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Publicada em 12 de Dezembro de 2024 às 19:21

Dólar volta a R$ 6 e Bolsa desaba com choque de juros e temores com fiscal

Dólar encerrou com alta de 0,68%, a R$ 6,011

Dólar encerrou com alta de 0,68%, a R$ 6,011

Arte/Jc
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Agência Estado
O dólar voltou à casa dos R$ 6 nesta quinta-feira (12), tendo como pano de fundo a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) sobre a taxa básica de juros do país, a Selic, e a retomada de temores com a cena fiscal.
O dólar voltou à casa dos R$ 6 nesta quinta-feira (12), tendo como pano de fundo a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) sobre a taxa básica de juros do país, a Selic, e a retomada de temores com a cena fiscal.
O colegiado do BC (Banco Central) optou por um aumento agressivo de 1 ponto percentual, levando a taxa ao patamar de 12,25% ao ano. O movimento era esperado pelo mercado, ainda que parte dos agentes econômicos tenha apostado em um aperto menor, de 0,75 ponto.
Em resposta, a moeda norte-americana engatou a sessão em forte queda e chegou a bater R$ 5,867 na mínima do dia, mas reverteu as perdas ainda início da tarde. Encerrou com alta de 0,68%, a R$ 6,011, em reação atribuída a uma série de fatores.
Um deles, de acordo com Fernando Bergallo, diretor de operações da FB Capital, diz respeito à performance da Bolsa, fortemente pressionada pela decisão do Copom. O Ibovespa desabou 2,74%, aos 126.042 pontos, com todas as empresas da carteira teórica, exceto a Hapvida, no negativo.
"Acho que a performance da Bolsa está refletindo no dólar. Então, está saindo dinheiro da Bolsa e grande parte está retornando para exterior, o que impacta a liquidez", disse Bergalo.
Na decisão de quarta, o Copom também antecipou um choque de juros e passou a prever mais dois aumentos de 1 ponto percentual nas próximas reuniões, de janeiro e março, o que levaria os juros a 14,25% ao ano.
Foi um "belo aperto monetário", na visão de Matheus Spiess, analista da Empiricus Research.
"O mercado vinha preocupado com a atuação do BC, temendo que ele pudesse ser mais contido. Mas ele atuou na conta-erro que foi deixada em aberto pela má atuação do governo na questão fiscal. O ajuste se dará pelos juros. Não fosse o caso, se daria no câmbio e na inflação, o que seria muito pior para a economia no longo prazo", avalia.
O choque é, em tese, positivo para o real. Quanto maior a Selic e menor a taxa dos Estados Unidos -em queda desde setembro -, mais atraente fica a moeda brasileira por conta do diferencial de juros.
Mas, para a Bolsa, é o oposto. A sinalização de uma Selic mais alta do que o esperado favorece investimentos de renda fixa, o que leva à retirada de recursos da renda variável.
Como mais da metade dos investidores da B3 é de fora do país - e é preciso comprar reais para investir aqui -, a retirada de investimentos da Bolsa indica que a moeda brasileira foi vendida, o que empurra a cotação do real para baixo por conta da lei da oferta e da demanda.
A reação se deu também nas curvas de juros futuros, e a alta volatilidade levou até à interrupção das negociações do Tesouro Direto por algumas horas pela manhã. Destaque para a forte alta dos contratos de curto prazo, que acomodam agora perspectivas de mais apertos monetários nas próximas reuniões. O DI (Depósito Interfinanceiro) para janeiro de 2026 disparava 2,93% e preficava uma Selic em 14,67%, ante 14,27% do ajuste anterior. O de janeiro de 2027, um dos mais líquidos, previa a Selic em 14,71%, uma alta de 1,59% em relação ao ajuste anterior de 14,49%.
O dólar ainda subiu depois das duas intervenções cambiais do BC feitas pela manhã. Foram realizados dois leilões de US$ 2 bilhões cada com promessa de recompra, e todo o montante foi vendido.
Segundo Matheus Massote, sócio da One Investimentos, o objetivo do BC foi de proporcionar liquidez no mercado para dar conta da demanda no final de ano, "quando há muita remessa de dividendos, acertos de contas, balanços gerais".
"E se o BC fez esse movimento para aumentar a oferta de dólares para as empresas, elas compram dólares e isso faz com que o valor se corrija mesmo."
Há ainda outros fatores na conta do câmbio que explicam a reversão das perdas. Entre eles, a retomada de incertezas em relação à trajetória da dívida pública do país, com os cenários de 2025 e de 2026 mais desafiadores após a decisão e as sinalizações do Copom sobre a Selic.
"Se a deterioração das expectativas sobre a economia brasileira vem do aumento do endividamento, esse choque de juros promovido pelo Copom vai trazer mais endividamento", diz André Galhardo, consultor econômico da plataforma de transferências internacionais Remessa Online.
O aumento da taxa básica de juros torna o custo da dívida maior. O próprio BC calcula que a Selic aumentará a dívida bruta do governo em R$ 50,3 bilhões, montante que equivale a mais de dois terços dos R$ 70 bilhões de economia previstos pelo pacote do ministro Fernando Haddad (Fazenda) para os próximos dois anos.
"Ou seja, o esforço do BC para ancorar as expectativas, para melhorar o nível de incerteza em relação aos indicadores macroeconômicos domésticos, representa mais endividamento, representa uma trajetória da dívida pública pior", diz Galhardo.
O próprio pacote de contenção de gastos do governo também voltou a preocupar nesta sessão. O Executivo está empenhado em aprovar as medidas junto ao Congresso Nacional ainda neste ano, mas encontra revés na liberação de emendas parlamentares, instrumento no centro do mal-estar com o Legislativo.
Na terça, o governo publicou na uma portaria detalhando procedimentos e prazos para a liberação de emendas. Ainda assim, lideranças parlamentares ouvidas pela reportagem admitem que a chance de votação do pacote diminuiu diante da avaliação de que há temas espinhosos entre as medidas que demandam mais tempo de discussão. Entre os descontentes, a própria bancada do PT.
O estado de saúde do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também pesou nesta sessão. O petista passou por um novo procedimento médico nesta quinta-feira para interromper o fluxo de sangue em uma região de seu cérebro. O objetivo era impedir novos sangramentos como o que ele sofreu nesta semana. Mas, ao permanecer no hospital, o chefe do Executivo se encontra longe das articulações pelo avanço do pacote fiscal, o que trava a tramitação.
"Ninguém sabe se o pacote fiscal vai andar ou não, porque isso junta com a questão da hospitalização do presidente. O sentimento hoje foi bem ruim", disse Alexandre Espirito Santo, economista da Way Investimentos.
A intervenção foi bem-sucedida, e Lula deverá ter alta na semana que vem. O Congresso entrará em recesso parlamentar na sexta-feira (20). Os investidores também começaram a levantar alertas sobre a possibilidade de dominância fiscal - quando o descontrole das contas públicas faz com que a política de juros perca a eficácia.
"Não sei se a gente está em dominância fiscal, mas estamos experimentando essa sensação, estamos na 'antessala' da dominância. Se o mercado comprar essa ideia, a situação vai ficar difícil", disse Espirito Santo.

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