Um antigo imbróglio entre os setores de energia e de telecomunicações, o compartilhamento dos postes de luz para os fios das empresas que atuam nos dois segmentos, será atenuado com regras mais claras a partir de 2024. Uma regulamentação conjunta da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deve ser aprovada nos próximos meses, conforme informa o Ministério das Comunicações.
Em setembro do ano passado, os ministros das Comunicações e de Minas e Energia, Juscelino Filho e Alexandre Silveira, já haviam assinado a Portaria Interministerial 10.563/2023 que instituiu a Política Nacional de Compartilhamento de Postes - Poste Legal. A iniciativa surgiu a partir da preocupação do governo federal com a crescente demanda por serviços de telecomunicações, o que tem levado à grande ocupação de postes de distribuição de energia elétrica.
As diretrizes do Poste Legal serão refletidas nas novas regras do segmento. A norma determinará a metodologia e as regras para a definição dos valores a serem pagos pelo compartilhamento dos postes, bem como a definição de responsabilidades pela regularização das ocupações, fiscalização e manutenção do uso dessas estruturas.
Para o diretor executivo de Regulação da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Ricardo Brandão, a medida tem pontos positivos, mas ainda é muito tímida no combate à clandestinidade e na punição da empresa de telecom sem contrato. “Que infelizmente ainda é a maioria”, afirma o dirigente.
De acordo com dados da Anatel, divulgados pela Agência Brasil, em 2019 eram aproximadamente 45 milhões de postes espalhados pelo Brasil e, desse total, em torno de 11 milhões apresentavam algum tipo de problema associado à ocupação irregular, situação verificada em 25% dos 5.570 municípios brasileiros. Na época, o custo estimado para equacionar esse problema seria de R$ 20 bilhões.
Segundo Brandão, a distribuidora de energia tem atualmente pouco poder para combater essa clandestinidade. “O que nós queremos com a nova regulação é, por um lado, conseguir conduzir um processo de regularização, mas ao mesmo tempo ter mais poder de atuar no clandestino, podendo inclusive fazer o corte dos fios em mais situações”, diz o integrante da Abradee.
Ele acrescenta que, hoje, as empresas de telecom não são obrigadas a mostrar para a Anatel que têm contrato com uma distribuidora para passar os seus fios e, por esta razão, não há maiores consequências por comportamentos ilegais dessas companhias com fios clandestinos. Brandão adverte que, se não houver uma atuação mais firme da Anatel contra os clandestinos, de nada vai adiantar um processo de regularização, porque na semana seguinte já haverá inúmeros cabos irregulares. Ele frisa que quem atua na ilegalidade sempre irá preferir não pagar valor algum do que ser regular, se não houver punição ou consequência.
A cobrança pelo uso dos postes é prevista em lei e nos contratos de concessão das distribuidoras de energia, com valores específicos para cada concessionária. Pela regulação da Aneel, 60% da receita bruta desse "aluguel" vai para a modicidade tarifária, ou seja, abate da tarifa para reduzir a conta dos consumidores de energia elétrica. O que sobra para as distribuidoras, após os custos, é um valor residual, e para muitas, assinala Brandão, é até negativo.
O diretor da Abradee detalha que cabe às distribuidoras de energia receber o pedido das empresas de telecom para utilizar os postes, analisar os projetos e celebrar os contratos de compartilhamento. A dificuldade, indica ele, é que a maioria são fios clandestinos, lançados no meio da noite, muitas vezes retirando as placas de identificação dos cabos regulares.
Além de não pagar pelo uso, esses clandestinos causam um desequilíbrio na competição no setor de telecom, já que concorrem em condições vantajosas com que paga regularmente o custo. Também criam um problema para a população, com a formação de emaranhados de fios no meio do poste. A reportagem do Jornal do Comércio entrou em contato com as empresas Vivo, TIM e Claro, que informaram que quem se pronunciaria sobre a questão seria a Conexis, entidade que representa as operadoras do setor de telecom. No entanto, até o fechamento da matéria a Conexis não havia retornado os questionamentos encaminhados sobre o tema.
Como funciona atualmente o compartilhamento dos postes:
Como funciona atualmente o compartilhamento dos postes:
A resolução conjunta nº 4, de 16 de dezembro de 2014, define regras para o compartilhamento de postes. O texto foi elaborado pela Aneel e pela Anatel. Cada fornecedor de internet, telefone e TV por assinatura pode instalar, no máximo, um ponto de fixação por poste.
Empresas de telecomunicações solicitam diretamente às distribuidoras de energia o compartilhamento. Algumas companhias elétricas disponibilizam canais diretos para os interessados requererem a ocupação dos postes. Caso a instalação seja concedida, as prestadoras de telecomunicações repassam valores à distribuidora. Cada poste tem um limite de cabos de telefonia a serem instalados. Essa determinação garante segurança às redes, para evitar a sobrecarga das estruturas.
RGE intensificará mutirões para corte de fios inservíveis
A maior distribuidora do Rio Grande do Sul, a RGE, que atende a mais de 3 milhões de clientes em 381 municípios gaúchos, pretende aumentar o número de mutirões feitos em sua área de concessão para retirar dos postes os cabos em desuso ou irregulares. No ano passado, a concessionária de energia realizou 125 ações dessa natureza, que totalizou a remoção de cerca de nove toneladas de cabos de telecom inservíveis que estavam pendurados em postes espalhados por 53 municípios na área atendida pela distribuidora.
O gerente de relacionamento com o poder público da RGE, Cristiano Pires, recorda que as iniciativas envolveram agentes como as empresas de telecom, prefeituras e Ministério Público e foram desenvolvidas em cidades como Santa Maria, Caxias do Sul, Canoas, Cachoeirinha, Gravataí, entre outras. O integrante da distribuidora considera que, muitas vezes, as pessoas por desconhecimento da questão do compartilhamento, atribuem somente às companhias de energia a culpa pelo emaranhado de fios nos postes e pela poluição visual que isso acarreta.
Sobre a autonomia da distribuidora de energia para cortar fios que não lhe pertencem, Pires comenta que isso é possível apenas em situações específicas como, por exemplo, o risco iminente de acidente. “Em outros casos, cabe a nós notificar a empresa proprietária do ativo para que faça a devida adequação técnica no período máximo de 30 dias”, assinala o gerente da RGE.
Pires afirma que a atualização das normas de compartilhamento é algo positivo para os agentes envolvidos com a questão. “Nós estamos na expectativa da homologação do novo regramento que vai direcionar ações mais específicas e abrangentes no sentido de responsabilidades das empresas”, conclui o dirigente.