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Publicada em 22 de Outubro de 2024 às 17:49

Claudio Bier quer acelerar inovação na indústria e reter talentos no RS

Presidente da Fiergs, Claudio Bier aposta no ensino técnico e em parceria com Instituto Caldeira

Presidente da Fiergs, Claudio Bier aposta no ensino técnico e em parceria com Instituto Caldeira

TÂNIA MEINERZ/JC
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Guilherme Kolling
Guilherme Kolling Editor-chefe
e Fernando AlbrechtO presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Claudio Bier, afirma que a inovação é prioridade em seu mandato de três anos, que iniciou em julho. O dirigente quer ter uma extensão do Instituto Caldeira dentro da Fiergs e pretende levar avanços tecnológicos para pequenas empresas – 95% das indústrias gaúchas têm até 50 funcionários.
e Fernando Albrecht

O presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Claudio Bier, afirma que a inovação é prioridade em seu mandato de três anos, que iniciou em julho. O dirigente quer ter uma extensão do Instituto Caldeira dentro da Fiergs e pretende levar avanços tecnológicos para pequenas empresas – 95% das indústrias gaúchas têm até 50 funcionários.
A ideia é que o trabalho envolva todo o sistema Fiergs – com Serviço Social da Indústria (Sesi), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai-RS) e Instituto Euvaldo Lodi (IEL) –, fazendo a inovação chegar até a ponta, isto é, nas indústrias nas diferentes regiões do Rio Grande do Sul. Uma das formas será através da formação de trabalhadores, com bolsas de estudo para ampliar o ensino técnico para jovens estudantes.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Bier ainda detalha as mudanças que está fazendo na estrutura da Fiergs, o que inclui a contratação da consultoria Falconi e a atuação de um CEO, Paulo Hermann. Os primeiros resultados do diagnóstico serão apresentados nos 100 dias da atual gestão. O presidente da Fiergs ainda fala de interiorizar a entidade e projeta a retomada da indústria do Rio Grande do Sul.

