Durante o período da hiperinflação, que vigorou, principalmente, entre as décadas de 1980 e 1990, os brasileiros adquiriram hábitos de consumo pouco usuais aos olhos de hoje. Todo o início de mês, por exemplo, famílias corriam para os supermercados para evitar a desvalorização de seus salários com o passar dos dias. Os carrinhos ficavam lotados para escapar da elevação dos preços, ou seja, as compras eram feitas para os próximos 30 dias, era o ‘rancho’ do mês. Além disso, os alimentos eram estocados em casa, sendo o freezer um dos bem mais cobiçados da época para esse tipo de missão.
Os comerciantes e empresários também precisavam se adaptar ao cenário e enfrentavam desafios para manter os negócios. Em supermercados, por exemplo, funcionários frequentemente passavam boa parte de seu tempo remarcando produtos manualmente. Muitas unidades, inclusive, utilizavam pistolas de etiquetas para remarcar preços rapidamente, o que se tornou um dos símbolos do período de inflação fora de controle. Algumas lojas até contratavam equipes, exclusivamente, para essa tarefa, dada a frequência com que os valores mudavam.
O diretor da Rede Viezzer, Mario Viezzer, lembra que, com a inflação galopante, supermercados tinham que equilibrar a compra de produtos antes de novos aumentos. Segundo ele, a necessidade de atualização constante dos preços e a gestão complexa de estoques elevavam os custos operacionais.
“Negociar prazos de pagamento com fornecedores era complicado, pois ninguém queria ser prejudicado pela inflação”, acrescenta. Ele lembra ainda que investimentos em expansão ou modernização eram arriscados, e os supermercados tinham que ser extremamente ágeis e criativos em suas estratégias se quisessem sobreviver.
Mario compartilha ainda o desafio que foi o período de transição que envolveu o uso da Unidade Real de Valor (URV), o qual classifica como desafiador. "Os supermercados tiveram que exibir preços em Cruzeiros Reais e URV simultaneamente, o que exigiu atualizações nos sistemas de precificação e treinamento dos funcionários para garantir que a conversão fosse precisa e que os consumidores não ficassem confusos", recorda.
Ao olhar para o retrovisor, o presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antonio Cesa Longo, afirma que as três décadas do Plano Real representam um case mundial de sucesso por ter permitido o equilíbrio da inflação e a estabilidade econômica no País. “Como os supermercados estão na vida das pessoas diariamente em suas compras de abastecimento, a mudança deu tranquilidade para o varejista operar e permitiu ao consumidor um maior controle de suas cestas de compras e estoques domésticos”, pontua.
Também do segmento do varejo, o presidente do Grupo Elevato, Irio Piva, relembra que a empresa não contava com computador, o que fazia com que toda atualização de preços fosse feita de modo manual. “Ficávamos mais tempo atualizando o preço do que atendendo os clientes”, recorda.
A inflação, que no início da década de 1990 chegou a um patamar de 80% por mês, tornava a venda à prazo praticamente inviável aos comerciantes. “Se vendesse em três vezes, quando o dinheiro chegava já não valia mais nada”, explica
Tanto Piva quanto Viezzer citam que, como empresários, a capacidade de planejamento e de investimento conquistada após o Plano Real estão entre os principais ganhos ao setor produtivo.
A inflação, que no início da década de 1990 chegou a um patamar de 80% por mês, tornava a venda à prazo praticamente inviável aos comerciantes. “Se vendesse em três vezes, quando o dinheiro chegava já não valia mais nada”, explica
Tanto Piva quanto Viezzer citam que, como empresários, a capacidade de planejamento e de investimento conquistada após o Plano Real estão entre os principais ganhos ao setor produtivo.
Plano Real mudou características das empresas
O vice-presidente e coordenador da Divisão de Economia da Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande Sul (Federasul), Fernando Marchet, aponta que a previsibilidade obtida após o plano pode ser considerado como “o maior avanço estrutural conquistado pelo País”.
“Antes dele, toda empresa criava um parâmetro para a correção de seus preços e de seus custos com base, em geral, no dólar, que, por sua vez, também era controlado e manipulado com correções diárias pelo Banco Central. Era muito difícil, para as companhias, entender exatamente qual era a sua estrutura de capital e a sua necessidade de caixa, ou qual seria a geração de caixa de seu negócio”, diz Marchet, que também é CEO da consultoria Bateleur.
Segundo ele, em tempos de hiperinflação, ser empresário era “muito mais um exercício de equilíbrio criativo do que propriamente conduzir a gestão profissional de uma companhia”. Marchet acrescenta que, além da previsibilidade em termos de planejamento e investimentos, as mudanças a partir do pacote econômico transformaram as característica das companhias.
“(Houve mudanças) inclusive em termos geracionais, já que muitos profissionais não conseguiram se adaptar às exigências do novo mercado, que passou a exigir uma formação acadêmica mais ligada à apuração técnica e à avaliação quantitativa para a tomada de decisões, entre outras habilidades”, analisa.
