A efetiva regulamentação do mercado de apostas online, as chamadas bets (sites e plataformas de apostas), poderá determinar a divisão entre o atual arranjo e um ambiente mais responsável para o consumidor. O governo federal já vem ventilando medidas a serem implementadas a partir do próximo ano, e o próprio mercado já promove uma espécie de autorregulamentação, antecipando a futura efetivação de medidas, como forma de diferenciar as empresas mais "responsáveis" do segmento.
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Até esta quinta-feira, 205 sites ligados a 93 empresas de apostas online foram autorizadas pelo Ministério da Fazenda para operar. Aquelas que não constavam na relação não poderão mais atuar no Brasil até obterem a autorização final do governo, exceto as que atuam com concessões estaduais.
O governo federal alerta usuários para que saquem os valores depositados para essas empresas, uma vez que as não autorizadas serão retirados do ar pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) no próximo dia 11 de outubro. Além da autorização, a intenção é restringir a publicidade das bets e vetar o uso do cartão do Bolsa Família e de pagamentos via Pix para os fins de apostas.
“Junto com a arrecadação e o retorno de impostos para a própria população, são medidas que visam coibir riscos à saúde pública e dar proteção ao jogador”, avaliou o advogado Carlos Souza Jr., sócio e responsável pela área tributária da MSC advogados.
“Junto com a arrecadação e o retorno de impostos para a própria população, são medidas que visam coibir riscos à saúde pública e dar proteção ao jogador”, avaliou o advogado Carlos Souza Jr., sócio e responsável pela área tributária da MSC advogados.
As medidas, por si só, no entanto, não seriam suficiente, uma vez que, mesmo que bloqueadas, as empresas de apostas online podem encontrar formas de retornar à rede.
“Essas plataformas começaram com empresas com idoneidades duvidosa, na maioria das vezes em paraísos fiscais. Os números são absurdos, e a legislação virá cobrar o tributo e coibir práticas, inclusive por parte de pessoas que recebem o auxílio do governo para a própria alimentação”, observou o advogado, ao lembrar que apenas 1% dos valores aplicados no segmento retornam ao cidadão. “O risco para a economia é muito grande”, alertou.
Antes de entrar em vigor a medida prevista para janeiro de 2025, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) antecipou a proibição do uso de cartões de crédito para o pagamento em apostas e jogos online nas bets.
Antes de entrar em vigor a medida prevista para janeiro de 2025, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) antecipou a proibição do uso de cartões de crédito para o pagamento em apostas e jogos online nas bets.
Em nota divulgada na quarta-feira (2), a entidade diz ter se baseado na crescente preocupação do setor quanto ao superendividamento da população, com impacto no consumo relacionado ao varejo e ao setor de serviços, ainda que o uso de cartão nessas operações tenha se mostrado inexpressivo.
A Abecs defende que o uso de formas de pagamento atreladas a linhas de crédito, como o Pix financiado, também seja proibido. A entidade considera que o Pix é o maior responsável pelos lances realizados em jogos online, se revelando como “um importante vetor de endividamento”.
Já a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) defende que meios de pagamento instantâneo, como o Pix, fiquem temporariamente suspensos para o pagamento de jogos de apostas online, e que sejam impostos limites por transação.
As medidas cogitadas pelo governo federal ainda não são as ideais, segundo especialistas. Ainda há a necessidade de ampliar as discussões e definições de regras, de acordo com o advogado Daniel Dias, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro. Professor do Centro de Pesquisas em Direito e Economia (CPDE), Dias entende que o Ministério da Fazenda está começando a reagir com medidas mais rigorosas, como a proibição total de publicidade.
“É uma novela que está apenas no início. Há pouca coisa escrita e poucos julgados”, aponta, referindo-se à falta de legislação e de decisões no Judiciário. Ele indica a falta de determinação de competência para fiscalização, se estados ou União, ou quem vai emitir autorizações para as operações.
Sob o ponto de vista do indivíduo, Dias cita a necessária participação de Ministério Público, Defensorias Públicas estaduais e Procons em defesa de quem estiver sendo lesado. “O fenômeno das bets é novo, multifacetado, impacta a sociedade em várias dimensões. Daí a probabilidade de, em breve, o surgimento de ações civis públicas”, comenta.
O especialista critica ainda a portaria federal publicada em julho, pelo Ministério da Fazenda (portaria 1207, de julho/2024), que estabelece requisitos técnicos dos jogos online. O texto, segundo exemplifica Dias, coloca cassinos online no mesmo patamar de jogos online, que são campeonatos mundiais de equipes em ambientes virtuais.
“Para mim, isso é algo muito grave. De todas as barbaridades, é a principal, mas não está se falando sobre isso. É uma lei que deve ser questionada e revogada. Jogos online são profissionais, cassinos online são caça-níqueis feitos com o objetivo de lesar o cidadão”, complementa.
'Regulamentação é fundamental nessa dinâmica atual altamente nociva'
Gelfi considera a questão 'pedra angular' para operação do segmento
IBJR?Divulgação/JCCom o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável e responsável do mercado de jogos brasileiro e de estar presente nos espaços de discussão sobre o tema, foi criado em 2023 o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR). Representando 11 das maiores empresas do setor de apostas, a entidade defende a regulamentação das bets e já antecipou algumas medidas nesse sentido.
"Queremos colaborar de uma forma mais próxima e mais engajada nas discussões com interesse de, eventualmente, expandir horizontes para o Brasil e operar dentro de um mercado viável do ponto de vista social e econômico. A regulamentação é a pedra angular para essa dinâmica atual altamente nociva ao tecido social”, disse o presidente da entidade com sede em São Paulo, André Gelfi.
A entidade já se manifestou favorável à proibição do uso de cartão de crédito, medida que foi adotada antecipadamente pelos seus integrantes. Em relação à proibição de publicidade, o dirigente aponta a necessidade de aprofundar a discussão. “Se for necessário fazer qualquer tipo de ajuste, estamos dispostos a conversar. Mas a regulamentação da publicidade já está nas portarias e através do próprio Conar”, observa.
Ainda assim, ressalta Gelfi, as empresas devem aumentar o cuidado com a publicidade. “Queremos deixar claro como trabalhamos e queremos dar exemplo para as demais operadoras, mostrando que aposta é entretenimento, não é meio de vida ou forma de ganhar dinheiro”, destaca.
O empresário entende ainda que a questão deve ser melhor trabalhada pelos entes públicos. Gelfi também critica a possibilidade de incidência do Imposto Seletivo sobre as apostas. Embora avalie como alta a atual carga tributária vigente, considera que ela é adequada para que o mercado se formalize a partir de janeiro de 2025.
Com 11 membros fundadores, o instituto diz representar entre 70% e 75% do mercado de apostas brasileiro, em um universo que não possui uma estimativa precisa. Enquanto o governo brasileiro fala em 600 empresas de bets atuando, há quem suscite a existência de até 2 mil plataformas em operação no País.
BOX
Até 1º de janeiro de 2025, todas as operadoras deverão cumprir as diretrizes anunciadas pelo Ministério da Fazenda. Entre elas:
- autorização prévia do Sistema de Gestão de Apostas (Sigap), do Ministério da Fazenda;
- a atividade restrita a sites com o domínio ".bet.br";
- ter sede no Brasil e ser constituída como sociedade empresária limitada (LTDA) ou sociedade anônima (S/A);
- não ser pessoa jurídica que opere como filial, sucursal, agência ou representação no Brasil de pessoa jurídica com sede no exterior; e ter um brasileiro como sócio detentor de ao menos 20% do capital social da instituição.