Jornal do Comércio - Ao assumir a Fiergs, o senhor fez algumas mudanças, como a contratação de um CEO. Como será a estrutura na sua gestão?
Claudio Bier – Como vice-presidente (da Fiergs), conhecia a casa e sabia que algumas modificações tinham que ser feitas. Estou fazendo mudanças estruturais na casa, que vão ficar para os próximos 30 anos. O próximo presidente que assumir vai encontrar uma estrada já asfaltada. Eu contratei um CEO, o Paulo Herrmann, que foi presidente da John Deere. E levei comigo a doutora Ana (Paula Werlang), advogada, que já trabalhava comigo há nove anos no Sindicato (das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas do RS – Simers), foi procuradora da prefeitura de Porto Alegre, tem uma bagagem muito boa. E a meus vice-presidentes e diretores e disse: "Olha, a Fiergs era extremamente presidencialista e quero mudar isso. Eu quero que vocês (vices e os diretores) participem, deem suas opiniões e ideias". E assim está sendo feito.
JC – Está em andamento...
Bier – Nas reuniões de diretoria, tenho falado pouco, como presidente. Acho mais do que justo que as pessoas que vêm do Interior, são 150 diretores, tenham vontade de dizer o que está se passando na região deles. Quero fazer uma interiorização da Fiergs, inclusive com reuniões da diretoria em diversas regiões. Já fiz a primeira em São Leopoldo com o pessoal do couro e calçados, e foi muito proveitosa. Então, estamos tentando imprimir nosso ritmo. Minha ideia é daqui a três anos deixar um legado de uma Fiergs moderna e competitiva. Competitividade é um dos pilares da nossa administração assim como a retenção de talentos – o Estado está perdendo muitos talentos, nossas cabeças boas estão indo para São Paulo, Santa Catarina, Paraná ou exterior. Temos que reter esses talentos aqui, trazendo novidades e negócios.
JC – E o trabalho da consultoria Falconi, contratada pela Fiergs?
Bier – A consultoria vai nos dar o norte da gestão. Estamos dizendo o que gostaríamos de fazer e a Falconi vai montar. Ela está ouvindo os anseios dos vice-presidentes e diretores, no final vai dizer (por exemplo, hipoteticamente): "Olha, aqui nessa sala há 20 cadeiras, com 10 vocês resolvem o problema".
JC – Quanto tempo vai durar o trabalho da consultoria?
Bier – A primeira parte dura 100 dias, quando faremos entrevista coletiva para mostrar o que se fez nesses primeiros 100 dias, o que a Falconi nos indicou e o que vamos fazer.
JC – O senhor falou em quatro pilares para a gestão. Além de competitividade e retenção de talentos, quais são os outros dois?
Bier – Inovação e reconstrução da indústria. O primeiro é a inovação. Estamos em conversas para levar uma parte do Instituto Caldeira para dentro da sede da Fiergs... Sesi e Senai têm dinheiro para inovação, e é tudo que precisamos. Fizemos um levantamento onde vimos que 95% das indústrias do Rio Grande do Sul têm até 50 funcionários. E essas indústrias precisam que a Fiergs, o Sesi e o Senai e o IEL, que também é um instrumento de inovação, levem inovação até elas. Porque essas indústrias não são só os funcionários, talvez até os donos e diretores tenham que receber essas inovações que o mundo está vendo.
JC – Recapitulando os pilares: inovação, retenção de talentos, competitividade e reconstrução da indústria gaúcha...
Bier – Exatamente. O quarto pilar é o da reconstrução da indústria gaúcha... Não adianta ficarmos sonhando com muita verba do governo federal para resolver os problemas. O governo federal já colocou alguma coisa, que adiantou muito para a indústria, esses R$ 5,1 mil por família (atingida na enchente no Estado)... Para ter uma ideia, hoje a indústria moveleira do Rio Grande do Sul não tem entrega de móveis...
JC – Não consegue dar conta da demanda...
Bier – A enchente destruiu esses móveis, então, o pessoal está comprando mais... Além da indústria moveleira, tem a indústria da construção civil, essas indústrias estão muito bem, ajudaram muito o PIB, têm emprego mas não se encontra gente. Para a indústria é negativo (não ter como ocupar vagas abertas de trabalho), mas se for olhar pelo lado do copo meio cheio, é positivo, porque está todo mundo trabalhando.
JC – Junto à questão da retenção de talentos, tem a qualificação e também o salário, se uma empresa de São Paulo oferece duas vezes o salário daqui...
Bier – Estamos vendo uma guerra, todo mundo querendo tirar talentos de todo mundo. E a ideia, vou a Brasília e um dos temas que vou levar à CNI (Confederação Nacional da Indústria): temos em torno de R$ 300 milhões para construir escolas. E estamos pensando em, ao invés de construir escolas, alugar escolas e usar o dinheiro para rapidamente dar bolsas para atrair a juventude para dentro do Sesi, do Senai e IEL, para que eles venham para dentro da indústria... Para construir uma escola hoje, tem que fazer licitação e outras coisas, vai levar três anos. Em três anos, terminou meu mandato, eu tenho pressa, o Rio Grande do Sul tem pressa. Precisamos formar talentos em seguida. Então, queremos usar esse dinheiro em bolsa (de estudos), trazer essa juventude para a escola.
JC – Como?
