setor que foi o motor do PIB gaúcho no primeiro semestre, com alta de 7,2%, seguido pela indústria, com 5,5%. Os serviços, incluindo comércio, avançaram 1,8%, mas o desempenho também foi melhor do que a expansão de 1,2% para o total do País.
O presidente da Fecomércio-RS, Luiz Carlos Bohn, avalia que o clima entre as empresas ainda é de cautela porque as expectativas de recuperação econômica mais forte neste ano não se confirmaram. Bohn lembra que a Pesquisa Mensal do Comércio do IBGE aponta desaceleração no desempenho do volume de vendas do varejo ampliado no Estado, que avançou 2,8% de janeiro a setembro ante o mesmo intervalo de 2018, abaixo do crescimento de 3,7% no acumulado de 12 meses.
"Os investimentos em expansões e reformas maiores ficaram, de maneira geral, postergados", afirma Bohn. Neste cenário, os projetos foram focados na modernização de processos internos, treinamento de pessoal e melhoria da comunicação com os consumidores, em especial por meio das redes sociais. "Agora, com a recuperação em curso, o crédito às famílias em expansão, a inflação controlada e a retomada do mercado de trabalho formal, ainda que gradual, há condições para que o empresário volte a considerar a expansão dos negócios", diz o presidente da Fecomércio-RS.
PPPs e concessões atraem investidor; Leite fala em Estado mais competitivo
Um dos fatores que limitam o crescimento da economia gaúcha é a falta de recursos do governo do Estado para investir, principalmente em infraestrutura. Por conta disto, o governador Eduardo Leite (PSDB), logo em seu primeiro ano de mandato, propôs medidas como a formação de parcerias públicos-privadas (PPPs) em áreas estratégicas como saneamento e transportes, e a venda de estatais como a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) e a Sulgás. Ele também busca implementar mudanças na previdência e no plano de carreira dos servidores. "São medidas duras que pedem a compreensão de toda a sociedade, incluindo os demais poderes", afirmou Leite em palestra na Fecomércio-RS em novembro.
O governador sustenta que o projeto é tornar o Estado mais competitivo e menos burocrático para oferecer um "ambiente favorável aos negócios" e com isso atrair mais investimentos. "As empresas escolhem produzir onde há menor custo e melhores condições para isso", conclui.
Aumento de contratações é sinal de novo ânimo nas empresas em solo gaúcho
Apesar da cautela, um sinal de que o ânimo das empresas para investir no Rio Grande do Sul começa a melhorar vem dos dois principais bancos de fomento no Estado, o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) e o Badesul Desenvolvimento. Ambos aumentaram as contratações de crédito no Estado neste ano, ao mesmo tempo em que viram cair os níveis de inadimplência.
Segundo o vice-presidente e diretor de planejamento e finanças do BRDE, Luiz Corrêa Noronha, as contratações de novos financiamentos no Rio Grande do Sul devem chegar a R$ 800 milhões em 2019, o que representará um crescimento de 8,7% em comparação com o ano passado. No acumulado de janeiro a outubro a cifra atingiu R$ 464 milhões, contra R$ 374 milhões no mesmo intervalo de 2018, puxada pela demanda da indústria e da agropecuária.
A redução da taxa de juros contribuiu para aumentar o apetite das empresas e, diante da política mais restritiva adotada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no repasse de recursos, o BRDE teve que intensificar a busca por fontes alternativas de "funding" e lançar mão de cerca de R$ 200 milhões de capital próprio para atender à demanda, acrescenta o executivo.
O Rio Grande do Sul responde por cerca de 30% da carteira de crédito do banco, que opera também em Santa Catarina e no Paraná.
O custo mais baixo do dinheiro estimula ainda os clientes a quitar operações antigas e mais caras, mas graças às novas contratações a instituição estima encerrar 2019 com uma carteira líquida de R$ 13,1 bilhões, em linha com 2018. O valor já desconta as provisões para créditos de liquidação duvidosa, que recuaram 40,8% no primeiro semestre deste ano frente ao mesmo período de 2018, para R$ 319,6 milhões. "Devemos fechar o ano com um dos melhores resultados do banco e a menor inadimplência da história", comenta Noronha.
