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Publicada em 27 de Agosto de 2024 às 16:23

Implantação do split payment gera insegurança

Ferramenta tecnológica a ser implantada com a reforma tributária divide automaticamente os valores entre players de uma transação, inclusive destina para os cofres públicos o imposto a ser recolhido

Ferramenta tecnológica a ser implantada com a reforma tributária divide automaticamente os valores entre players de uma transação, inclusive destina para os cofres públicos o imposto a ser recolhido

FREEPIK/DIVULGA??O/JC
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Caren Mello
Caren Mello
Especial para o JC
Especial para o JC
A Reforma Tributária está em fase de regulamentação, e, nesse período, são grandes e duradouras as discussões sobre a operacionalização de sistemas e formas de tributação. Entre os benefícios alardeados pelo governo em defesa do projeto está a simplificação do sistema, isto é, a não cumulatividade plena. Os novos impostos darão mais transparência e agilidade para o pagamento e arrecadação. Por outro lado, há incertezas sobre impactos tanto para cidadão, quanto para empresários, que costumavam cumprir com suas obrigações nas datas eleitas por eles mesmo. Com a implantação do split payment, não haverá mais essa possibilidade.
O split payment é uma ferramenta tecnológica a ser implantada com a Reforma Tributária. O sistema divide automaticamente entre os players de uma transação. O contribuinte paga o valor do produto ou serviço e, ao mesmo tempo, o valor do tributo a ser recolhido (IBS e CBS). Ou seja, o fisco recebe diretamente o imposto, cujo pagamento não é mais de escolha da empresa. Ele já é utilizado em pequena escala por grandes empresas, em geral do comércio, cujas plataformas online reúnem produtos de várias lojas em um único site. Nessas lojas, por exemplo, o cliente pode, inclusive, sair com a mercadoria e a nota fiscal, sem que tenha feito o pagamento efetivo do produto.
O modelo a ser implantado, porém, é de escala maior, abrangendo todos os tipos de operações comerciais. Pontos positivos: agilidade no sistema e redução nas sonegações. O fluxo de arrecadação é mais rápido e, não dá espaço para sonegação, como ocorre com o modelo atual que permite pagamento posterior. Ponto negativo: há uma mudança total na dinâmica das transações, podendo impactar atém mesmo no caixa das empresas, com implicações tanto para os fornecedores quanto para os consumidores. Como o split payment determina que o valor do tributo seja imediatamente pago, esses recursos não ficarão à disposição da empresa ou fornecedor.
A mudança traz a obrigação das empresas recalcularem a precificação de seus serviços e produtos, uma vez que o fluxo de caixa e a formação de preço de forma mais aprofundada. Os tributos agora serão calculados separadamente e adicionados ao preço final do produto ou serviço. No entanto, o recolhimento será feito de forma imediata, ou seja, no momento da operação comercial. Se a empresa não souber calcular corretamente seus créditos tributários na entrada, é possível que ela acabe pagando mais imposto do que o necessário.
A implantação do sistema foi discutira em audiência pública, na última semana, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Representantes da sociedade civil, do Conselho Federal e do Conselho Regional de Contabilidade (CRCRS), da Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e da Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (Fenacon) e especialistas em Direito Tributário, levaram aos senadores a preocupação com a operacionalização. O presidente do CRCRS, Márcio Schuch, que integra o grupo de estudos da Reforma Tributária na entidade federal, apontou questões que devem ser consideradas. “É inquestionável a melhoria para a administração tributária, mas é preciso dizer que vai gerar um maior encargo para os contribuintes”, observou.
Hoje a apuração dos tributos – icms, Iss, pis e cofins, está relacionada à nota fiscal. Crédito e débito são os dois pontos principais que geram a apuração dos tributos. Porém, nem toda movimentação será financeira, por meio eletrônico. "Com esse sistema, temos a redução da inadimplência, da sonegação e da fraude, ele alavanca o desenvolvimento econômico, entretanto, temos, sim, desafios em fazer esse controle que, hoje, objetivamente, não é feito”, alertou.

'Não temos referência no mundo desse modelo de split payment'