Bier – Vou dar um exemplo da minha cidade, Santo Antônio da Patrulha: há 65 anos, tinha o maior colégio de freiras que formava normalistas, vinha gente de toda a região... Isso acabou. Esse colégio está lá, com meia dúzia de salas de aula ocupadas. Esse exemplo se repete no Estado inteiro, colégios fechados, ou pouco ocupados. Então, minha ideia é alugar a escola e usar esse dinheiro para bolsas, a moçada aprender informática, a trabalhar com robô e com computador. Hoje o torneiro tem que trabalhar com computador, precisa de qualificação, se ele erra um botão, estraga uma máquina. É essa qualificação que queremos fazer em massa.
JC – Qual é a sua ideia para a atuação de Sesi, Senai e IEL?
Bier – Minha ideia é modernizar, fazer eles mais ágeis e chegar mais nas indústrias. Tem talentos maravilhosos lá, mas, na minha maneira de ver, temos que chegar mais na ponta, interiorizar. Essa ideia que vamos discutir em Brasília, se é possível usar esse dinheiro para pagar bolsa para estudar vi no Paraná. O governo do Paraná tem uma parceria muito grande com Sesi e Senai, compra um número grande de bolsas. Então, as crianças ficam de manhã no colégio estadual, dali vão com um ônibus do Sesi ou Senai para a escola, almoçam, aprendem uma profissão, têm lanche de tarde e, no fim da tarde, outro lanche. Voltam completamente alimentados para casa. E estão aprendendo uma profissão, robótica, aprendendo a gostar da indústria. Fiquei impressionado com o Paraná. Já dei um toque para o governador, é uma das nossas metas, fazer parceria com governo do Estado, prefeituras. O Sesi e o Senai botam uma parte, prefeitura e governo do Estado botam outra, e essa meninada toda vai fazer turno integral, aprendendo profissão.
JC – No campo, quando alguém opera uma máquina agrícola e não está qualificado a operar toda a mecânica eletrônica embarcada, pode até danificar a máquina. É também um problema no campo...
Bier – Isso está mais vinculado ao Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural). Claro que as nossas indústrias de máquinas estão fazendo cursos, mas essa área não é tanto com a Fiergs, porque já é mais no campo. Hoje temos colheitadeira que vai fazendo um mapa durante a colheita: nesse canto aqui colhi 100 sacas por hectare, naquele outro, colhi 50, tem que colocar mais nutrientes ali. Já faz um mapa da colheita e indica por que naquele local se colheu menos.
JC – E importância da irrigação, que inclui indústria e agro, para a economia do Rio Grande do Sul?
Bier – Venho brigando há 20 anos, entregamos no início deste ano ao governador um projeto, chamado Fundopem da Irrigação. No Fundopem (Fundo Operação Empresa, programa de incentivo fiscal), se traz uma empresa do Paraná ou de Santa Catarina para cá, porque ela vai pagar ICMS aqui. E dá um desconto muito grande de ICMS (para essa empresa), porque é um ICMS que não tinha. O que nós bolamos: hoje, se plantar um hectare de milho, em época normal, colhe 100 sacos por hectare. Se plantar esse mesmo hectare de milho, mas irrigado, colhe 250 sacas. Então, tem 150 sacas que não existem. O incentivo fiscal seria dado em cima desses 150 sacas.
JC – Do que não existe...
Bier – Do que não existe. O que acontece, milho, principalmente, nós produzimos no Rio Grande do Sul somente metade do que consumimos, a outra metade vem de fora – Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso. E deixamos esse imposto lá fora. Então, se produzir aqui, o agricultor vai receber muito mais dinheiro, que vai girar e servir na compra de mais roupa, calçado, automóvel, caminhonete, máquina agrícola, quer dizer, a roda gira. Nosso estado não tem produção suficiente de milho e com isso poderíamos ter. Entregamos um projeto com início, meio e fim, no sindicato (Simers), eu contratei o (Luiz Antônio) Bins, que foi secretário (da Fazenda) do (governo José Ivo) Sartori, para fazer esse projeto. O agricultor não paga ICMS, mas para quem ele vende – cooperativa, esmagadora de soja, pessoal do aviário –, eles pagam (ICMS). Então, usariam esse crédito de ICMS para pagar o investimento (em irrigação).
JC - Além da irrigação, outros projetos são esperados para o Rio Grande do Sul, como uma fábrica de aerogeradores para usinas eólicas...
Bier – Isso é excepcional. Não só esse projeto de eólica, outro é da CMPC (investimento de R$ 24 bilhões em uma nova fábrica de celulose em Barra do Ribeiro), corresponde a uma Ford que saiu daqui... Nós já fizemos um grupo na Fiergs, estamos trabalhando para que o conteúdo do que vai ser usado nessa planta (os fornecedores) sejam aqui do Rio Grande do Sul. Tem coisas que não têm aqui, precisam vir de fora. Mas, para ter uma ideia, na expansão da CMPC em Guaíba, fizemos um trabalho na Fiergs: no início era em torno de R$ 700 milhões de conteúdo gaúcho; nós chegamos a R$ 2 bilhões de conteúdo gaúcho. Então, são essas coisas que a Fiergs deve fazer, tem que estar atento.
JC – Para esse novo projeto em Barra do Ribeiro já está trabalhando...
