Após quase 20 anos pilotando carros a mais de 320 km por hora - seja na Fórmula 1 ou na Fórmula Indy - Mario Haberfeld deixou o automobilismo e, agora, em uma velocidade mais reduzida, busca se alinhar ao tempo da natureza. Em 2011, fundou o Onçafari, projeto que busca conservar a biodiversidade brasileira por meio do ecoturismo, da ciência e da proteção de áreas naturais. Entre as diferentes frentes em que a ONG atua atualmente, está a de reintroduzir na natureza animais que são símbolos da fauna brasileira, como as onças pintadas.
Em entrevista ao Jornal do Comércio, Haberfeld - que em abril estará em Porto Alegre como um dos palestrantes do Fórum da Liberdade 2025 - dá mais detalhes de como ocorreu essa curiosa transição das pistas para o ambientalismo e fala sobre o potencial do País para evoluir no turismo sustentável.
Jornal do Comércio - Conte como foi essa mudança de piloto de automobilismo para um defensor da vida selvagem e da conservação?
Mario Haberfeld - Corri de carro durante quase 20 anos e cheguei a andar na Fórmula 1 como piloto de teste e correr na Fórmula Indy. Mas chegou um momento que senti a necessidade de um novo desafio. Me aposentei das corridas em 2008 e sabia que queria trabalhar com conservação, mas não sabia como. Afinal das contas, não sou cientista, biólogo ou veterinário, mas sempre gostei muito dessa área. Tudo começou quando fui pela primeira vez para a África, quando tinha 12 anos. Meu pai me levou para um safari. Não era igual como é hoje, com hotéis luxuosos. Fizemos tudo na caçamba de um caminhão, andando pelo Serengeti - um dos maiores parques da Tanzânia. Essa viagem me marcou e depois que parei de correr resolvi que tinham vários animais que queria gostaria de ver na natureza. Fiquei dois anos viajando junto com um amigo com esse propósito. Fui ver o urso panda, na China, o gorila, na Uganda, o tigre, na Índia e o urso polar, no Canadá. Dessas viagens, surgiu a ideia do Onçafari, porque percebi que a maioria desses animais estavam sendo salvos graças ao ecoturismo. Cheguei à conclusão de que a onça pintada era o nosso “leão brasileiro” e veio à tona a ideia de criar um safari no Brasil.
JC - De que forma o Onçafari começou a desenvolver o ecoturismo no País e de que forma esse projeto foi ganhando outras frentes?
Haberfeld - Começamos com esse processo que chamamos de habituação, que é fazer com que seja possível conseguir ver as onças pintadas na natureza na reserva Caiman (localizado no Pantanal sul-matogrossense) e deu super certo. Naquele local, já existia um lodge e via-se onças duas vezes por ano somente. Hoje, é possível avistar o animal 1,3 mil vezes ao ano. Com o ecoturismo funcionando, passamos a abrir outras frentes, como a da ciência. Com essa parte, começamos a descobrir várias questões de comportamento da onça pintada que ninguém sabia. Depois, veio a parte social para melhorar a vida das pessoas onde a gente trabalha e dar mais oportunidades, especialmente para as mulheres do Pantanal, onde a pecuária é muito forte. Há ainda uma frente de educação ambiental, que atua em escolas ou por meio de palestras, publicação de livros e documentários, e outra de advocacy, que luta para termos mais parques e melhores leis ambientais no Brasil.
JC - A ONG do fundador da The North Face serviu de inspiração para vocês?
Haberfeld - Sim. Desde 2019, a Onçafari criou uma frente que chamamos de “Florestas”. Nesta frente, buscamos comprar áreas que estão sobre algum grau de ameaça com o objetivo de criar verdadeiros corredores ecológicos. Essa ideia veio da atuação da família Tompkins (da The North Face), que vem fazendo isso na Argentina e no Chile há cerca de 30 anos. Nos inspiramos neles para fazermos o nosso modelo, com a diferença de que as terras que compramos não são doadas para os governos a fim de virar parques nacionais como ocorre nas ações deles (da Fundação Tompkins Conservation). Após comprarmos as áreas, nós fazemos um fundo de perpetuidade para mantê-las.
JC - Quais dados que ajudam a mensurar a evolução da Onçafari nesses últimos anos?
Haberfeld - Hoje, temos 16 bases de atuação espalhadas pelo Brasil. Começamos no Pantanal e passamos a atuar na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica. Nessa parte de compra de áreas, a Onçafari tem, atualmente, aproximadamente 120 mil hectares de terras conservadas. No ecoturismo, conseguimos fazer com que a reserva de Caiman se tornasse o melhor do lugar do mundo para ver uma onça pintada. Nos últimos três anos, todos os nossos hóspedes que ficaram por pelo menos três noites, independente da época do ano, conseguiram ver pelo menos uma onça. Ou seja, estamos contribuindo para que o Brasil entre no mapa internacional do ecoturismo, atraindo pessoas que gostam de fazer safaris.
