O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) empurrou na semana passada mais de uma vez o anúncio do pacote de corte de gastos para equilibrar as contas públicas, frustrando as expectativas alimentadas pelo próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O chefe da equipe econômica sinalizou em diversos momentos nos últimos dias que as medidas seriam anunciadas na semana que passou, a despeito dos relatos de que o presidente ainda não havia tomado uma decisão definitiva sobre as ações.
A equipe econômica voltou a prometer avanços na agenda de revisão dos gastos para assegurar a sustentabilidade das contas públicas depois do segundo turno das eleições municipais. A deterioração do dólar e das taxas de juros, na esteira da piora na percepção do mercado financeiro sobre a situação fiscal do país, colocou pressão sobre o governo.
As medidas estão sendo avaliadas tanto sob o ponto de vista do impacto fiscal quanto pela viabilidade política. Sob esse filtro, o governo já descartou a desvinculação de benefícios sociais, como o abono e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), em relação ao salário mínimo -embora ainda haja defensores de mudanças no valor do BPC.
Já o abono salarial (espécie de 13º salário pago a trabalhadores com carteira que ganham até dois salários mínimos) deve ser alvo de um redesenho e há mais de um formato em análise. O diagnóstico é de que o benefício, que custará R$ 30,7 bilhões em 2025, pode ser melhor focalizado.
Também está na mesa a possibilidade de limitar o ganho real do salário-mínimo a 2,5%, mesma correção máxima da regra fiscal do arcabouço.
A medida, se adotada, traria alívio para as contas porque, no formato atual, a política de valorização garante um ganho equivalente ao crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes. No ano que vem, por exemplo, será a variação do PIB de 2023, que teve alta de 2,9% (acima de 2,5%). Em 2026, a correção será pelo resultado deste ano, cuja projeção de analistas indica alta de 3,1%, segundo o Boletim Focus, do Banco Central.
No acumulado desses dois anos, o governo poderia economizar cerca de R$ 6 bilhões, caso impusesse o limite ao ganho real do salário mínimo. A iniciativa, porém, deve enfrentar resistências.
Na tentativa de criar uma narrativa política para emplacar o ajuste sem desagradar tanto suas bases, Lula também tem sido aconselhado a incluir no pacote medidas de revisão de subsídios e desonerações. Na reunião de sexta, inclusive, Haddad levou consigo o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, para participar das discussões com o presidente e demais ministros.
Eventuais revisões pelo lado das receitas não garantem a sustentabilidade do arcabouço fiscal, que depende de uma trajetória mais moderada de crescimento dos gastos obrigatórios (que incluem os benefícios sociais). Porém, ajudam no cumprimento da meta fiscal e servem ao discurso político do governo de atacar também o andar de cima.
A ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) defendeu uma redução gradual dos subsídios tributários, financeiros e creditícios, hoje ao redor de 6% do PIB. "É urgente fixarmos pela Constituição, ainda que com uma escala em oito anos, a saída de 6% até 2% do PIB desses gastos tributários", disse na ocasião.
Uma das possibilidades seria fazer um corte linear nesses incentivos. O modelo já foi testado em uma emenda constitucional, mas acabou não tendo eficácia.
Uma das preocupações de auxiliares do presidente Lula é com a comunicação das medidas no momento em que o Congresso Nacional está prestes a aprovar um projeto para ampliar em R$ 11,5 bilhões as emendas parlamentares. O acordo para a aprovação da proposta, que já passou na Câmara dos Deputados, está sendo costurado com o Executivo.
Será uma tarefa difícil para o presidente propor cortes em benefícios como BPC, abono salarial ou seguro-desemprego para bancar emendas parlamentares. O governo já foi alertado também de que enfrentará problemas com o projeto que ainda terá que ser enviado ao Congresso para formalizar os acordos de reajuste salarial das carreiras de servidores do Executivo, antes mesmo de a proposta chegar ao Legislativo.
Outra vertente das medidas deve ser o combate a fraudes. O governo vai ampliar o público-alvo da revisão do Cadastro Único, antes restrita a quem está com o cadastro desatualizado há mais de 48 meses. Agora, esse horizonte será reduzido para 24 meses.
Quanto custarão em 2025 as políticas em discussão
Abono salarial - R$ 30,7 bilhões
Seguro-desemprego - R$ 56,8 bilhões
BPC - R$ 112,9 bilhões
Piso da Saúde - R$ 228 bilhões
Piso da Educação - R$ 113,6 bilhões
Ganho real do salário mínimo (considerando alta de 2,9%) - R$ 17,3 bilhões