Era 1º de maio e o governador do Rio Grande do Sul alertava os gaúchos sobre a piora das enchentes. "Estamos atravessando o que deverá ser o maior desastre do nosso estado", disse Eduardo Leite (PSDB). Dez pessoas já tinham morrido e mais de 20 estavam desaparecidas.
No mesmo dia, membros da família Gerdau, donos da empresa que nasceu em Porto Alegre (RS), tomaram a decisão de ajudar comunidades afetadas pelas chuvas. As informações são da Folhapress.
"Eu moro em São Paulo, mas meus pais moram no Sul. Falamos no feriado e, no dia seguinte, abrimos uma conta emergencial e escolhemos três organizações para apoiar", diz Beatriz Johannpeter, 58, quinta geração da família e diretora do Instituto Helda Gerdau, que leva o nome de sua avó.
Estava plantada a semente que germinaria dois meses depois, em 2 de julho, como um fundo filantrópico para apoiar a reconstrução do Rio Grande do Sul após as catástrofes climáticas que afetaram 2,3 milhões de pessoas.
O RegeneraRS deu a largada com R$ 30 milhões doados pela família Gerdau e sua empresa. Em seguida, a Vale entrou com R$ 8 milhões e outras empresas fizeram aportes que totalizaram R$ 40,5 milhões. Recursos destinados a apoiar projetos estruturantes em quatro áreas: educação, habitação, soluções urbanas e negócios.
"Percebemos que tínhamos esse papel de catalisar recursos", afirma Beatriz Johannpeter, que desde 2005 tocava o braço de responsabilidade social da Gerdau e, em 2020, encampou a missão de dirigir o instituto familiar extramuros.
A executiva convidou a consultoria Din4mo Lab para gerenciar o RegeneraRS sob uma lógica de capital catalítico. "A gente nunca vai financiar 100% de um projeto, pois a intenção é ser alavanca para que os projetos possam atrair mais capital", explica Marcel Fukayama, cofundador da Din4mo.
Ele cita como exemplo o apoio dado à ONG Gerando Falcões, que vai levar seu projeto Favela 3D -um modelo de erradicação da pobreza- para a cidade de Eldorado do Sul.
"O Regenera aportou R$ 1 milhão e ajudou a mobilizar mais R$ 10 milhões. Isso dá um múltiplo de alavancagem relevante para o fundo", diz ele, referindo-se à soma de R$ 460 milhões que o Regenera tem o potencial de mobilizar.
De 85 projetos apresentados, 13 foram aprovados e 31 estão em análise - critérios incluem escala, impacto e sustentabilidade. Mais de R$ 8 milhões já foram destinados às iniciativas e R$ 18 milhões estão empenhados.
"Capital filantrópico e emergencial é importante, mas insuficiente para o tamanho do problema. O Rio Grande do Sul vai precisar de pelo menos meio trilhão de reais, em dez anos, para sua reconstrução", afirma Fukayama.
Uma das integrantes do conselho do fundo que decide o destino das doações é também responsável pelas compensações aos danos causados pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), em 2019.
"Já passamos por uma grande tragédia e entendemos bem as necessidades e dificuldades que momentos assim nos exigem", diz Gleuza Jesué, diretora de Reparação da Vale.
"Assim como estamos comprometidos com a recuperação em Brumadinho e Mariana, queremos contribuir para a regeneração do Rio Grande do Sul e inspirar outras empresas. Temos muito a aprender, mas também a oferecer."
Entre as iniciativas apoiadas pelo Regenera está um fundo de financiamento misto, criado por uma associação, que mescla doações com investimentos de impacto.
O Estímulo Retomada teve apoio inicial de R$ 3 milhões e chegou a R$ 39,5 milhões em socorro a pequenos negócios gaúchos -9 a cada 10 ficaram alagados em maio.
"É um fundo de alívio pós desastre climático", explica Vinícius Poit, ex-deputado federal e hoje CEO da associação criada na pandemia para emprestar dinheiro rápido a nano e microempresários.
"O plano é que seja um fundo perene para ajudar na recuperação em qualquer lugar que sofra com chuvas, seca, queimadas e outros efeitos do clima."
O Retomada conta com recursos de Itaú, Banrisul, Tramontina, Randon, Alibem, entre outros. O crédito com taxa a 0.99% e 36 meses para pagar alcançou mais de 120 empreendedores do Rio Grande do Sul em 38 cidades impactadas pela tragédia -86% em regiões de baixa renda e 28% acessando crédito pela primeira vez.
"É inclusão financeira na veia e, assim como na pandemia, não tivemos inadimplência, porque as pessoas valorizam quando alguém estende a mão dessa maneira", afirma Poit.
E, ainda que o governo seja o fiel da balança para a reestruturação do estado, iniciativas empresariais inovadoras, como fundos de financiamento misto, têm mostrado força para catalisar recursos na sociedade, avalia Beatriz Johannpeter.
"Não é só uma questão de baixar as águas. A gente vê até hoje escolas que não conseguiram voltar, cidades tomadas pelo lixo, casas e comércios devastados. Os dados são assustadores e a sociedade demanda das empresas uma postura mais atenta aos impactos. A ideia é, juntos, encurtar o caminho para a adaptação climática."
Folhapress
Parcerias para retomada econômica gaúcha envolve grandes empresas
Grandes empresas que atuam no Rio Grande Sul destinaram recursos para a reestruturação do estado em diferentes frentes, em modelo de parceria com as esferas pública e privada e com organizações sociais.
Além de doar R$ 10 milhões para o fundo RegeneraRS, a Gerdau destinou outros R$ 50 milhões para iniciativas como reconstrução de pontes na serra gaúcha, reforma de 14 escolas públicas e construção de moradias temporárias.
Doou ainda itens essenciais como geladeiras, fogões, máquinas de lavar e colchões, além de 60 toneladas de alimentos, 68 mil itens de limpeza e higiene e mais de 50 mil litros de água mineral.
Já a Ambev parou sua produção de cerveja na grande Porto Alegre para envasar água potável. Pelo menos 850 mil latas foram doadas à população do Rio Grande do Sul. A companhia também doou água em caminhões-pipa para o abastecimento de 25 hospitais locais.
Em parceria com a ONG Ação da Cidadania, a empresa realizou show do cantor Bruno Mars que arrecadou R$ 1 milhão, convertido em cestas básicas, materiais de higiene, limpeza e eletrodomésticos para famílias afetadas pela tragédia.