JC - De que forma o senhor avalia que o ecoturismo vem crescendo no País e qual a importância desse setor para a preservação do meio ambiente?
Haberfeld - Estamos ainda muito atrás da África e há anda muito o que avançar, mas estamos no caminho. Como somos um país continental, precisamos melhorar a infraestrutura de voos. Para ir do Pantanal para a Foz do Iguaçu, por exemplo, é preciso passar por São Paulo. Tudo é mais difícil. Mas assim como a África do Sul, que tem no turismo a sua principal fonte de renda, o Brasil tem tudo para evoluir e se tornar uma grande referência. Ao desenvolver o ecoturismo, muda a percepção e a consciência das pessoas, que passam a ajudar na preservação.
JC - Quais são os planos para o futuro da ONG e há alguma possibilidade de vocês atuarem no Sul do país?
Haberfeld - O plano é seguir crescendo na parte de ecoturismo, abrindo novas perspectivas em diferentes partes do Brasil. A área de pesquisa é um negócio que nunca vai ter fim, então há sempre coisa nova a se descobrir. A mesma coisa com a educação, com a parte social. Na parte que a gente chama de floresta, em que criamos corredores ecológicos ao comprarmos áreas, pretendemos dobrar de tamanho nos próximos dois anos. O Sul está, sim, no nosso mapa e temos bastante vontade de atuarmos nesta região.
JC - No RS, tivemos as enchentes como catástrofe climática. No Pantanal e na Mata Atlântica há o problema do desmatamento e das queimadas. Qual a mensagem que costuma deixar em suas palestras sobre a importância da preservação e do combate ao aquecimento global?
Haberfeld - O ser humano precisa acordar. Com tudo isso que está acontecendo, quem tinha dúvidas sobre o Global Warming não deveria mais ter. No Sul, foram as enchentes. No Pantanal e na Amazônia, as queimadas. Um terço do Pantanal foi queimado no ano passado, uma área que representa o tamanho da Suíça. Também vimos os incêndios que ocorreram agora em Los Angeles. Mas o ser humano acha que as coisas vão acontecer daqui 100 anos, quando ele não estiver mais aqui. Precisamos pensar nas novas gerações, nos nossos filhos e netos. As coisas estão acontecendo muito mais rápido do que os cientistas previam. Então acho que as pessoas precisam entender que, mesmo que a tecnologia possa ajudar a minimizar esses impactos, é muito mais barato você cuidar do que ainda existe do que correr atrás do estrago depois.
Jornal do Comércio - Conte como foi essa mudança de piloto de automobilismo para um defensor da vida selvagem e da conservação?
Mario Haberfeld - Corri de carro durante quase 20 anos e cheguei a andar na Fórmula 1 como piloto de teste e correr na Fórmula Indy. Mas chegou um momento que senti a necessidade de um novo desafio. Me aposentei das corridas em 2008 e sabia que queria trabalhar com conservação, mas não sabia como. Afinal das contas, não sou cientista, biólogo ou veterinário, mas sempre gostei muito dessa área. Tudo começou quando fui pela primeira vez para a África, quando tinha 12 anos. Meu pai me levou para um safari. Não era igual como é hoje, com hotéis luxuosos. Fizemos tudo na caçamba de um caminhão, andando pelo Serengeti - um dos maiores parques da Tanzânia. Essa viagem me marcou e depois que parei de correr resolvi que tinham vários animais que queria gostaria de ver na natureza. Fiquei dois anos viajando junto com um amigo com esse propósito. Fui ver o urso panda, na China, o gorila, na Uganda, o tigre, na Índia e o urso polar, no Canadá. Dessas viagens, surgiu a ideia do Onçafari, porque percebi que a maioria desses animais estavam sendo salvos graças ao ecoturismo. Cheguei à conclusão de que a onça pintada era o nosso “leão brasileiro” e veio à tona a ideia de criar um safari no Brasil.
JC - De que forma o Onçafari começou a desenvolver o ecoturismo no País e de que forma esse projeto foi ganhando outras frentes?
Haberfeld - Começamos com esse processo que chamamos de habituação, que é fazer com que seja possível conseguir ver as onças pintadas na natureza na reserva Caiman (localizado no Pantanal sul-matogrossense) e deu super certo. Naquele local, já existia um lodge e via-se onças duas vezes por ano somente. Hoje, é possível avistar o animal 1,3 mil vezes ao ano. Com o ecoturismo funcionando, passamos a abrir outras frentes, como a da ciência. Com essa parte, começamos a descobrir várias questões de comportamento da onça pintada que ninguém sabia. Depois, veio a parte social para melhorar a vida das pessoas onde a gente trabalha e dar mais oportunidades, especialmente para as mulheres do Pantanal, onde a pecuária é muito forte. Há ainda uma frente de educação ambiental, que atua em escolas ou por meio de palestras, publicação de livros e documentários, e outra de advocacy, que luta para termos mais parques e melhores leis ambientais no Brasil.
