Para colocar o Brasil na rota da solidez no crescimento econômico, será preciso encarar o tema indigesto das reformas estruturantes. E investir no aprimoramento da educação e da qualificação profissional. A análise é de Zenia Latif, sócia diretora da Gibraltar Consulting e uma das mais renomadas e respeitadas economistas do País. Em conversa exclusiva com o Jornal do Comércio, após ministrar na quarta-feira (30) a palestra magna de encerramento da Semana de Competitividade – Trilhas para Impulsionar o Cooperativismo, promovida pelo Sistema Ocergs, ela fez uma análise dos desafios do Brasil para alavancar o desenvolvimento. Leia alguns trechos da entrevista.
Jornal do Comércio - O Brasil vive momento de crescimento econômico, ainda que com dificuldades. Quais seriam as prioridades do governo para desafogar a economia?
Jornal do Comércio - O Brasil vive momento de crescimento econômico, ainda que com dificuldades. Quais seriam as prioridades do governo para desafogar a economia?
Zenia Latif - Temos muitos entraves. Um deles é o excesso de gastos públicos, que engessam o orçamento. Por isso, investir nas reformas estruturantes é um tema que precisa ser atacado firmemente. Não é uma agenda fácil. Vemos aí a dificuldade na reforma tributária. É muito difícil avançar nisso, mas precisa ser retomado. São fatores estruturais agravados para políticas, por exemplo, de correção do salário-mínimo. E temos uma renúncia tributária muito alta, de quase 5% do PIB. A gente tem muita renúncia tributária, que muitas vezes acaba sendo renovada sem maior escrutino, sem maior avaliação da sociedade.
JC - Como essas medidas podem mudar o ambiente de negócios?
Zenia - Por exemplo, uma reforma tributária de criação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Ela está saindo muito mais torta do que a gente achava que poderia ter sido feita. Acho que também o ambiente de polarização, tudo isso acaba atrapalhando, porque isso bate no Congresso, torna tudo muito mais difícil. Agora, imagina o que vai ser daqui uns anos, quando a gente consumir qualquer produto, serviço ou qualquer bem, e a gente souber qual é a carga tributária que está embutida? Isso é transformador na sociedade. Você fala assim: “Não! Eu quero redução de carga tributária!”. Mas para reduzir carga tributária tem que cortar gastos. “Ah, então vamos ter que rever essas políticas de gastos públicos”. Porque da mesma forma que no passado a sociedade quis a inflação controlada, acho que um grande tema hoje é a redução da carga tributária.
JC - Quanto as reformas podem projetar o desenvolvimento do País? E em quanto tempo os resultados começam a aparecer?
Zenia - A gente já tem percebido. Temos tido, todo ano, uma revisão para cima da projeção de crescimento do País. Em boa medida, está relacionado à volta das reformas. Tem um ponto importante. Se você faz uma reforma isolada e pronto, a efetividade vai ser pequena. Ao avançar em várias frentes, uma reforma vai melhorando o efeito da outra. Você vai lá, faz uma reforma da previdência. Ela foi importante, claro, porque ajuda a reduzir a pressão nos gastos. Agora, ela sozinha, vai melhorar um pouco, dar um pouco mais de previsibilidade nas contas públicas. Mas e se pensarmos a discussão de outras reformas em gastos públicos, uma reforma trabalhista e também uma reforma para melhorar o empreendedorismo, a lei de liberdade econômica, por exemplo? Essas reformas para melhorar o funcionamento do setor privado vão ter efeitos potencializados. Só a reforma trabalhista tem impacto. Mas e se for a trabalhista junto com a tributária, com a revisão de marcos jurídicos que hoje atrapalham a iniciativa privada, que mais atrapalham do que ajudam? Então você vai dando uma robustez. Por isso a ênfase da necessidade de acelerar e avançar em várias frentes. Sem esquecer de educação, né? Eu realmente acredito que o salto da educação é essencial.
JC - Mas não deveríamos estar trabalhando nisso com mais velocidade?
JC - Mas não deveríamos estar trabalhando nisso com mais velocidade?
Zenia - São discussões de longo prazo, mas acho que esses movimentos estão em marcha. Temos de torcer para acelerar, mas está muito claro que é uma sociedade que está cansada de juros altos, está cansada de Estado que não funciona direito - desde os protestos de 2013 a gente sabe dessa inquietação -, serviços públicos de baixa qualidade, carga tributária elevada, essas demandas estão aí. Precisamos torcer para que apareçam lideranças políticas capazes para entender a demanda da sociedade e entregar da melhor forma possível. Eu não tenho uma olhada pessimista, mas a gente precisa dar musculatura para esse movimento.
JC - É possível solucionar todos esses temas em uma gestão de governo apenas?
JC - É possível solucionar todos esses temas em uma gestão de governo apenas?
Zenia - Quando a gente fala em ajuste das contas públicas, não é para já. Mas é agenda para vários presidentes. A gente precisa enxergar esse compromisso. O atual governo tem falhado. O anterior cometeu também os seus equívocos naqueles furos do teto de gastos. O atual está dobrando a aposta. Então, a gente precisa voltar nessa discussão de ajustes das contas públicas. E que a sociedade enxergue o compromisso do governo em relação a isso.
