O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou na quarta-feira (02) a implementação de tarifas recíprocas a diversos países — incluindo o Brasil, taxado em 10%. Além dessa medida, ele já havia divulgado outras tarifas como a de 25% sobre carros importados e a do mesmo percentual sobre a importação de aço e alumínio. Dentro desse contexto, o economista americano Daniel Mitchell acredita que as medidas comprovam que Trump não entende de comércio.
Nesta entrevista exclusiva ao Jornal do Comércio, o economista e palestrante do 38º Fórum da Liberdade explica suas críticas à política econômica de Trump e suas consequências para o comércio global. Além disso, analisa a política fiscal brasileira e as mais recentes legislações que versam sobre a economia nacional, como o Teto de Gastos e a Reforma Tributária.
Jornal do Comércio - Como enxerga o tarifaço anunciado por Trump?
Daniel Mitchell - Trump está repetindo os erros da década de 1930, quando tivemos a Tarifa Smoot-Hawley, que contribuiu para a Grande Depressão. Ele não entende que o comércio é mutuamente benéfico e tem uma visão equivocada de que os déficits comerciais significam que de alguma forma você perde. Eu tenho um déficit comercial toda semana no supermercado local, onde eu sempre compro comida, porque ele não compra nada de mim. Isso é ruim? É claro que não. Da mesma forma, se os americanos estão comprando produtos estrangeiros e os estrangeiros estão optando por investir os dólares que ganham na economia americana, isso não é uma coisa ruim. Portanto, Trump não compreende genuinamente os benefícios do comércio.
JC - De que maneira essa política econômica vai impactar nas empresas e indústrias dos Estados Unidos?
Mitchell - As notícias são ruins para aqueles que usam insumos importados no processo de produção. Temos um pequeno número de trabalhadores em indústrias de aço, por exemplo, mas milhões empregados em indústrias que utilizam o aço como insumo. m famoso economista francês do século XIX, Frédéric Bastiat, disse que a diferença entre um bom economista e um mau economista é se você vê o que é visível e o que é invisível. Trump vê apenas o visível. Então, ele vê os trabalhadores das indústrias de alumínio e aço, mas não vê os milhões de trabalhadores de outras indústrias que dependem do aço e do alumínio como insumos.
JC - Qual deve ser o impacto do anúncio na inflação?
Mitchell - A longo prazo, você só tem inflação quando tem uma política ruim dos bancos centrais. Tivemos uma inflação em 2022 nos Estados Unidos porque a Reserva Federal (sistema de bancos centrais dos Estados Unidos) aumentou dramaticamente a quantia de dinheiro na economia em 2020 e 2021. Então, em teoria, tudo o que os impostos comerciais fazem é alterar os preços relativos. Vai fazer os produtos importados mais caros, o que vai causar maiores ineficiências na economia. Mas, provavelmente, não vai causar inflação por conta própria. De qualquer maneira, se a Reserva Federal responder à economia enfraquecida criando mais dinheiro, o que, por vezes, eles fazem seguindo a teoria Keynesiana, pode muito bem ser que as tarifas sejam inflacionárias, mas de forma indireta. As tarifas gerarão uma má política do banco central. E essa má política do banco central causará a inflação.
JC - E nas contas públicas dos Estados Unidos?
Mitchell - Parte dos apoiadores do Trump diz que terá um aumento de US$ 600 bilhões na arrecadação de impostos. Eles dizem que vão usar o valor para financiar outros cortes de taxas, o que eu sou a favor. Mas há algo muito ilógico nesse argumento. Eles querem esses altos impostos comerciais para que não haja mais importação e então alegam que isso gerará US$ 600 bilhões em receita. Não tem como ambas as coisas serem verdadeiras. Se você se opõe a altos impostos comerciais e não há mais importações chegando, adivinhe? Você não obtém receita. Mas, se você obtém US$ 600 bilhões em receita, isso significa que as importações estão tão altas quanto sempre foram. Eles têm argumentos completamente contraditórios e autodestrutivos sobre o que seus impostos comerciais farão.
JC - Como avalia o impacto desse tarifaço na economia global?
