{{channel}}
Geração distribuída volta a ser tema de discussão
Projeto de Lei do deputado Celso Russomanno prevê mudanças nas regras da atividade
Com a lei 14.300, que estipulou um marco legal para a geração distribuída (na qual o consumidor produz sua própria energia, na maioria das vezes por painéis fotovoltaicos) e cujas novas normas passaram a valer no começo deste ano, esperava-se que o debate sobre o assunto estivesse encerrado. No entanto, o tema voltou a movimentar o setor elétrico, especialmente porque o Projeto de Lei 2.703, do deputado Celso Russomanno (Republicanos/SP), que está tramitando no Congresso Nacional, prevê ampliar as vantagens dessa atividade.
O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, é um dos que questiona a ideia de aumentar os benefícios da geração distribuída. Ele argumenta que mesmo atualmente a prática não remunera adequadamente o uso da rede elétrica. “E alguém está pagando o uso dessa rede (consumidores que não têm sistemas fotovoltaicos, mas precisam ratear o custo da infraestrutura de distribuição e transmissão nas suas contas de luz)”, comenta o dirigente.
Essa situação, enfatiza o presidente do Instituto Acende Brasil, fez com que o setor tivesse um crescimento vertiginoso nos últimos anos, especialmente na área de energia solar. “Muito além de todas as projeções iniciais”, complementa Sales. Atualmente, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a atividade representa uma capacidade instalada de cerca de 23,8 mil MW (aproximadamente o dobro da potência instalada no Rio Grande do Sul, considerando todas as fontes de energia elétrica).
Para Sales, vários pleitos do Projeto de Lei 2.703 não fazem mais sentido. Entre os pontos da proposta recriminados pelo dirigente está o adiamento por um ano da redução gradual prevista para os incentivos concedidos à geração distribuída. A lei 14.300 prevê uma taxação para remunerar o uso na rede na ordem de 15% (a partir de 2023); 30% (2024); 45% (2025); 60% (2026); 75% (2027) e 90% a partir de 2028.
Outro equívoco do texto, de acordo com o representante do Instituto Acende Brasil, é a ideia de incluir pequenas centrais hidrelétricas (de até 30 MW) como geração distribuída para contar com os diferenciais desse modelo de investimento. Por fim, ele cita que o Projeto de Lei estabelece ainda um congelamento da forma de tarifação da geração distribuída, que para Sales não condiz mais com a realidade.
Já para o coordenador de geração distribuída da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Guilherme Susteras, a lei 14.300 deveria ter apaziguado o setor elétrico. Porém, ele frisa que resta fazer a regulamentação definitiva, pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e pela Aneel, do que será a regra final de tarifação com base no cálculo dos benefícios propiciados pela geração distribuída. “Eu diria que esse é o capítulo que falta para pacificar de vez esse tema”, afirma Susteras.
O representante da Absolar diz que a regulamentação está atrasada há mais de um ano e não se tem uma projeção de quando essa situação será resolvida. Outro aspecto ressaltado por Susteras é que as distribuidoras começaram a criar subterfúgios para dificultar a instalação dos sistemas fotovoltaicos pelos consumidores. Um desses obstáculos é o chamado fluxo de potência reverso. Ele detalha que as concessionárias podem exigir condições especiais em casos, por exemplo, de um determinado bairro ter mais geração do que consumo.
“E há distribuidoras que têm declarado que isso tem acontecido, mas sem mostrar estudo algum, sem comprovação”, critica. O dirigente também salienta que algumas concessionárias estão lançando suas próprias empresas de geração solar e oferecendo para sua base de clientes seus serviços para evitar a compra de companhias independentes. Susteras cita ainda pesquisa da consultoria Volt Robotics, encomendada pela Absolar, que apresenta as contribuições da geração distribuída solar para a redução dos preços de eletricidade no País.
O trabalho indica que a geração própria de energia solar em telhados, fachadas e pequenos terrenos vai trazer mais de R$ 86,2 bilhões em benefícios sistêmicos no setor elétrico para a sociedade brasileira na próxima década. Com isso, o levantamento afirma que vai baratear a conta de luz de todos os consumidores, inclusive os que não tiverem sistema solar próprio, em 5,6% até 2031. “É importante a honestidade no debate, não é só dizer que tem custos, mas mostrar que a sociedade é melhor com a geração distribuída”, finaliza Susteras.
Visões distintas dividem agentes do setor elétrico
A maior parte da discussão sobre a geração distribuída não é tanto pela questão prática da produção de energia e sim devido às condições regulatórias e financeiras em que ela acontece. Até porque no momento em que uma fonte ocupa seu espaço na matriz elétrica nacional (a geração distribuída corresponde hoje a 12% de participação), outras acabam perdendo espaço.
“É um jogo de narrativas muito forte”, considera o presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), Guilherme Chrispim. No entanto, ele ressalta que a geração distribuída não pode ser a “Geni” do setor elétrico (fazendo referência ao verso ‘joga pedra na Geni’, da música de Chico Buarque).
Apesar das atuais discussões sobre a geração distribuída, o dirigente considera que se trata de um segmento já consolidado dentro do setor elétrico brasileiro. “Já está com quase 24 mil MW”, lembra o presidente da ABGD. Chrispim salienta que o debate quanto à geração distribuída é antigo, mas quem critica apenas olha um lado da questão.
Além dos ganhos proporcionados ao meio ambiente por uma energia renovável, ele cita a criação de empregos pelo setor (mais de 1 milhão de novos postos de trabalho). O representante da ABGD acrescenta que mais de 80% da geração distribuída está próxima da carga de consumo, o que acarreta economia quanto a despesas em linhas de transmissão.
Para Chrispim, onde tem interesses econômicos conflitantes, há discussão. Ele argumenta que as pessoas produzindo sua própria energia traz segurança e independência aos consumidores e isso causa mudanças dentro do setor elétrico, influindo no jogo de forças. O presidente da ABGD defende que o Brasil tenha um plano de desenvolvimento energético amplo. “Porque cada um está puxando para o seu lado e isso é muito ruim para o País e para o consumidor final”, sustenta o dirigente.
Por sua vez, o empresário do setor elétrico Ricardo Pigatto se soma às críticas feitas aos incentivos concedidos à geração distribuída. Em relação à operação do sistema elétrico como um todo, ele considera que o investimento feito em geração distribuída solar em comparação à produção efetivamente entregue, não compensa financeiramente (apenas para quem instala os sistemas). “A conta para o consumidor (que adota o painel solar) se torna mais barata porque se elimina uma série de encargos e tributos, que nada mais são do que subsídios”, comenta.
Para ele, trata-se de uma transferência de recursos injusta. “Eu tenho que pagar uma conta que não é minha”, enfatiza. Pigatto considera que se o incentivo fosse pago pelo Tesouro Nacional e não pelos consumidores cativos (atendidos pelas distribuidoras), que não têm equipamentos fotovoltaicos, seria uma modelagem mais justa. O empresário também manifesta contrariedade quanto ao subsídio previsto dentro da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE - encargo setorial destinado à promoção do desenvolvimento energético) para a geração distribuída. Para esse ano, o orçamento é de R$ 702 milhões.