Argentina, impostos sobre ricos e agropecuária

Aproxima-se a eleição na Argentina. Em agosto, a inflação foi de 12,4%, o que resulta em mais de 300% em termos anuais

Por Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.
O grande problema inflacionário na Argentina é o déficit primário. Ele encontra-se em 5% do PIB (para o leitor ter uma ideia, o déficit primário brasileiro em 2023 será por volta de 1% do PIB). O déficit primário argentino de 5% do PIB divide-se em dois pontos percentuais de subsídios para as famílias, 2 pontos do déficit previdenciário e 1 ponto do déficit das empresas estatais.
A estabilização macroeconômica da Argentina requer um brutal ajuste fiscal prévio. Lembremos que o lançamento do Plano Real, em 1994, foi antecedido pela aprovação no Congresso Nacional de um conjunto de medidas, conhecido por Fundo Social de Emergência, que produziu um forte ajuste fiscal. O superávit primário do governo central elevou-se de 0,8% do PIB, em 1993, para 3,2%, em 1994, um aumento de 2,4 pontos percentuais. Não tenho a menor ideia de como a Argentina fará partindo de um déficit de 5% do PIB.
Diferentemente do Brasil, a sociedade argentina tem dado mostras de ser intolerante aos custos envolvidos na estabilização macroeconômica. Tem sido assim desde o início dos anos 2000. Após toda a desorganização e a queda de 15% no PIB na saída do câmbio fixo no início de 2002, havia superávit primário. Foi uma decisão dos governos peronistas de Néstor e Cristina Kirchner desarrumar a política fiscal e construir uma posição fiscal deficitária. E sempre se dobrou a aposta nessa escolha. O governo de Macri reconstruiu o endividamento externo e acreditou que a elevação do crescimento, em seguida a reformas microeconômicas, geraria a melhora fiscal que a política não conseguia. Fernández nada conseguiu fazer para melhorar a política fiscal.
Tudo sugere, portanto, que, independentemente de quem ganhe a eleição presidencial, a situação econômica da Argentina terá de piorar antes que melhore, e a inflação ainda elevar-se-á muito antes que eles consigam estabilizar a economia.
Nesta Folha, no dia 12, meu colega Arminio Fraga abordou os projetos de lei de tributação dos fundos de investimento fechados no Brasil e no exterior. Trata-se de um caso de isonomia tributária com os fundos abertos. Parece não haver dúvida da correção da medida.
Títulos de dívidas e ações de empresas geram dois tipos de ganho. Primeiro, a renda gerada pelo ativo: juros pagos, se for um título de dívida; e dividendo distribuídos, se for uma ação de uma empresa. Segundo, o título, por ser ao portador, pode ser revendido. As oscilações de mercado alteram o valor do título no mercado de revenda.
A tributação sobre os fundos abertos conhecido por come-cotas tributa esse ganho mesmo quando não realizado. O ideal é que a tributação incida somente sobre as rendas geradas pelo ativo e que a tributação sobre o ganho de capital incida somente quando este for realizado (dividendos são isentos, pois pagaram imposto na fonte quando da apuração do lucro real).
Meu colega André Roncaglia, na sexta (16), neste espaço, mostrou, em coluna que complementava uma anterior, que o setor agropecuário é beneficiário de inúmeros subsídios que não se estendem aos demais setores.
Não há, de fato, nenhum motivo econômico que justifique o tratamento preferencial da agropecuária. Certamente o ótimo desempenho do setor não decorre dos subsídios e do tratamento diferencial, mas sim do grande avanço tecnológico e do fato de o setor ser integrado às cadeias globais de valor. Seria muito importante que esse desequilíbrio no tratamento tributário da agropecuária fosse reduzido.
Infelizmente, a Câmara, ao colocar toda a cadeia da agropecuária na alíquota reduzida do novo imposto sobre valor adicionado, perde uma oportunidade de corrigir esse problema.