JC - Isso espanta novos investimentos? Trava nossa capacidade de crescimento?
JC - Isso espanta novos investimentos? Trava nossa capacidade de crescimento?
Zeina - Ainda estamos falando de um ambiente de negócios muito difícil, com muita insegurança jurídica no País. Regras que mudam com frequência, sem critério, às vezes com efeito retroativo. E isso afasta investimento. Não só estrangeiro, mas investimento nosso. A gente está vendo saída de recursos do País, já não é de hoje. Há tantas oportunidades de investimento. Um país que tem uma infraestrutura a ser construída, que tem uma agenda verde para ser consolidada, e a gente perde oportunidades por causa desse ambiente tão difícil de negócios. Claro que tem alguns avanços, mas precisamos acelerar esse ritmo. O investidor se sente inseguro em investir no Brasil, do ponto de vista de ser uma economia muito volátil. Você não sabe se dobrando a esquina vem uma crise.
JC - Você alertou na palestra sobre a baixa produtividade do trabalhador brasileiro e da educação deficitária...
JC - Você alertou na palestra sobre a baixa produtividade do trabalhador brasileiro e da educação deficitária...
Zenia - A produtividade do trabalhador brasileiro é de 25% em relação ao americano. Isso se deve, muito, ao nosso desempenho no campo educacional, que é baixo. Precisamos de uma ação estatal mais eficiente para que a gente tenha formação de mão de obra. A gente gasta com educação, mas não está conseguindo colher frutos em termos de nível educacional. Nossos alunos se saem mal nesses exames internacionais. Os que conseguem sair do Ensino Médio, saem despreparados para a vida, saem despreparados para o mercado de trabalho, em sua maioria.
JC - Quanto isso compromete nossa performance no mercado?
Zenia - Como é que a gente vai falar em resiliência, em adaptação a novas tecnologias? Como é que a gente vai falar de inserção do Brasil no cenário mundial, se não temos uma mão de obra preparada, com conhecimento básico, engajada. E, obviamente, se você não tem isso, também os empresários, a disposição para contratar também vai ser menor.
JC - Esse é um problema também em postos estratégicos de empresas?
JC - Esse é um problema também em postos estratégicos de empresas?
Zenia - Obviamente! Quando a gente fala de capital humano, não é só para mão de obra, não. Eu também estou falando da capacidade de gestão das empresas. A gente tem problemas aqui também. Muitas empresas pequenas, essas com alguma frequência, enfrentam problemas de qualidade de gestão, de uma forma significativa.
JC - Melhorar a qualificação, então, é tema para o governo e para o setor privado?
JC - Melhorar a qualificação, então, é tema para o governo e para o setor privado?
Zenia - Não tenho dúvida. E aí, esses dois temas eles se juntam. Porque se você vai melhorando o ambiente de negócio do País, as empresas também conseguem focar mais a sua atenção em redução dessas ineficiências. Isso inclui treinar mão de obra, inclui você reduzir rotatividade, construir carreiras dentro das empresas, com diversidade. Nesse mundo mais complexo ter diversidade é uma boa ideia, porque tem sempre pessoas com visões diferentes ajudando a construir as estratégias das empresas. Se é todo mundo igual, você não enxerga o todo. Então, essas coisas, no final se ajustam, se juntam. Em ambos os casos. Melhora da qualidade da ação estatal, o que não exclui a responsabilidade do setor privado.
JC - Falta maior fiscalização por parte da sociedade para que determinados temas avancem?
Zenia - A gente tem um setor privado que precisa olhar mais para as políticas públicas, apoiar boas iniciativas, cobrar também para bons resultados. Por exemplo, na pandemia ficamos com escola fechada. E a sociedade não reagiu a isso, não contribuiu para reduzir o tempo de escola fechada, não cobrou. Então, ainda que a responsabilidade principal seja do governo, o governo não é um ente que está isolado. Ele sofre as pressões que vêm do setor privado. O setor privado tem, sim, um papel para ajudar na produção dessa agenda. E, é claro, cada empresa, cada unidade, também entender o desafio que tem pela frente.
JC - O empreendedor pode olhar para o Brasil como ambiente convidativo a novos negócios e investimentos?
Zenia - Tenho me definido como uma pessoa confiante, com otimismo cauteloso. Eu diria que depende do setor. Mas, de uma forma geral, vejo um ambiente mais propício no Brasil. Tem um movimento em construção, depois de uma grave recessão, no período entre 2014 e 2016. Mas vejo a confiança melhorando. A economia vai entrando nos eixos. Mas ainda é um país com muita volatilidade. Até outro dia, a perspectiva era de a taxa de juros ir para 9% ao ano. Agora ela vai para quase 12%. Então, claro que tem ainda razões para muita preocupação. Então, é preciso estar atento às tendências, investindo, empreendendo. Mas com um zelo na administração das finanças. Essa combinação é muito importante.