JC - A ONG do fundador da The North Face serviu de inspiração para vocês?
Haberfeld - Sim. Desde 2019, a Onçafari criou uma frente que chamamos de “Florestas”. Nesta frente, buscamos comprar áreas que estão sobre algum grau de ameaça com o objetivo de criar verdadeiros corredores ecológicos. Essa ideia veio da atuação da família Tompkins (da The North Face), que vem fazendo isso na Argentina e no Chile há cerca de 30 anos. Nos inspiramos neles para fazermos o nosso modelo, com a diferença de que as terras que compramos não são doadas para os governos a fim de virar parques nacionais como ocorre nas ações deles (da Fundação Tompkins Conservation). Após comprarmos as áreas, nós fazemos um fundo de perpetuidade para mantê-las.
JC - Quais dados que ajudam a mensurar a evolução da Onçafari nesses últimos anos?
Haberfeld - Hoje, temos 16 bases de atuação espalhadas pelo Brasil. Começamos no Pantanal e passamos a atuar na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica. Nessa parte de compra de áreas, a Onçafari tem, atualmente, aproximadamente 120 mil hectares de terras conservadas. No ecoturismo, conseguimos fazer com que a reserva de Caiman se tornasse o melhor do lugar do mundo para ver uma onça pintada. Nos últimos três anos, todos os nossos hóspedes que ficaram por pelo menos três noites, independente da época do ano, conseguiram ver pelo menos uma onça. Ou seja, estamos contribuindo para que o Brasil entre no mapa internacional do ecoturismo, atraindo pessoas que gostam de fazer safaris.
JC - De que forma o senhor avalia que o ecoturismo vem crescendo no País e qual a importância desse setor para a preservação do meio ambiente?
Haberfeld - Estamos ainda muito atrás da África e há anda muito o que avançar, mas estamos no caminho. Como somos um país continental, precisamos melhorar a infraestrutura de voos. Para ir do Pantanal para a Foz do Iguaçu, por exemplo, é preciso passar por São Paulo. Tudo é mais difícil. Mas assim como a África do Sul, que tem no turismo a sua principal fonte de renda, o Brasil tem tudo para evoluir e se tornar uma grande referência. Ao desenvolver o ecoturismo, muda a percepção e a consciência das pessoas, que passam a ajudar na preservação.
JC - Quais são os planos para o futuro da ONG e há alguma possibilidade de vocês atuarem no Sul do país?
Haberfeld - O plano é seguir crescendo na parte de ecoturismo, abrindo novas perspectivas em diferentes partes do Brasil. A área de pesquisa é um negócio que nunca vai ter fim, então há sempre coisa nova a se descobrir. A mesma coisa com a educação, com a parte social. Na parte que a gente chama de floresta, em que criamos corredores ecológicos ao comprarmos áreas, pretendemos dobrar de tamanho nos próximos dois anos. O Sul está, sim, no nosso mapa e temos bastante vontade de atuarmos nesta região.
JC - No RS, tivemos as enchentes como catástrofe climática. No Pantanal e na Mata Atlântica há o problema do desmatamento e das queimadas. Qual a mensagem que costuma deixar em suas palestras sobre a importância da preservação e do combate ao aquecimento global?
Haberfeld - O ser humano precisa acordar. Com tudo isso que está acontecendo, quem tinha dúvidas sobre o Global Warming não deveria mais ter. No Sul, foram as enchentes. No Pantanal e na Amazônia, as queimadas. Um terço do Pantanal foi queimado no ano passado, uma área que representa o tamanho da Suíça. Também vimos os incêndios que ocorreram agora em Los Angeles. Mas o ser humano acha que as coisas vão acontecer daqui 100 anos, quando ele não estiver mais aqui. Precisamos pensar nas novas gerações, nos nossos filhos e netos. As coisas estão acontecendo muito mais rápido do que os cientistas previam. Então acho que as pessoas precisam entender que, mesmo que a tecnologia possa ajudar a minimizar esses impactos, é muito mais barato você cuidar do que ainda existe do que correr atrás do estrago depois.
Perfil

Mario Haberfeld, Onçafari
THABATA CORDEIRO/DIVULGAÇÃO/JCO paulista Mario Haberfeld, nascido em 25 de janeiro de 1976, campeão britânico de Fórmula Ford, F3 e Fórmula Renault, com duas temporadas na Fórmula Indy, atualmente está à frente de uma atividade no Pantanal do Mato Grosso do Sul, o Projeto Onçafari. A paixão por automobilismo começou em sua infância, pela amizade de seu pai com Nelson Piquet. Atualmente, ele faz a "ponte-aérea" de Miami (onde reside) a Mato Grosso do Sul, para cuidar de perto do Projeto Onçafari, que visa a preservação da onça pintada a partir de um trabalho de conscientização junto aos fazendeiros da região, bem como a habituação do animal, valorizando o ecoturismo.