Especial para o JC
Um estudo realizado pela startup Loft, em parceria com a empresa de pesquisas Offerwise, chamada Impacto de Eventos Climáticos na Moradia no Brasil, demonstrou que 30% dos gaúchos consideram mudar de casa para fugir de eventos climáticos extremos como enchentes, inundações ou secas prolongadas. Desses, 10% já estão com planos concretos e 20% ponderam a possibilidade.
“Além dos 30% de pessoas que disseram no Estado que pretendiam se mudar de casa devido à tragédia, outras duas informações merecem destaque: apenas 24% das pessoas diziam ter condições financeiras para fazer essa mudança”, afirma Fábio Takahashi, gerente de dados da Loft.
O diretor comercial da MRV Engenharia, Ítalo Pita, diz que, após a enchente, a tendência de migração entre as cidades disparou. “Percebo isso claramente no nosso negócio: aqui no Rio Grande do Sul, temos operação em Porto Alegre, Viamão, Canoas, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Gravataí e Caxias do Sul e principalmente nesse miolo da região metropolitana as mudanças estão intensas: pessoas que moram em Canoas, mudaram para Porto Alegre, São Leopoldo. Essa ciranda de clientes da região acontece com certa frequência e foi aumentada após a tragédia”.
No cenário de uma eventual mudança, as características que os gaúchos consideram mais importantes para evitar problemas com episódios alarmantes são: distância de encostas e morros (67%), distância de corpos d’água, como rios, lagos, represas, etc. (65%) e a existência de sistema de monitoramento e alerta de eventos climáticos atípicos (55%).
Outro dado interessante é que 70% das pessoas não pensavam em se mudar. Ele é maior do que o observado em estados que não foram afetados por enchentes e inundações nos últimos meses”, afirma Takahashi. Ele aponta duas possíveis explicações para esse percentual. O primeiro é um sentimento de reconstrução, após a tragédia.
“Outro ponto é o perfil socioeconômico. No País como um todo, a classe A demonstrou menos interesse em se mudar devido a eventos extremos. E essa população é mais representativa no Rio Grande do Sul do que em outros estados”, afirma Takahashi.
Sobre a tendência de migração das pessoas de áreas que foram inundadas para outros bairros, ou até mesmo outra cidade, o CEO da Cyrela, Rodrigo Putinato afirma que, em geral, a vontade das pessoas é de permanecer nos locais de origem.
“Todas as pessoas que eu conversei, e que foram atingidas, a maioria arrumou as suas casas. Dos nossos 43 funcionários todos se mantiveram. Teve diretor nosso que mora em Canoas, que eu tentei convencer ele a comprar um apartamento no Moinhos de Vento. Ele falou, não, eu gosto de lá”.
A MRV lançou em novembro um empreendimento no bairro Sarandi, em Porto Alegre, com 220 unidades. “Esse empreendimento será num terreno que já era da construtora, o que a gente fez foi acelerar o processo diante de tudo que aconteceu e antecipar para esse ano o lançamento”, diz Pita. Segundo ele, a migração entre a cidades, ou entre os bairros, está acontecendo, mas se a pessoa tiver a opção, prefere seguir na região em que morava. “É difícil ter que sair de casa, imagina ter que sair do bairro, ou da cidade, pois a gente cria raízes”, pondera.
O estudo apontou ainda que 80% dos gaúchos acreditam que suas moradias já são afetadas por eventos climáticos extremos. Analisando por tipo de evento, 69% afirmaram que já foram afetados ou têm alguém próximo que já foi afetado por inundações e/ou enchentes. Outros 37% relataram ter enfrentado tempestades severas (as duas opções mais citadas). No País como um todo, 62% dizem que eventos climáticos extremos afetam suas moradias e os eventos mais citados foram inundações e/ou enchentes (32%) e ondas de calor (31%).
“Em todos os recortes que fizemos, incluindo classe social, mais da metade dos brasileiros afirmaram já terem sentido o efeito de algum evento climático extremo”, conclui Takahashi.
