Jefferson Klein, com agências
O Senado aprovou, nesta quinta-feira (12), o texto-base do projeto de lei que cria o marco regulatório das eólicas offshore (no mar), mas o Projeto de Lei (PL) 576/2021 foi recheado de jabutis para beneficiar os setores de gás e carvão -combustíveis fósseis e poluentes. Jabuti é o termo usado para trechos inseridos em um projeto, mas que não têm relação com seu tema central.
Neste caso, entidades do setor de energia calculam que estes dispositivos, inseridos no projeto durante a tramitação na Câmara dos Deputados, podem gerar um impacto de até R$ 440 bilhões, por meio de subsídios, na conta de luz, até 2050. Segundo a consultoria PSR, isso significaria um aumento de 7,5% na conta nestes anos.
Durante a tramitação no Senado, Weverton Rocha (PDT-MA), relator da matéria no Senado, pouco alterou o texto, e o projeto que trata de eólicas offshore seguiu repleto de jabutis. No plenário do Senado, o texto-base foi aprovado de maneira simbólica, mas ainda será votado um destaque (um pedido de alteração no texto) que retira uma série destes pontos polêmicos, que ampliam os benefícios de carvão e gás. Um dos empreendimentos beneficiados é a termelétrica gaúcha a carvão Candiota 3.
O gerente da consultoria Dominium, Alexandre Leoratti, espera disputa entre os setores para que o presidente Lula (PT) vete, ou não, os jabutis da matéria -e caso isso aconteça, a discussão deve seguir quando o Congresso precisar apreciar tais vetos. "Até o final de 2030, Reino Unido, Coreia do Sul, China, EUA e Portugal serão mercados de destaque no setor. Com a aprovação do projeto de lei, o Brasil entra nesta lista como um dos principais mercados para investimentos. Apesar disso, matérias estranhas adicionadas ao texto final trazem desequilíbrios dentro do setor de energia elétrica", afirma.
"Os jabutis inseridos pela Câmara, infelizmente, vêm desviando a atenção de todos e tirou o foco do projeto em si, que é a geração de energia eólica em mar. Esta é uma fonte de energia interessante, que chegaria para adicionar ao mix que já temos de energias renováveis", diz Rogério Campos, sócio da área de Energia e Recursos Naturais do Campos Mello Advogados em cooperação com DLA Piper.
Atualmente, a costa brasileira já está loteada de pedidos de licenciamento ambiental ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), feitos para empreendimentos de eólicas offshore. A maioria se concentra no Ceará, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, e muitos conflitam com poços de petróleo, cabos de internet, habitat de baleias e tubarões, rota de aves e abrigos de animais ameaçados.
Em nota, a Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (ABEEólica) afirma que o marco trará para a indústria a segurança jurídica necessária para que o País possa atrair investidores. “Algo que esperamos há três anos e que agora se concretiza como viável e necessário para o Brasil”, destaca a presidente executiva da ABEEólica, Elbia Gannoum.
Agora, o projeto segue para sanção e a expectativa da ABEEólica é a de retirada de emendas que não sejam exclusivamente relacionadas às eólicas. “Contamos com a sensibilidade do nosso governo federal para que avalie e considere o veto para as matérias estranhas incorporadas no texto ao longo deste processo”, reforça o diretor de novos negócios da ABEEólica, Marcello Cabral.
Já o presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS), Fernando Zancan, considera que foi bom o debate no Plenário do Senado, mas ele diz que ainda há desconhecimento sobre o setor carbonífero e alguns discursos antigos sobre a fonte. O dirigente espera que o texto seja aprovado pela Presidência da República o mais rápido possível. “Se vetar (o artigo que contempla o carvão), vai ser muito ruim para a gente porque vamos levar três a quatro meses trabalhando para derrubar o veto e a região (carbonífera) fica em um impasse”, frisa Zancan.
Por sua vez, o engenheiro ambiental do Instituto Internacional Arayara, John Fernando de Farias Wurdig, considera que o projeto de lei, do jeito que foi aprovado, contemplando o carvão também, fere o Acordo de Paris (tratado internacional sobre mudanças climáticas). “Isso não é transição energética”, enfatiza Wurdig.