Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora

Publicada em 01 de Julho de 2024 às 16:39

Estabilidade do Real trouxe ganhos sociais aos brasileiros

Em 1995 um salário-mínimo comprava 1,01 cesta básica no município de São Paulo; hoje é capaz de adquirir 1,71 cestas básicas

Em 1995 um salário-mínimo comprava 1,01 cesta básica no município de São Paulo; hoje é capaz de adquirir 1,71 cestas básicas

FREDY VIEIRA/arquivo/JC
Compartilhe:
Nícolas Pasinato
Nícolas Pasinato
No início da década de 1990, a inflação mensal chegava em uma faixa superior aos 80%. O efeito disso, na prática, era de que o poder de compra dos salários diminuía quase pela metade após 30 dias. Com essa desvalorização, os brasileiros sofriam com a busca de driblar a constante elevação de preços, na medida em que isso era possível. A reportagem faz parte de uma série do JC sobre as três décadas do Plano Real iniciada na segunda-feira (1º). 
No início da década de 1990, a inflação mensal chegava em uma faixa superior aos 80%. O efeito disso, na prática, era de que o poder de compra dos salários diminuía quase pela metade após 30 dias. Com essa desvalorização, os brasileiros sofriam com a busca de driblar a constante elevação de preços, na medida em que isso era possível. A reportagem faz parte de uma série do JC sobre as três décadas do Plano Real iniciada na segunda-feira (1º). 

O contador Delmar Schaedler, natural de Harmonia, município do Rio Grande do Sul localizado na região do Vale do Caí, possui uma lembrança vívida daquele período. Ele recorda que, nos tempos de hiperinflação antes do Plano Real, os trabalhadores, mesmo recebendo um gatilho salarial - medida prevista em planos anteriores que dava um acréscimo nos vencimentos conforme a inflação do mês anterior - via o seu poder aquisitivo encolhendo a cada 30 dias.

“O carrinho do supermercado ficava cada vez mais vazio. Comprava-se somente o essencial para a alimentação, procurando os produtos mais baratos. Não podia-se pensar em lazer e muito menos em ter um valor na poupança. Não sobrava”, descreve.

Sonho comum entre os brasileiros, o anseio de ter a casa própria também era atingido em cheio pela variação de preços. “No início da década de 90, começamos a construir a nossa casa. Por várias vezes, tivemos que interromper a obra por falta de recursos, mesmo o casal trabalhando e poupando tudo o que podia”, relata Schaedler.

O cenário econômico da época obrigava os brasileiros a terem um cuidado extra com as finanças na comparação com a razoável estabilidade de preços que é vivenciada hoje. As prioridades sobre o que investir ou deixar de consumir eram demandadas de modo ainda mais urgente aos trabalhadores daquele período.

O contador recorda de outro exemplo de como a hiperinflação acabou afetando os seus planos. Ele havia feito um consórcio de carro no qual foi sorteado no terceiro mês. Pouco tempo depois de receber o automóvel, ele precisou vendê-lo, o repassando a um terceiro. Acontece que, na ocasião, Schaedler também estudava e precisou escolher entre continuar os estudos ou manter o carro. “Decidi continuar estudando. É que a prestação do consórcio aumentava muito mais do que o salário. Graças a Deus fiz um ótimo negócio”, afirma.

Após a implantação do Plano Real, o contador afirma que pôde notar várias transformações, como o aumento do poder aquisitivo, a possibilidade de adquirir mais produtos e serviços, bem como o aumento da capacidade de investimento, não só por parte dos trabalhadores, mas também pelas empresas.

As mudanças observadas a partir do controle da hiperinflação é classificada pelo economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Leandro Horie, como “civilizatório” para a sociedade brasileira, já que, segundo ele, os que mais sofriam com esse fenômeno era a camada mais pobre da sociedade, "por não terem formas de se proteger da alta dos preços".

Em três décadas, salário-mínimo cresceu 2.079% no País

Nos 30 anos do Plano Real, o salário-mínimo cresceu 2.079%, já que passou de R$ 64,79 (1994) para R$ 1.412 este ano. A valorização é bastante superior ao acumulado da inflação oficial medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). De julho de 1994, mês da criação da moeda brasileira, a maio deste ano, o índice acumula 708,01%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O economista do Dieese Leandro Horie resgata que a evolução do valor do salário-mínimo em termos reais (descontada a inflação) foi discreta nos primeiros anos do Plano Real, tendo pouca variação. No primeiro ano, em 1994, o valor da cesta básica de Porto Alegre, por exemplo, de R$ 70,80, era inclusive superior à remuneração mínima do trabalhador na época (R$ 64,79). Foi somente a partir de 1995 - com a estabilização da inflação começando a se consolidar no País - que essa relação se inverteu. A relação salário-mínimo e cesta básica ajuda a medir a elevação do poder de compra entre os brasileiros.

Conforme ele, o verdadeiro impulso foi acontecer somente a partir da política de valorização ao salário-mínimo, implementada a partir de 2004 no primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e que prevê o reajuste da remuneração do trabalhador acima da inflação.

“Foi a partir daí que o salário-mínimo foi sendo reajustado e conquistou ganho real de mais de 71%. Isso significa mais poder de compra: enquanto em 1995 um salário-mínimo comprava exatamente 1,01 cesta básica no município de São Paulo, nos dias atuais ela compra 1,71 cestas básicas (1,76 em Porto Alegre), mesmo a despeito do cenário adverso recentes dos preços alimentícios”, compara o economista.

O doutorando em Economia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Rafael Pahim, por sua vez, vê que a estabilidade de preços vista após o Plano Real entregou uma economia menos complexa, em termos de construção de agenda econômica, menos instável financeiramente e com mais facilidade na distribuição de renda.

“Inflação muito elevada dificulta a promoção e manutenção da distribuição de renda, uma vez que o ajuste de preços é mais veloz que o ajuste de salários. Neste caso, mesmo que houvesse agenda de valorização do salário-mínimo no período, uma hipotética economia com hiperinflação geraria perdas reais no salário em uma velocidade muito maior que o governo, e os trabalhadores, conseguiriam responder”, explica.

O cenário, porém, ainda está longe do que seria o ideal, conforme estimativa mensal do Dieese, que tem como base a cesta mais cara do mês no País e leva em consideração a determinação constitucional a qual sustenta que o salário-mínimo deve ser suficiente para suprir as despesas de um trabalhador e de sua família.

Conforme o departamento, em maio deste ano, o salário-mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria ter sido de R$ 6.946,37 ou 4,92 vezes o mínimo de R$ 1.412,00. 

Notícias relacionadas