Schuch particpou de debate sobre o sistema no Senado

Schuch particpou de debate sobre o sistema no Senado

EVANDRO OLIVEIRA/JC
O mecanismo do split payment foi um dos temas centrais de debate na última semana no Senado Federal. Em audiência pública promovida pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, estiveram em discussão as principais dificuldades e incertezas do novo sistema a ser implantado de forma pioneira no Brasil.
O presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRCRS), Márcio Schuch, representando o Conselho Federal e as demais entidades regionais, destacou pontos fundamentais a serem considerados para a operacionalização da ferramenta. Usado para fazer a separação dos pagamentos de forma automatizada, o sistema, por um lado, reduz a inadimplência e a sonegação.
Por outro lado, Schuch pondera que há desafios para o controle, além de outras pontos que devem ser esclarecidos nesse projeto. "Esse modelo de automação não tem parâmetro, uma referência de operacionalização nessa escala que está se apresentando aqui no Brasil. Isso gera insegurança", disse, em entrevista ao JC Contabilidade.
JC Contabilidade - O split payment está incorporado na emenda aprovada. Mas a forma de funcionamento, não?
Márcio Schuch - Exatamente. Ele é um sistema que tem condições para ser implementado, não é automático. O Estado, a Receita Federal, teriam que cumprir alguns requisitos para que ele seja implementado. O ponto principal é uma modalidade de pagamento dos tributos que o Brasil estaria sendo pioneiro no mundo com uma implantação da forma ampla como estão propondo. Alguns poucos países adotam. Na Comunidade Europeia, a Itália e a Polônia têm parcialmente, com algumas operações eletrônicas. Essa é uma das críticas que a gente fez na reunião porque a proposta do governo é muito ambiciosa. É uma proposta de implantação ampla de um modelo que não funciona ainda em lugar nenhum do mundo nessa amplitude. Isso nos traz muita insegurança. Um dos pontos que nós colocamos é a viabilidade, isso é, de não trazer um efeito contrário. Se fala muito em simplificar, mas pelo que a gente tem visto hoje, ele vai exigir muito mais informações do contribuinte. A gente não tem ainda segurança de que o seu grande benefício para a população vai ser efetivamente implantada. A gente sabe, e isso está muito claro, que é um benefício direto para o fisco. Inclusive, eles recebem antes de qualquer apuração. Na hora que pagar alguma coisa no comércio, por exemplo, já cai na conta do governo.
Contab - Por outro lado, também é um mecanismo que evita a sonegação.
Schuch - Claro, isso é evidente, esse é outro ponto que discutimos na reunião. Sonegações existem, mas estamos falando de exceções. O próprio governo tem estudos que a sonegação chega a 10% das situações, no máximo. Vão colocar todos os contribuintes em um modelo que a gente ainda não conhece para tentar resolver um problema que não afeta a todos.
Contab - Qual seria a dificuldade para o contribuinte?
Schuch - Esse modelo precisa ter mais informações do que essa versão atual. Hoje, basicamente, a apuração de tributos nos modelos de crédito e débito - que é disso que estamos falando -, tem uma nota de entrada, que dá crédito, e uma nota de venda, o débito. No split payment é preciso acompanhar o pagamento das operações. Não é mais só a nota de compra ou a nota de venda. É a nota de compra, quando isso foi pago; quando houver o pagamento, que parte tem de valor de imposto. E, em cada um dos pagamentos, isso vai ter que ser acompanhado. Na teoria, o governo diz que isso tudo vai ser automatizado. Mas a gente não conhece esse modelo de automação e nem tem um parâmetro, uma referência no mundo de operacionalização da escala que está se apresentando aqui no Brasil.
 
Contab - Esse acompanhamento recai sobre os consumidores e também para os contadores?
Schuch - Na proposta, o próprio governo faz esse acompanhamento no momento da emissão da nota. Em tese, ele entende que ali está definida a tributação. Mas, em outro momento, fala que não é assim porque o contribuinte vai continuar tendo o direito - e isso é bastante importante destacar - ele vai continuar tendo direito de conferir se aquilo que o fisco fez é o correto. E, para fazer essa conferência, estamos tratando de um volume de informações muito maior do que o hoje envolve a apuração de tributos.
Contab - Há uma controvérsia que recai sobre optantes pelo Simples. Qual o impacto nessas empresas?
Schuch - Temos estudos muito claros sobre um momento de carga tributária é muito significativo para as empresas do Simples que têm clientes que não são do Simples, e em especial no segmento de prestação de serviço. O governo diz que eles poderão, se quiserem, sair do Simples. Claro que podem! Mas aí passa a ter uma carga maior! Esse é um ponto que é bastante discutido. O governo não tem se mostrado disposto a recuar nessa proposta. Em resumo, eles entendem que é aceitável esse aumento de carga tributária em função do ganho amplo que a reforma vai fazer para a economia. Mas está claro, está posto, que o maior problema está concentrado, principalmente, em: quanto menor a empresa, maior aumento da carga tributária. É uma questão que é até controversa porque o governo sempre fala da regressividade. Mas neste caso está claro: quanto menor o faturamento, maior vai ser o aumento da carga tributária.
Contab - Quanto por cento impacta nessas empresas?
Schuch - Nas empresas do Simples que tenham como cliente empresas que são do Simples, estamos falando de um aumento de 180% de carga tributária em pequenas empresas, pequenos negócios, que faturam R$ 7 mil, R$ 15 mil, R$ 20 mil por mês. Esses é que vão ter o maior aumento da carga tributária.
Contab - Quais a perspectiva sobre essa discussão?
Schuch - Existe um cronograma no Senado. O projeto está em regime de urgência, que poderia até levar à sua votação no próximo mês. Mas já se fala em retirada do regime de urgência. Estamos próximos às eleições, o Parlamento entra em um período de menor produtividade, o Senado se esvazia. Agora começa a gerar uma insegurança se, de fato, o projeto vai andar naquilo que está proposto, se o presidente da Casa vai seguir dando essa prioridade. Terão outras 12 audiências distribuídas entre os meses de agosto, setembro e outubro. Os próximos passos serão seguir o cronograma do plano de trabalho do Senado e ao final, o texto que vai ser a escolha dos senadores.
 

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