O tema das dragagens ganhou ainda mais relevância após o encalhe de três embarcações de carga no Canal de Itapuã, em Viamão, na Região Metropolitana de Porto Alegre, nas últimas semanas. Além disso, as cheias de maio levaram o governo do Rio Grande do Sul a destinar R$ 731 milhões do Funrigs (Fundo do Plano Rio Grande) para as operações de dragagem.
De acordo com Kayo Soares, engenheiro civil, oceanógrafo e CEO da Arvut Meio Ambiente, empresa especializada em estudos de riscos ambientais, um planejamento adequado é essencial para garantir a eficiência econômica e a segurança ambiental das dragagens. “É preciso planejar antes, durante e depois. Saber exatamente os pontos a serem dragados, a profundidade necessária, o tipo de equipamento, o material que será retirado, seu destino e o impacto associado”, explica.
Ele destaca que, quando realizado com cuidado, o procedimento é seguro, eficiente economicamente e tem impactos ambientais reduzidos em curto prazo, considerando que processos de erosão e reposição são naturais e absorvidos pelo ecossistema em pequena escala. “Quanto menos interferirmos no ambiente, melhor. Assim, evitamos mudanças na hidrodinâmica, erosão excessiva e a necessidade de dragagens frequentes”, ressalta.
O planejamento inclui estudos prévios, como levantamentos batimétricos — medições que mapeiam a profundidade e a topografia do fundo de rios e canais —, identificação de áreas críticas e caracterização do material a ser retirado. Além disso, é fundamental analisar possíveis contaminações e definir o destino adequado para os sedimentos. “Se o material estiver contaminado, ele deve ser tratado como resíduo perigoso, com descarte adequado ou reinserção no ambiente apenas sob rígido controle ambiental”, alerta.
Outro aspecto destacado por Soares é o monitoramento constante de parâmetros como turbidez, qualidade da água e impacto na fauna, especialmente em locais de alta sensibilidade ambiental. Ele mencionou ainda ações específicas, como o afastamento de mamíferos marinhos e o diálogo com comunidades locais em áreas de pesca. “Em alguns locais com corais ou com a presença de golfinhos é preciso um cuidado extra. No caso dos golfinhos é preciso realizar o afugentamento desses animais”, reforça.
Canal de Itapuã
No Canal de Itapuã, ele conta que o acúmulo de sedimentos está diretamente relacionado às cheias recentes. “Historicamente, essa área tinha profundidade suficiente para a navegação, mas os sedimentos trazidos pelas enchentes alteraram essa condição”, explica Soares. A dragagem na região enfrenta desafios técnicos, como correntes intensas e ventos, além da necessidade de equipamentos robustos para lidar com sedimentos mais densos. A dragagem começou nesta terça-feira.
Soares ressalta também a importância de descartar os sedimentos em áreas adequadas, com características semelhantes às do ponto de extração em Itapuã, minimizando alterações na hidrodinâmica. “O descarte controlado é fundamental para reduzir impactos ambientais”, conclui. Apesar disso, devido a alta turbidez do Guaíba, o impacto na fauna e flora locais deve ser limitado, uma vez que são espécies adaptadas ao fenômeno, considerado o principal efeito direto e imediato da dragagem.
Dragagens e enchentes
Quanto às dragagens relacionadas à prevenção de enchentes, ele aponta a necessidade de cautela. “Dragagens em canais de navegação são cruciais para o desenvolvimento do estado, mas exigem parcimônia, especialmente em situações de resposta rápida para prevenir inundações.”
Soares esclarece que, enquanto cursos d’água menores, como o Arroio Dilúvio em Porto Alegre, podem se beneficiar com a redução de alagamentos localizados, grandes corpos d’água, como o Guaíba e a Lagoa dos Patos, apresentam impactos limitados e custos elevados. Em alguns casos, uma dragagem de alta profundidade nesses locais poderia até acelerar a inundação. “A dragagem precisa ser pontual e estratégica. É parte de um conjunto de medidas para mitigar enchentes, mas não deve ser tratada como solução isolada”, pondera.
Sustentabilidade do modal hidroviário
Além dos cuidados com o meio ambiente em relação às dragagens, Soares ressalta a sustentabilidade intrínseca do transporte hidroviário. “É uma alternativa que gera menos impacto negativo às pessoas e à fauna quando comparada, por exemplo, ao transporte rodoviário”, afirma. Ele acredita que o Rio Grande do Sul deve explorar mais esse potencial, especialmente por sua conexão com o Uruguai e pela presença de grandes empresas exportadoras na Região Metropolitana. Nesse sentido, manter o calado — a profundidade mínima necessária para a navegação segura — e garantir sinalização adequada são medidas fundamentais para assegurar a operação eficiente das hidrovias.