Na mesma linha, o presidente da Fecomércio-RS, Luiz Carlos Bohn, diz que a alta inflação funcionava, por vezes, como justificativa para más gestões de muitos empresários no País. “A estabilidade fez com que muitas empresas e modelos de negócio sustentados pela inflação quebrassem, mas ao mesmo tempo propiciou o desenvolvimento de mercados novos”, afirma. Segundo Bohn, o mercado imobiliário e o setor de turismo são exemplos de segmentos que cresceram significativamente após 1994.
Indústria foi desafiada com mudança da moeda
Setor industrial enfrentou uma série de desafios com a valorização do Real após a troca da moeda
TÂNIA MEINERZ/JC
A implementação da nova moeda trouxe impactos variados para diversos segmentos da economia brasileira. O setor industrial do País, porém, está entre os mais desafiados com a troca. "O Plano Real envolvia uma ancoragem cambial, de tal forma que a moeda brasileira era supervalorizada na troca com o Dólar. Uma vez que o Real estava sobrevalorizado, o País perdia competição internacional por produtos, sobretudo, industrializados, já que, no mercado externo, o preço se tornava elevado", detalha o doutorando em Economia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Rafael Pahim.
O economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Giovani Baggio, analisa que, inicialmente, isso fez com que a indústria gaúcha, assim como a de outras regiões do Brasil, enfrentassem dificuldades. Baggio acrescenta ainda um fato anterior, que foi a abertura econômica que o Brasil experimentou, especialmente durante a primeira parte da década de 1990, sob a gestão do então presidente Fernando Collor, o que facilitou a entrada de produtos estrangeiros no mercado brasileiro.
“A falta de competitividade da indústria brasileira ficou evidente com a valorização do Real, e a indústria teve que enfrentar a concorrência de produtos importados mais baratos. Essa situação levou a uma nova onda de importações intensa durante os anos 2000”, acrescenta o economista da Fiergs.
Para lidar com esse cenário, a indústria no Rio Grande do Sul, assim como em outras partes do Brasil, buscou alternativas para reduzir os custos de produção. Baggio cita que uma das principais estratégias foi a substituição de insumos e matérias-primas nacionais por similares importados mais baratos.
O economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Giovani Baggio, analisa que, inicialmente, isso fez com que a indústria gaúcha, assim como a de outras regiões do Brasil, enfrentassem dificuldades. Baggio acrescenta ainda um fato anterior, que foi a abertura econômica que o Brasil experimentou, especialmente durante a primeira parte da década de 1990, sob a gestão do então presidente Fernando Collor, o que facilitou a entrada de produtos estrangeiros no mercado brasileiro.
“A falta de competitividade da indústria brasileira ficou evidente com a valorização do Real, e a indústria teve que enfrentar a concorrência de produtos importados mais baratos. Essa situação levou a uma nova onda de importações intensa durante os anos 2000”, acrescenta o economista da Fiergs.
Para lidar com esse cenário, a indústria no Rio Grande do Sul, assim como em outras partes do Brasil, buscou alternativas para reduzir os custos de produção. Baggio cita que uma das principais estratégias foi a substituição de insumos e matérias-primas nacionais por similares importados mais baratos.
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As tentativas de adaptações, porém, não foram suficientes para sanar as dificuldades do setor, que, conforme o economista, seguiu patinando em meio a um descompasso entre aumento de custos e ganhos de produtividade. “Além disso, a participação da produção voltada para a exportação em relação à produção total caiu na maioria dos setores, indicando que a indústria brasileira não conseguiu se integrar efetivamente nas cadeias produtivas globais”, analisa. Para reverter esse quadro, Baggio sugere ser crucial adotar um modelo focado no aumento da competitividade e na expansão das relações comerciais com o exterior.
Pelo lado positivo, ele diz que a competição internacional criaram incentivos à modernização e à utilização de novas tecnologias na indústria nacional.
As tentativas de adaptações, porém, não foram suficientes para sanar as dificuldades do setor, que, conforme o economista, seguiu patinando em meio a um descompasso entre aumento de custos e ganhos de produtividade. “Além disso, a participação da produção voltada para a exportação em relação à produção total caiu na maioria dos setores, indicando que a indústria brasileira não conseguiu se integrar efetivamente nas cadeias produtivas globais”, analisa. Para reverter esse quadro, Baggio sugere ser crucial adotar um modelo focado no aumento da competitividade e na expansão das relações comerciais com o exterior.
Pelo lado positivo, ele diz que a competição internacional criaram incentivos à modernização e à utilização de novas tecnologias na indústria nacional.
Mudanças na âncora cambial
Inicialmente prevista para ser temporária, a âncora cambial ficou por quase cinco anos. Com poucas reservas internacionais e impactado com as crises da Ásia, em 1997, e da Rússia, em 1998, o País liberou o câmbio em janeiro de 1999, criando um sistema em que o dólar flutua livremente a maior parte do tempo, e o governo intervém em momentos de maior volatilidade.
A âncora cambial foi substituída pelo sistema de metas de inflação, em vigor até hoje e alterado para um modelo de meta contínua a partir de 2025. O dólar saiu de cerca de R$ 1,20 no início de 1999 para cerca de R$ 5,50 atualmente.
A âncora cambial foi substituída pelo sistema de metas de inflação, em vigor até hoje e alterado para um modelo de meta contínua a partir de 2025. O dólar saiu de cerca de R$ 1,20 no início de 1999 para cerca de R$ 5,50 atualmente.