O comportamento do dólar nos primeiros meses do ano que se inicia deve seguir a linha registrada no final de 2024. De acordo com o professor de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), André Cunha, a moeda estadunidense continuará oscilando entre ganhos e perdas ao longo do ano, ainda que permaneça em um patamar alto, ao redor de R$ 6,00.
O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, conforme destaca Cunha, já puxou para cima a cotação do dólar. “Qualquer alteração na política monetária dos EUA e as mudanças na percepção de risco dos investidores afetam demais as outras moedas”, explica. Neste contexto, segundo o professor da Ufrgs, o mercado internacional deverá observar quais promessas feitas por Trump em sua campanha serão de fato adotadas nos próximos quatro anos, o que impactará no mercado.
A desvalorização do real frente à moeda estadunidense também pode ser explicada pela conjuntura econômica interna do Brasil. “O fenômeno de fortalecimento do dólar se exacerba em função dos aspectos domésticos associados às incertezas fiscais e ao pacote de corte de gastos públicos do governo federal”, comenta Cunha.
O professor acredita que, devido à aceleração da inflação, serão necessários novos cortes em 2025, cenário que pode contribuir para a elevação do preço do dólar.
No momento do pronunciamento do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre as primeiras medidas do pacote fiscal, em 27 de novembro do ano passado, o dólar estava valendo R$ 5,82. De acordo com dados do Banco Central, nos dois dias seguintes, a moeda alcançou R$ 5,98 e R$ 6,05.
O real foi uma das oito moedas que mais se desvalorizou em 2024
No acumulado de 2024, apesar das intervenções do BC, o real sofreu desvalorização de 27,3% frente ao dólar, queda semelhante à observada em 2020, ano de pandemia (29,4%). Além disso, por meio de um levantamento, a agência classificadora de risco Austin Rating mostrou que o real foi uma das oito moedas que mais perdeu valor frente ao dólar no ano passado.
De acordo com o professor Cunha, a análise do desempenho do real também pode ser obtida com o indicador DXY. A moeda brasileira não está inserida no cálculo base deste índice, mas é possível aplicá-lo no contexto econômico do Brasil.
O DXY possibilita a comparação entre o comportamento do dólar e o da média da cesta básica de moedas (euro, iene, libra esterlina, dólar canadense, coroa sueca e franco suíço). O índice revela se a divisa estadunidense apresentou força ou fraqueza em relação às outras moedas. Se o indicador apresentar variação positiva, quer dizer que o dólar se valorizou. Quando a variação é negativa, a moeda estadunidense se enfraqueceu se comparada às outras divisas.
Entre o início de outubro e o começo da segunda quinzena de dezembro, o índice DXY apresentou variação positiva de 7%. Isso quer dizer que o dólar se fortaleceu 7% em relação à cesta de moedas.
Se a variação de 7% fosse aplicada na economia brasileira, o dólar deveria estar valendo R$ 5,90, já que estava a R$ 5,50 no início de outubro. No entanto, no dia 20 de dezembro, a moeda estadunidense registrava R$ 6,08. Assim, pode-se apreender que, durante o período analisado, o dólar se fortaleceu mais em relação ao real do que à cesta de moedas.
Leilões do BC tentaram conter o valor da moeda
Na sequência do mês de dezembro, na tentativa de conter o aumento do dólar, resultado da insegurança dos investidores quanto à situação fiscal do País e da frustração quanto às medidas anunciadas no pacote de cortes do governo federal, o Banco Central realizou 15 leilões da moeda norte-americana.
Ao todo naquele mês, foram vendidos US$ 32 bilhões de dólares, entre leilões de linha e de venda direta. O montante leiloado pelo BC foi a maior injeção de recursos registrada em um único mês da história do regime de câmbio flutuante.
A principal especificidade dos leilões de linha é que os dólares vendidos pela autarquia devem ser recomprados posteriormente. Este tipo de pregão é realizado em momentos de pressão do mercado devido à falta de dólares. No leilão de venda direta, por outro lado, não há obrigatoriedade de devolução dos dólares vendidos.
De acordo com base de dados disponibilizada pelo Banco Central, foram leiloados US$ 4 bilhões em 12 de dezembro. O valor foi registrado na plataforma da autarquia em dois leilões de linha de US$ 2 bilhões. No dia seguinte, o BC vendeu US$ 845 milhões, neste caso em um leilão de venda direta.
Em 16 de dezembro, a autarquia leiloou pouco mais de US$ 4,6 bilhões, sendo US$ 3 bilhões na modalidade de venda direta e US$ 1,6 bilhão no leilão de linha. Até o final do ano, foram vendidos outros US$ 23 bilhões. “A antiga administração do Banco Central foi, por algum tempo, pouco ativa no mercado de câmbio. Salvo nesse período mais recente de volatilidade do dólar e pressão do mercado, o BC teve uma atuação mais tímida”, explica Cunha.
O professor lembra que a gestão de Roberto Campos Neto, encerrada no último dia 31 de dezembro, também precisou ser ativa durante a pandemia de Covid-19, quando o mercado brasileiro atravessou grande instabilidade. Já o novo comandante da autoridade monetária nacional, Gabriel Galípolo, que assumiu oficialmente em 1º de janeiro, chega ao comando do BC em um momento complexo, marcado por incertezas fiscais que ainda impactam a política fiscal.