Apesar de ser uma obra discutida há muitos anos e de ter voltado à pauta dos governos brasileiro e uruguaio nos dias de hoje, a viabilização da navegação na Lagoa Mirim, entre os dois países, continua patinando para sair do papel. A estimativa era que a obra da dragagem, sob responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), acontecesse ainda neste ano, entretanto, com a proximidade do término de 2023, dificilmente essa expectativa vai se confirmar, gerando receio entre os empreendedores logísticos quanto à materialização da proposta.
Em janeiro, os presidentes do Brasil e do Uruguai, Luiz Inácio Lula da Silva e Luis Lacalle Pou, trataram do tema da também chamada Hidrovia do Mercosul em reunião ocorrida em Montevidéu. Na ocasião, foi informado que o governo brasileiro havia assumido o compromisso de iniciar a dragagem antes do final do ano em pontos como o canal São Gonçalo, que faz a ligação entre as lagoas Mirim e dos Patos, no Rio Grande do Sul. Posteriormente, em maio, durante palestra realizada em Porto Alegre, o diretor do Departamento de Navegação e Hidrovias do Ministério de Portos e Aeroportos, Dino Antunes Dias Batista, disse que a licitação para fazer a obra deveria ser disputada em setembro.
Mais recentemente, a iniciativa na Lagoa Mirim foi incluída no Plano Geral de Outorgas (PGO) Hidroviário, do governo federal. Mesmo com toda essa movimentação política, os trabalhos de fato na hidrovia ainda não começaram. Para o diretor-presidente da Associação de Hidrovias do Rio Grande do Sul (Hidrovias RS), Wilen Manteli, a falta de um levantamento mais aprofundado sobre a viabilidade técnica, econômica e ambiental da navegação na lagoa pode ser um dos fatores que esteja retardando o avanço do Dnit com as obras necessárias para implementar essa conexão.
Ele ressalta que, segundo os uruguaios, há viabilidade e enorme interesse nesse empreendimento e cita como um entusiasta da ideia o embaixador do Uruguai no Brasil, Guillermo Valles. “Mas, existem também os descrentes”, admite Manteli. Para ele, a via fluvial entre as duas nações permitiria o aumento das exportações pelo Porto de Rio Grande, com produtos uruguaios como grãos e arroz, e enviar cargas como fertilizantes para os uruguaios. “Mas, nós estamos em um País que é muito fácil ver o governo dizendo que vai destinar tantos milhões para um empreendimento e acaba ficando só na retórica”, frisa o diretor-presidente da Hidrovias RS.
O presidente da Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura, Paulo Menzel, concorda com Manteli que é preciso fazer um estudo detalhado sobre as potencialidades da Lagoa Mirim. “Não é só dragar, quem garante que a carga vai sair do modal rodoviário e vai para a navegação?”, indaga o dirigente. Ele salienta que ainda há muitos questionamentos quanto à viabilidade da ação.
Menzel considera a navegação na Lagoa Mirim uma medida relevante. No entanto, segundo ele, existem outras prioridades para a logística do Rio Grande do Sul, como a recuperação do sistema ferroviário regional e novas concessões para qualificar rodovias. Esse foco em outros setores, aponta o dirigente, é outra explicação para que a viabilização da via aquaviária não seja mais célere.
Planejamento de obras é precário no Brasil
De acordo com o presidente da Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura, Paulo Menzel, falta um planejamento de longo prazo no País para definir e implementar as iniciativas que precisam ser feitas. Isso, destaca o dirigente, afeta particularmente o Rio Grande do Sul.
“Nós não sabemos para onde vamos no Estado, para onde vamos na questão de logística e infraestrutura, fazemos as coisas por espasmos, quando alguém grita mais é atendido”, critica.
“Nós não sabemos para onde vamos no Estado, para onde vamos na questão de logística e infraestrutura, fazemos as coisas por espasmos, quando alguém grita mais é atendido”, critica.
Outro ponto levantado por Menzel é a dificuldade de confirmar os recursos necessários para essas obras de maior porte dentro do orçamento da União. Procurado pela reportagem do Jornal do Comércio, até o fechamento dessa matéria, o Dnit não deu retorno sobre a perspectiva da dragagem da Lagoa Mirim. Inicialmente, a estimativa era que a obra absorveria um investimento de cerca de R$ 100 milhões.
Situada no extremo sul do Rio Grande do Sul e na parte nordeste do Uruguai, a lagoa possui uma área de superfície de aproximadamente 3,75 mil quilômetros quadrados, sendo 2,75 mil quilômetros quadrados em território brasileiro e 1 mil quilômetros quadrados em terras uruguaias, com largura média de 20 quilômetros e profundidade que varia, em grande parte dela, de cinco a seis metros.