O termo "mãe solo" designa as mulheres que são as únicas responsáveis pela criação de seus filhos. Ser esse tipo de mãe no Brasil é desafiador, conforme revelam os números. Segundo uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), existem 11 milhões de mães que criam seus filhos sozinhas no País, e 90% delas são negras. O alarmante é que a renda dessas mães é 32% menor do que de outras mulheres. Outro dado fornecido pelo Datafolha mostra que 44% das mães solo brasileiras sobrevivem com até R$ 1.212 por mês e tem dificuldades de crescer no mercado de trabalho.
Além dos desafios financeiros, esse público enfrenta uma série de questões no ambiente profissional. Muitas delas - cerca de 72% - vivem sozinhas com seus filhos, sem ter uma rede de apoio próxima e presente para cuidar de suas crianças quando estão trabalhando. Com isso, o desemprego entre esse perfil cresce, gerando uma situação de vulnerabilidade e desigualdade social preocupante ao estado.
O projeto Gastronomia Meu Trabalho surge como uma alternativa neste cenário. Criado pela Fundação O Pão dos Pobres em parceria com a Sulgás, o projeto oferece um curso de qualificação para mulheres a partir dos 14 anos em situação de vulnerabilidade social, com foco especial em mães solo. A iniciativa surgiu de uma proposta da própria Fundação, que percebeu a Sulgás como uma aliada interessada em apoiar ações com impacto social. Desde 2023, o curso tem contribuído para o acesso de mulheres ao mercado de trabalho e para o fortalecimento pessoal das participantes, unindo prática e teoria na formação de auxiliares em gastronomia.
A proposta inicial previa duas turmas com 30 alunas. O alto número de inscrições — mais de 500 só nesta edição — motivou a ampliação do projeto já no segundo ano, quando passou a atender 60 jovens divididas em quatro turmas. A terceira edição está prevista para iniciar em maio deste ano, mantendo o mesmo número de vagas, mas com a inclusão de novos conteúdos, como noções de empreendedorismo e desenvolvimento pessoal. As aulas são realizadas na sede da Fundação O Pão dos Pobres, na Rua da República, 801, em Porto Alegre, e ocorrem duas vezes por semana.
Durante o curso, que tem duração de aproximadamente um ano, as participantes aprendem técnicas de preparo de lanches rápidos, risotos, doces, panificação e cortes culinários. Ao final da formação, recebem certificado e podem buscar oportunidades no mercado formal ou iniciar atividades por conta própria. A formação também oferece acompanhamento psicossocial, com apoio de psicóloga e assistente social, além de encaminhamentos, quando necessário, para serviços da rede de saúde e proteção social.
Além do conteúdo técnico, o projeto garante transporte, uniforme, insumos, material didático e uma cesta básica mensal. A seleção das alunas é feita por meio de entrevistas, com base em critérios de vulnerabilidade.
Para Lisiane Botelho, psicóloga e coordenadora da área de aprendizagem profissional da Fundação Pão dos Pobres, muitas das jovens que procuram o curso não concluíram o Ensino Médio e veem na formação uma possibilidade concreta de mudança. "Essas meninas chegam com histórias de vida muito marcadas. Muitas vezes, elas são mães muito jovens, com pouca rede de apoio, e enxergam na gastronomia uma chance real de virar a chave", afirma.
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Lisiane também destaca os impactos emocionais observados durante o processo. "A transformação não acontece só no aspecto profissional. A gente percebe melhora na autoestima, na segurança, na forma como elas se colocam no mundo. Elas passam a se enxergar como capazes", destaca a psicóloga.
De acordo com ela, o projeto tem sido um dos que mais geram empregabilidade entre os oferecidos pela Fundação, o que acaba gerando um maior engajamento das participantes. "Muitas alunas saem daqui com contrato assinado. Outras começam a vender por conta própria, na vizinhança, em feiras, eventos. Algumas até se juntam para empreender juntas. Recebemos ligações de empresas perguntando quando vai ter formatura para já contratar", afirma a coordenadora.
Para participar, as interessadas devem acessar o site www.paodospobres.org.br ou o Instagram @fundacaopaodospobres, onde encontram o link de inscrições, que estão abertas até o dia 22 de abril. Não é exigida documentação específica, somente o preenchimento de um formulário com informações sobre o contexto social. A seleção considera a realidade de cada candidata e prioriza aquelas com maior grau de vulnerabilidade.
Segundo Lisiane, o retorno das alunas é positivo. Muitas relatam que o curso representa sua primeira experiência em um espaço de formação e que o acolhimento recebido ajuda a reforçar sua confiança. Para ela, esse é um dos maiores méritos da iniciativa. "Trabalhamos com a técnica, claro, mas principalmente com o olhar. Mostrar que elas importam, que têm valor. Isso muda tudo", pontua.