A pesquisa mostrou ainda que não havia diferença na intenção de se mudar para pessoas que estão na capital, região metropolitana ou no Interior. A ideia da pesquisa surgiu com o intuito de responder duas perguntas: de que forma a tragédia estava impactando o Rio Grande do Sul em si e qual a percepção das pessoas sobre os eventos climáticos não só em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, mas também em outros estados e do País.
O estudo contou com mil entrevistas online, entre os dias 4 e 7 de junho, numa amostra representativa da população brasileira adulta. A margem de erro é de 3 pontos percentuais. A Loft é uma parceira das imobiliárias existe para ajudar a acelerar os negócios delas, com produtos e soluções de tecnologia e financeiros. “Essa pesquisa trouxe informações estratégicas para mostrar o momento dos clientes, quem estava comprando vendendo ou quem estava alugando ou querendo alugar”, finaliza Takahashi.
Medo de nova enchente faz atingidos buscarem imóveis seguros para comprar
A enchente destruiu a casa do operário Clereston da Silva e levou tudo o que tinha dentro dela. Não sobrou nada dos pertences da família que morava no bairro Santo Afonso, de São Leopoldo, um dos mais atingidos pela enchente de maio. “Ninguém acreditava que poderia alagar como alagou e que poderia perder tudo. Foi um dique que estourou que ficava a 100m da casa e carregou com as nossas coisas. A casa ficou 23 dias debaixo d’água”, disse Silva.
A moradia da família tinha sido construída há dois anos pelo próprio Silva, mas não pode ser habitada novamente por problemas estruturais e medo de que a enchente ocorresse novamente. “Nossa sorte é que já tínhamos encaminhado a compra de um apartamento, por ser mais seguro e livre de alagamentos”, conta o operário.
O imóvel foi adquirido através do programa Você no seu MRV, uma iniciativa da construtora MRV para facilitar a compra de imóveis pelos seus funcionários, através da utilização dos programas Minha Casa, Minha Vida e Porta de Entrada, cujos subsídios somados podem chegar a R$ 75 mil para dar de entrada no imóvel.
“Hoje existe uma demanda grande por imóveis seguros e nossos empreendimentos estão em localizações estratégicas, que não tiveram pontos de alagamento. O mercado está aquecido não só em Porto Alegre e que outros municípios como Gravataí, São Leopoldo, Novo Hamburgo em Caxias do Sul, especialmente pelo público do Minha Casa, Minha Vida”, afirma o diretor de produção da MRV, Thiago Mendonça.
Silva diz que o apartamento é numa zona segura e se orgulha de dizer que ajudou a construir a própria casa. “Trabalhei nessa obra que agora passa a ser a minha casa, onde estamos desde o início de novembro”, diz o operário que conseguiu parcelar o imóvel em 60 vezes.
O educador físico, Everton Vasques, conta que, mesmo antes de a enchente acontecer, a família vinha pensando em adquirir um imóvel próprio, plano que foi postergado, mas não esquecido. “Minha esposa fixou na geladeira o anúncio do imóvel que a gente queria, como uma meta. Quando veio a enchente, perdemos tudo, a casa alagou e a única coisa que ficou intacta foi esse anúncio, molhado, sujo de lama, mas inteiro. Era um sinal”, afirma Vasques.
A casa alugada fica no bairro Rio Branco, em Canoas, um dos mais severamente atingidos pela tragédia. A água ultrapassou os três metros de altura e o casal perdeu tudo que tinha dentro de casa que ficou submersa por quase 30 dias. O apartamento escolhido pelo casal fica no bairro Fátima, também em Canoas.
“Logo após a enchente, pensamos em mudar para Florianópolis, mas repensamos a optamos por não sair da cidade”. Com a mudança para o novo endereço marcada para junho de 2025, pois o empreendimento ainda está em fase de construção, Vasques disse que não vê a hora de estar na casa nova. “Pela segurança de estar num apartamento. Compramos no 14° andar”, diz Vasques.