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Publicada em 15 de Janeiro de 2025 às 17:25

Só a redução dos juros da dívida não resolverá o problema do RS, aponta economista

Darcy recebeu o Prêmio Economista do Ano de 2024 pelo Corecon-RS

Darcy recebeu o Prêmio Economista do Ano de 2024 pelo Corecon-RS

EVANDRO OLIVEIRA/JC
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Nícolas Pasinato
Nícolas Pasinato
O economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos é considerado um dos principais especialistas quando o assunto é finanças públicas do Rio Grande do Sul. 
O economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos é considerado um dos principais especialistas quando o assunto é finanças públicas do Rio Grande do Sul. 
No fim do ano passado, teve o seu trabalho reconhecido ao receber o Prêmio Economista do Ano pelo Conselho Regional de Economia da 4ª Região (Corecon-RS).
Em entrevista ao Jornal do Comércio, Carvalho dos Santos aborda - sob a ótica do cenário atual - alguns dos principais temas que estiveram no centro de seus estudos dos últimos anos. Entre eles, trata da nova lei de renegociação das dívidas dos estados com a União, batizada de Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), recém sancionada pelo governo federal.
"Sobre o Propag, ainda não está claro o seu conteúdo, mas só a redução de juros não basta. Precisa um desconto que deixe a dívida muito menor e, mesmo assim, se não amenizarmos os efeitos dos problemas climáticos, o Estado continuará não podendo pagá-la", diz.
Jornal do Comércio - A situação da dívida do Rio Grande do Sul tem se arrastado por décadas. Agora, o governo federal aprovou com vetos novo projeto chamado Propag, que pode incluir o RS e cujo conteúdo prevê - entre outros pontos - desconto nos juros e prazo de 30 anos para o pagamento do saldo devedor. Como o senhor avalia mais essa iniciativa e por que há tanta dificuldade de solucionar esse problema crônico envolvendo o Estado e a União?

Darcy Francisco Carvalho dos Santos - Ao contrário do que se costuma ouvir, o problema da dívida não está nos juros, hoje de 4% ao ano, incidentes sobre o saldo devedor, que reduz a cada pagamento. Na média, é muito menor que 4%. Com essa taxa, com o crescimento nominal da receita maior que o do indexador da dívida, a tendência da dívida é cair. Acontece que a receita nem sempre cresceu, e o indexador foi por muito tempo o IGP-DI, que cresceu muito acima do IPCA, índice oficial da inflação.
O grande problema da dívida foi que, na negociação de 1998, em vez de ser paga a prestação calculada, foi pago um limite de 13% da receita (RLR) e dentro desses 13% foram colocadas oito operações de dívida anteriores. Pagava-se pouco mais de 50% do valor calculado, deixando o restante no saldo devedor, que recebia novamente juros e correção monetária. 
Em 2016 foi feito um bom acordo, desta feita, sem o limite para pagamento. Mas sobreveio a recessão de 2014-2016, com grande queda na receita estadual, ao mesmo tempo que o governo anterior a esse período (2011-2014) concedeu enormes reajustes para uma parte dos funcionários para o governo seguinte pagá-los. Com isso, por liminar junto ao STF (Supremo Tribunal Federal), ficamos cinco anos sem pagar que, somado a mais cinco anos do reescalonamento do Regime de Recuperação Fiscal, totalizaram 10 anos; e agora mais três anos devido às enchentes. Com isso o saldo devedor foi às alturas. 
Sobre o Propag, ainda não está claro o seu conteúdo, mas só a redução de juros não basta. Precisa um desconto que deixe a dívida muito menor e, mesmo assim, se não amenizarmos os efeitos dos problemas climáticos, o Estado continuará não podendo pagá-la, visto que nos últimos quatro anos, passamos por três de secas e uma enchente. Somente a seca de 2023, reduziu 46% da receita agropecuária.

JC - Ainda sobre a dívida gaúcha, como o senhor avaliou a iniciativa aprovada pelo governo federal no ano passado de suspender por três anos o pagamento do seu débito e de anistiar os juros nesse período?

Carvalho dos Santos - A suspensão por três anos da dívida foi uma medida necessária, mas apenas amenizará o problema. O problema do Estado é estrutural: o reduzido resultado primário, basicamente em decorrência dos problemas climáticos. O grande problema, o previdenciário, está equacionado e será amenizado com o tempo.

JC - Ainda sobre o problema climático que enfrentamos, como o senhor observa o conjunto de medidas dos governos para recuperar o Estado e o ritmo que se dá dessa retomada econômica no Rio Grande do Sul?