No Badesul, as contratações cresceram 34,6% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2018, para R$ 163 milhões, puxadas pelo financiamento de projetos de inovação nas empresas e de infraestrutura e prestação de serviços nos municípios. Mesmo assim, a presidente Jeanette Lontra entende que o mercado ainda está cauteloso diante da recuperação gradual da economia.
Segundo a executiva, apesar do fechamento de novos contratos, a carteira líquida de crédito da instituição recuou 12,5% no fim de junho quando comparada ao mesmo período de 2018, para R$ 1,8 bilhão, devido à quitação de operações antigas, mas agora deve se manter estável até o fim do ano. Ao mesmo tempo, a inadimplência segue em queda e o volume de operações vencidas no fim do primeiro semestre era de apenas R$ 14,4 milhões, ante R$ 35,2 milhões em junho de 2018.
Maioria das indústrias projeta investimentos
No primeiro semestre deste ano, o setor industrial gaúcho foi puxado pelas cadeias de produção de automóveis, caminhões e carrocerias para ônibus, de acordo com o presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Gilberto Petry.
No entanto, as empresas no Estado ainda se recuperam "lentamente" das perdas provocadas pela recessão iniciada no fim de 2014 no País. A expectativa é de "moderação" dos indicadores no segundo semestre frente ao primeiro, acredita.
Para 2020, Petry vê um cenário de reação do mercado interno e de manutenção das incertezas no setor externo devido a fatores como a guerra comercial entre Estados Unidos e China.
Em abril, sondagem divulgada pela Fiergs mostrava que 71,8% das indústrias gaúchas pretendiam investir ao longo de 2019, principalmente na aquisição de máquinas, equipamentos e novas tecnologias (76,2%), pesquisa e desenvolvimento (8,7%) e melhoria da gestão do negócio (também 8,7%).
O próximo levantamento vai verificar se os planos foram cumpridos, já que as projeções macroeconômicas eram bem mais otimistas na virada de 2018 para 2019. Se os números se confirmarem, será o melhor resultado em cinco anos.
Em 2018, 63% das empresas do Rio Grande do Sul fizeram investimentos, embora a estimativa inicial tenha sido de 72,2%.
Segundo a Fiergs, os investimentos planejados para este ano têm foco na melhoria dos processos produtivos, com 43,1% das respostas apuradas pela sondagem, bem próximo dos 42,1% observados em 2018.
Ao mesmo tempo, 18,5% das indústrias disseram que pretendiam ampliar as linhas de produção, contra 14,9% no ano passado, em linha com a evolução de 9,9% para 13,7%, na mesma base de comparação, no contingente de empresas que consideravam a capacidade instalada insuficiente para atender à demanda prevista em cada ano.
No acumulado de janeiro a outubro, conforme o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, a indústria gaúcha criou 8,1 mil novos postos formais de trabalho.
O saldo é 54% menor do que no mesmo intervalo de 2018 e uma recuperação mais "robusta" na geração de vagas no Estado depende da construção civil, atividade intensiva em mão de obra que ainda não deu sinais claros de retomada no Estado, entende Petry.
Mesmo assim, de janeiro a setembro a produção da indústria gaúcha cresceu 4,3% frente ao mesmo período do ano passado, enquanto a média nacional foi de 1,4% negativo, segundo dados divulgados pelo IBGE.
Para o presidente da Fiergs, a ampliação do nível de investimentos e de geração de empregos na indústria do Rio Grande do Sul e do País depende agora - aprovada a reforma da Previdência - de novas regras tributárias e mudanças administrativas no setor público para reduzir a burocracia e "o excesso de intervenção estatal na atividade econômica".
Outra condição é a retomada dos investimentos em infraestrutura, já que a qualidade dos serviços de transporte, comunicação e de geração de energia interfere diretamente na competitividade do setor industrial, afirma o dirigente da Federação das Indústrias.