Mitchell - Sempre que você joga areia nas engrenagens da economia global ou gira a chave das engrenagens, seja qual for a analogia que você queira usar, isso tornará a economia menos eficiente, menos produtiva. A maneira como às vezes penso em tarifas e barreiras comerciais é imaginar que você é um corredor que está correndo como uma corrida de mil metros ou algo parecido. Bem, o ideal é que você queira apenas correr em linha reta em uma pista plana. Assim, vai poder ter sua melhor performance e fazer o seu melhor tempo. O que o Trump está fazendo é criar um obstáculo. Então, você tem que passar por cima dele, controlá-lo. Portanto, é claro que a economia não funcionará tão bem. O que acontece com o proteccionismo é que tem um terrível efeito cascata em toda a economia porque cria uma pista de obstáculos que torna mais difícil aos empresários satisfazer as necessidades dos consumidores.
JC - Você teme uma guerra comercial?
Mitchell - Eu falei anteriormente sobre os danos da Grande Depressão dos anos 1930 com a Tarifa Smoot – Hawley. Bom, uma das razões para ter sido tão danosa é não apenas porque os Estados Unidos atirou no próprio pé com as taxas, mas porque outros países responderam. E assim temos uma má política que leva a outra má política que leva a outra má política, e temos este proteccionismo na mesma moeda em que todos acabam por prejudicar os seus próprios consumidores. Se outro país tenta te afetar, você naturalmente vai querer responder a isso. E é por isso que as guerras comerciais são tão idiotas, porque isso encoraja os governos a tomarem medidas que prejudicam sua própria economia e os seus próprios consumidores. O Trump está iniciando essa briga porque ele não entende o comércio.
JC - Qual deve ser a principal consequência do tarifaço na economia global?
Mitchell - Provavelmente, de uma perspectiva geopolítica, a pior coisa que o Trump está fazendo é fortalecer dramaticamente a China na economia global, porque todos os parceiros comerciais dos Estados Unidos agora não vão confiar nos Estados Unidos. Eles terão muito mais probabilidade de fechar acordos comerciais de longo prazo com a China. E se a China é uma inimiga, mesmo que num sentido brando, por que diabos você iria querer fortalecer a China e não fortalecer as democracias ocidentais com laços comerciais mais estreitos?
JC - Como enxerga a política econômica brasileira?
Mitchell - A carga fiscal aqui é muito alta. A história econômica nos mostra que os países se tornam ricos quando eles têm Estados pequenos e um setor público pequeno. Infelizmente, algumas pessoas no Brasil querem adotar uma política econômica ao estilo francês, mas a França não adotou essas más políticas até ser um país rico.
JC - Então, acredita que o caminho para a economia brasileira é diminuir os impostos?
Mitchell - É melhor ter as menores tarifas possíveis e um pequeno gasto governamental. Alguns anos atrás vocês adotaram um teto de gastos e essas medidas foram muito bem sucedidas em países como a Suíça. Se você controlar o fardo dos gastos do governo, fica muito mais fácil ter políticas fiscais amigáveis que incentivem a criação de empregos, agilizem o crescimento econômico e tornem seu setor empresarial mais competitivo na economia global.
JC - O Brasil realizou uma reforma tributária em que unifica diversos impostos, criando dois impostos únicos. Como avalia essa medida?
Mitchell - Se você tem uma boa política de gastos, ou seja, limita o crescimento do governo, isso permite ter uma boa política tributária. Se você controla os gastos do governo, tem muito mais liberdade para reduzir as alíquotas de imposto e adotar um sistema tributário mais justo e pró-crescimento. Na minha opinião, um sistema tributário justo não é aquele que pune o sucesso. O ideal é um sistema que facilite para todos o enriquecimento ou o aumento da renda. Eu gosto do imposto único porque ele tem uma alíquota baixa, não impõe dupla tributação nem penaliza a poupança e o investimento, elimina todas as brechas corruptas do sistema e, nos países que o adotaram, há muitas evidências acadêmicas de que a economia cresce mais rápido, são criados mais empregos e a renda aumenta mais rapidamente, especialmente para os mais pobres. Não é só pelo crescimento econômico, mas também porque é um sistema mais ético, justo e transparente.