Carvalho dos Santos - O Estado está retomando a atividade econômica. O ICMS  (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) cresceu, em 2024, 13,3% nominais ou 8,7% reais. Desde 2014, cresceu apenas 2,7% até 2023, indo para 11,6%, quando se inclui 2024. Isso deve-se muito também à boa safra agrícola. Além disso, enchente acabou desviando um pouco o foco sobre o que considero o verdadeiro problema econômico gaúcho, que são as secas. Por isso, vejo que além de olhar para o combate à novas cheias, uma boa parte dos investimentos futuros do Estado deveriam ser direcionados para o enfrentamento das secas.

JC - O mais recente livro do senhor trata das ‘Crenças e situações que atrasam o país’. Poderia dar um exemplo que ilustre bem o tema central dessa sua obra?

Carvalho dos Santos - A crença que prejudica muito o País é a de que os recursos estão concentrados na União, porque isso conduz a uma série de reivindicações por parte dos demais entes federados, que não tratam adequadamente suas finanças. E o governo federal, por outro lado, continua gastando e se endividando, como se tivesse bastante dinheiro à disposição. Na realidade, da receita líquida do governo, 80% são despendidos com seguridade social (previdência, assistência social e saúde). Mesmo assim, a saúde é o caos que conhecemos. Além disso, há um enorme dispêndio com emendas parlamentares (mais de R$ 50 bilhões por ano), sem fiscalização. O que resta não é suficiente para atender as demais despesas, deixando a infraestrutura totalmente carente. O resultado disso são os enormes déficits nominais, que superam um trilhão anual em alguns meses, e o grande e crescente endividamento.

JC - A Previdência Social é outro tema central nos seus estudos. As ações e reformas feitas a nível estadual e federal são suficientes para conter a alta que tem sido observada nos gastos desta área ano a ano?

Carvalho dos Santos - A previdência é o maior problema brasileiro. Só o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) tem um déficit superior a R$ 300 bilhões anuais. E isso faz crescer o endividamento. A receita tende a crescer menos, devido às transformações no mercado de trabalho. Já a despesa, além do crescimento vegetativo de 3% ao ano, sofre o impulso dos crescimentos reais do salário-mínimo. Isso dá mais 5% ao ano, o que faz a dívida explodir com o passar dos anos.
Agora, sobre a previdência nos estados e municípios, a reforma (da Previdência) de 2019 foi a maior realizada até então, mas teve um erro crasso que foi deixar de fora os estados e os municípios, que a seguem se quiserem. O Rio Grande do Sul foi o estado que mais seguiu a reforma federal e, ainda, fez uma grande reforma administrativa, eliminando todas as vantagens temporais (triênios, quinquênios, adicionais de 15% e 25%). Fez a reforma do plano de carreira do magistério e, até, exagerou em certos aspectos. Muitos municípios, por sua vez, estão com enormes déficits em seus regimes próprios, à beira do colapso.

JC - O governo federal apresentou recentemente um pacote de corte de gastos - estimado inicialmente em R$ 70 bilhões em dois anos - considerado insuficiente pelo mercado financeiro e outros agentes especializados. Como o senhor observa o atual cenário fiscal do País ?

Carvalho dos Santos - O pacote do governo era insuficiente e, ainda, o Congresso o desidratou. Além disso, (o governo federal) apresentou ao mesmo tempo um corte de receita com a proposta de elevar as isenções do Imposto de Renda até R$ 5 mil o que, segundo setores pertinentes, provoca uma queda de receita de R$ 45 a R$ 50 bilhões. O País vive um paradoxo, PIB (Produto Interno Bruto) crescendo, desemprego caindo, mas ao mesmo tempo um enorme déficit e um dívida alta e crescente, com juros altíssimos. Os juros nominais em outubro/2024, medido em 12 meses, só na União corresponderam a R$ 770 bilhões e a dívida bruta passou de 71,7% do PIB em 12/2022 para 78,6% em outubro do ano passado, totalizando R$ 9 trilhões. O governo precisa fazer superávit primário e, para isso, precisará do sacrifício e da contribuição de todos os setores. 

Perfil

Darcy Francisco Carvalho dos Santos é bacharel em Ciências Contábeis e em Ciências Econômicas pela UFRGS, com curso de Especialização na Pucrs.
Trabalhou em diversas empresas privadas. Foi auditor público externo do Tribunal de Contas do Estado e auditor de finanças públicas da Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul, tendo ingressado em ambos os cargos por concurso público. Exerceu as funções de Coordenador e Assessor Superior do Tribunal de Contas, de Coordenador de Orçamento e Finanças e de Diretor Administrativo-Financeiro na Secretaria de Educação e de Diretor-Geral na Secretaria da Justiça do Estado. 
Publicou, só ou em parceria, cinco livros, sendo o mais recente "Crenças e situações que atrasam o país" (2024). Atualmente é conselheiro do Conselho de Economia do Estado do Rio Grande do Sul – Corecon-RS. 

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