Após a provável deflação (queda) no acumulado de 2023, os preços dos alimentos consumidos em casa devem subir no Brasil em 2024 sob impacto do fenômeno climático El Niño.
Segundo economistas, a tendência é que a alta não seja tão intensa quanto os aumentos registrados em 2020, 2021 e 2022, mas o avanço pode gerar desconforto para o bolso dos consumidores, principalmente dos mais pobres.
Essa projeção está associada ao fato de que as famílias de menor renda destinam uma fatia maior do orçamento, em termos proporcionais, para a compra de alimentos.
"O cenário do ano que vem tende a ser mais desafiador, porque pintou o El Niño. Ele já vem provocando alterações de clima, e isso é ruim para a agricultura", afirma o economista André Braz, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
"O receio é que o fenômeno possa afetar as safras, atrasando o plantio ou a colheita. O ano que vem não vai refletir o cenário de 2023, e isso vai pesar mais para as famílias de baixa renda. Os alimentos voltam para a cena", completa.
No acumulado de 12 meses até novembro de 2023, a alimentação no domicílio acumulou queda de 1,14%, conforme o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). O resultado fechado do ano será divulgado no dia 11 de janeiro pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Braz projeta que a queda da alimentação no domicílio será de 0,93% nos 12 meses até dezembro de 2023. Para o acumulado do próximo ano, a estimativa dele é de alta de 3,9%.
Conforme o economista, além de afetar a produção de culturas de ciclo mais curto, como hortifrúti, a mudança na distribuição de chuvas causada pelo El Niño pode mexer com as cotações de commodities como soja e milho no mercado internacional.
Os grãos servem como base para a fabricação de rações, o que traz risco de reflexos nos preços das carnes. "Se o mercado entende que haverá atrasos nas safras, começa a alterar suas expectativas", afirma Braz.
Apesar de pressão em dezembro, a alimentação no domicílio acompanhada pelo IPCA-15 fechou 2023 com queda (deflação) de 0,82% no acumulado do ano. É a primeira redução desse subgrupo desde 2017 (-5,18%).
Caso a alimentação no domicílio confirme a queda no acumulado de 2023 também no IPCA, índice oficial de inflação, marcará a primeira deflação em um ano cheio desde 2017. À época, os preços acumularam redução de 4,85%.
Os alimentos subiram nos anos seguintes, com destaques para as variações registradas em 2020 (18,15%), 2021 (8,24%) e 2022 (13,23%).
Nesses três anos, a inflação da comida foi pressionada por uma combinação de fatores que incluiu problemas climáticos e encarecimento de insumos com a pandemia e a Guerra da Ucrânia.
O banco Santander projeta queda de 1,3% para a alimentação no domicílio no acumulado de 2023 e alta de 3,8% neste ano.
"Para o começo de 2024, ainda tem o efeito do El Niño, que, segundo os modelos, deve alcançar o pico em dezembro ou na virada do ano e depois desacelerar. De toda forma, vai continuar impactando a inflação", diz Adriano Valladão, economista do Santander.
Ele destaca que os preços das carnes, que caíram ao longo de 2023, devem subir em 2024 em razão de uma "virada" no chamado ciclo da pecuária. Em outras palavras, a oferta de produtos tende a ficar menor no ano que vem, o que deve jogar alguma pressão na inflação da proteína animal.
Apesar disso, Valladão considera que o cenário ainda é benigno, já que a alta prevista para os alimentos em 2024 é mais moderada do que os aumentos vistos antes de 2023.
Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, projeta inflação de 4,9% para a alimentação no domicílio neste ano.
De acordo com ele, há preocupação com possíveis efeitos do El Niño em safras como as de milho, soja e trigo, além de potenciais prejuízos à produção de hortifrúti.
Na visão de Vale, a inflação dos alimentos se desenha como o principal vetor de alerta para o BC (Banco Central) em 2024. "Vai ter aumento de preços, mas não deve ser tão brutal como no último ciclo de alta", pondera.
O Copom (Comitê de Política Monetária do BC) disse ter elevado um pouco o impacto do El Niño sobre a inflação da comida em suas projeções, conforme ata publicada no dia 19 de dezembro.
De acordo com boletim da OMM (Organização Meteorológica Mundial) divulgado em novembro, há 90% de probabilidade de que o fenômeno climático, associado ao aumento das temperaturas mundiais, persista até abril de 2024.
Em 2023, a ampliação da safra agrícola e a baixa de parte dos custos produtivos ajudaram a frear os preços de alimentos no Brasil. Com essa trégua, a inflação sentida pelas famílias mais pobres cedeu.
No acumulado de 12 meses até novembro, a alta dos preços dos itens consumidos pelos brasileiros com rendimento considerado muito baixo foi de 3,38%, de acordo com indicador divulgado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Trata-se da menor inflação entre as seis faixas de renda analisadas pelo órgão.
Folhapress