A Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado aprovou nesta terça-feira (10) o projeto de lei (PL) 576/2021, conhecido como o marco regulatório para a exploração de energia elétrica offshore (no mar). O texto deve passar nesta quarta-feira (11) no Plenário da Casa para depois seguir para a sanção presidencial, quando possivelmente deverá ocorrer alguns vetos à matéria, particularmente quanto ao jabuti (termo utilizado quando uma proposta é colocada dentro do documento sem ter conexão com o tema original) que favorece a contratação da geração de termelétricas a carvão.
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A presidente do Sindicato da Indústria de Energias Renováveis do Rio Grande do Sul (Sindienergia-RS), Daniela Cardeal, recorda que já se passaram três anos da proposta do projeto e houve várias mudanças. “A gente entende que poderia, realmente, ser um PL de offshore em vez de inserir outras fontes que vão acontecer no onshore (em terra)”, argumenta a dirigente.
Ela reforça que a construção do marco regulatório envolve antigas negociações políticas. “Para nós do Sindienergia-RS, o que a gente quer é ver esse projeto agora em formato de lei, porque estamos perdendo competitividade a cada semana, a cada mês, que não acontece essa regulamentação”, frisa Daniela.
A dirigente salienta que há excelentes empreendimentos eólicos a serem desenvolvidos na costa gaúcha, do ponto de vista de potência, de logística e quanto ao licenciamento ambiental. Contudo, a representante do Sindienergia-RS reitera que para o setor é fundamental contar com segurança jurídica para fazer investimento, por isso a relevância da consolidação de uma lei a respeito do segmento.
A questão do carvão também envolve diretamente o Rio Grande do Sul, já que a possibilidade da contratação de energia dessa fonte fóssil poderia prolongar a operação da termelétrica gaúcha Candiota 3, que tem seu contrato de comercialização de energia acabando neste mês de dezembro. Durante a apreciação do PL 576 na Comissão de Infraestrutura, o senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do Governo no Senado, comentou que havia o compromisso do Poder Executivo com o veto do artigo que diz respeito à continuidade das termelétricas.
O engenheiro ambiental do Instituto Internacional Arayara, John Fernando de Farias Wurdig, avalia que a manutenção do uso do carvão no País não pode ser considerada um processo de transição energética. “É um dos maiores retrocessos no campo ambiental e climático”, critica Wurdig.
Para o representante do Arayara, a promessa de veto às termelétricas a carvão pelo governo federal não é o suficiente para tranquilizar os ambientalistas. Ele comenta que, mesmo confirmando o veto, há a possibilidade de ser derrubado quando a matéria retornar ao Senado. O engenheiro frisa que o PL deveria tratar apenas da questão offshore.
Wurdig enfatiza ainda que a Companhia Riograndense de Mineração (CRM), controlada pelo governo gaúcho, está sendo beneficiada com o PL, pois a estatal é a fornecedora de combustível para a usina de Candiota 3. “E a CRM, nos últimos seis anos, tem mais de R$ 1 milhão em multas por crimes ambientais, aplicadas pela própria Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Hoje, a CRM está dentro da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), onde está também a Fepam, que aplica as multas”, ressalta.
Em nota, a Sema afirma que “o governo do Estado está comprometido com a implementação de uma transição energética justa, que promova a diversificação e a descarbonização da matriz energética”. O comunicado recorda que, em outubro, o governador Eduardo Leite assinou o contrato para a elaboração do Plano de Transição Energética Justa do Estado, para “garantir que a mudança ocorra de maneira equilibrada, promovendo a inclusão social e o desenvolvimento econômico”. A CRM, segundo a Sema, integrará os estudos e terá papel fundamental no plano de transição. A pasta aponta ainda que a Fepam tem a competência de realizar o licenciamento e a fiscalização ambientais, sendo uma autarquia independente vinculada ao Estado.
Na segunda-feira (16), o Instituto Arayara lançará na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul um estudo mostrando, de acordo com Wurdig, a insustentabilidade de Candiota 3. “A gente entende que tem o trabalhador, a geração de renda, a arrecadação de impostos para o município, mas não dá para continuar com esse modelo até 2050”, defende o engenheiro ambiental.
ABCS comemora aprovação da matéria sem retirada do setor carbonífero
O presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS), Fernando Zancan, considera como uma vitória para o segmento carbonífero ter superado um eventual entrave dentro da Comissão de Infraestrutura durante a votação do PL 576. “Foi mais um passo, se avançou mais uma etapa legislativa, agora vai ao Plenário”, detalha o dirigente. Porém, Zancan ainda prega prudência quanto ao resultado final. “Enquanto a lei não for publicada sempre há um receio”, assinala.
Ele salienta que a manutenção da atividade carbonífera é fundamental para as regiões onde elas ocorrem, seja em Candiota ou nos complexos termelétricos situados em Santa Catarina e Paraná. Sobre o possível veto presidencial ao carvão, Zancan ressalta que é possível uma reversão quando a matéria retornar ao Senado, entretanto isso implicaria o atraso na discussão, avançando o debate para 2025.
Esse cenário dificultaria a efetivação de contratos de comercialização de energia de Candiota 3. Uma das opções, apontada pelo presidente da ABCS, seria o mercado de curto prazo para atender ao crescimento de demanda elétrica no verão, quando aumenta o consumo dos aparelhos de ar-condicionado. Contudo, ele adverte que quando chegar o inverno, com mais água nos reservatórios das hidrelétricas, dificilmente a termelétrica gaúcha conseguiria garantir algum acordo de fornecimento.
Zancan afirma que uma usina a carvão precisa ter um contrato de longo prazo para se tornar viável de forma mais permanente. O dirigente sustenta que o carvão é fundamental para dar segurança energética para o País e alimentar a economia de diversas comunidades.