Bier – Sim, estamos trabalhando… Eu tenho um estaleiro em Taquari. Só de barcaça, vai precisar mais dez para atender a essa nova planta. E o que que acontece? Santa Catarina tem benefício para estaleiro que o Rio Grande do Sul não tem. E trazer um barco de Santa Catarina para cá é barbada. Isso é uma das coisas que estamos pleiteando, para que os estaleiros do Rio Grande do Sul tenham o mesmo benefício que têm em Santa Catarina, para concorrer em igualdade.
JC – E o projeto do porto de Arroio do Sal? Afeta o Porto de Rio Grande?
Bier – Não. Voltando a Santa Catarina: tem cinco portos e está projetando mais cinco. Nós vamos ficar com um só, quase no Uruguai? Eu sou completamente favorável (ao novo porto), temos que brigar muito, esse porto vai desafogar o Litoral Norte. E se Santa Catarina tem cinco portos, nós vamos ficar com um só, lá em Rio Grande... Olha, Rio Grande é longe. Imagina essa zona de Caxias do Sul, toda a Serra, desce a ali direto.
JC – A Serra está defendendo o porto em Arroio do Sal.
Bier – Eu acho que todo o Rio Grande. Não é só para a Serra, é para todos nós. E depois disso podemos pensar em ferrovias, ligar com essas que estão fazendo já para Santa Catarina e Paraná, trazer para cá.
JC – É o desafio da infraestrutura. Por que não aproveitamos a Lagoa dos Patos para desenvolver mais o transporte de mercadorias?
Bier – Estamos pensando na Fiergs em fazer um projeto para fazer um pedágio na Lagoa (dos Patos). A empresa (concessionária) cuidaria dos portos, da dragagem, sinalizaria o canal. E cobraria de quem usar. É um projeto que vai andar, tenho certeza que vai funcionar. Vão chegar navios maiores aqui, mas o pessoal vai pagar. Vai ter calado bom, sinalização boa, melhoria nos portos, vai ter manutenção... Prefiro pagar pedágio em uma estrada boa do que andar numa estrada cheia de buraco, estourar um pneu, sem falar na segurança... Por que o pessoal começou a ir muito para Santa Catarina? Primeiro, as praias maravilhosas, mas aumentou depois que duplicaram a estrada (BR-101), vai de Porto Alegre a Florianópolis em pista dupla... É a logística. Então, isso é uma coisa que estamos pensando também.
JC – A sinalização da hidrovia nem requer tanto investimento, mas é uma queixa antiga, a falta de sinalização noturna...
Bier – Não pode andar de noite. Está em Rio Grande, não pode vir para cá e amanhecer aqui. Ou se está aqui, não pode amanhecer em Rio Grande. Não, tem que esperar amanhecer o dia para só depois ir e chegar lá umas seis da tarde. Quanto tempo perde? Outro problema são esses engarrafamentos gigantescos (na rodovia BR-116 no Vale do Sinos). Agora melhorou sensivelmente com a inauguração das pontes (sobre o Rio dos Sinos) e o Viaduto da Scharlau. Mas imagina um Clovis Tramontina (empresário, diretor do Conselho da Tramontina) trancado três horas num engarrafamento ali? Um Daniel Randon (presidente do Grupo Randoncorp) trancado três horas? Quanto vale o tempo de um homem desses? Estou dando dois exemplos, pode ser o (executivo) da Marcopolo trancado três horas, deixando de produzir, de trabalhar, porque está no trânsito. Isso aí tem é um custo que a gente não imagina...
JC – A mesma coisa com o aeroporto de Porto Alegre.
Bier – Quanto custou não ter aeroporto? Quanta gente deixou de vir aqui negociar conosco e nós deixamos de vender lá fora por falta de aeroporto? Isso sem falar (no turismo) em Gramado, Canela, a Serra inteira.
JC – Voltando à retomada. Como está a capacidade industrial gaúcha hoje em relação a antes da enchente? Varia muito de setor para setor?
Bier – Varia muito setor para o setor. Tem setores que foram tremendamente atingidos. Por exemplo, laboratórios no 4º Distrito (de Porto Alegre), inclusive o da Panvel, ali ao lado do campo Grêmio. A maioria foi alagada. Em Canoas, o da Olina, um laboratório grande. Esse setor foi bem atingido. E também aquela zona de Lajeado, Muçum (Vale do Taquari). Outra empresa que sofreu bastante foi a Oderich (em São Sebastião do Caí).
JC – Como projeta a indústria gaúcha em 2025?
Bier – Olha, eu sou otimista. Acho que vai passar isso aí, vamos sair meio arranhados, mas 2025 vai ser bom. Está surgindo esse porto (de Arroio do Sal), me anima muito, é uma obra que vai dar um outro salto no Estado, nós já temos a CMPC, tudo ajuda, acho que vai ser um 2025 bom, vamos ter uma boa safra, apesar de o preço não estar a maravilha que já teve, mas pelo menos vamos ter produto.
JC – E já tem soja armazenada...
Bier – Tem, muita gente que tem soja guardada.
JC – Tem ainda os projetos das eólicas para o Rio Grande do Sul...
Bier – Quanto mais energia limpa tivermos, melhor. E quanto mais energia aqui no Estado, mais indústria atrai, porque a energia hoje é um problema. As tarifas já subiram porque faltou água. Então, se tivermos energia eólica, vamos trazer mais indústrias para cá, porque vamos garantir duas coisas que a indústria precisa: energia e mão de obra. A mão de obra vamos correr atrás para tentar formar e energia vai sair das nossas eólicas. Com energia e mão de obra, pode ter certeza que vamos atrair indústria para cá. Tem esse projeto de data center (R$ 3 bilhões da Scala Data Centers em Eldorado do Sul), um investimento maravilhoso. E por que estão vindo? Exatamente isso que estavámos falando, vêm porque tem energia.

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