Transição energética faz empreendedores carboníferos buscarem novas soluções para o mineral

Captura de CO2 e produção de fertilizantes são opções avaliadas

Por Jefferson Klein

Rio Grande do Sul possui cerca de 90% das reservas nacionais de carvão
Em um momento que o mundo caminha para a descarbonização, o setor do carvão procura novas tecnologias para poder alongar a utilização do mineral, mas com menor impacto ambiental. Entre as ações analisadas estão a captura de CO2, para evitar que esse gás chegue à atmosfera após a queima do carvão, e a diversificação dos aproveitamentos do insumo como, por exemplo, na produção de fertilizantes.
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Dentro dessa perspectiva, uma missão do segmento carbonífero brasileiro foi à China, no começo de agosto, para conhecer a tecnologia da empresa JNG quanto à dessulfurização do carvão com amônia. O diretor-executivo da GCO Soluções Empresariais e representante da chinesa JNG no Brasil, Giuliano Capeletti, detalha que para retirar o enxofre do mineral, durante a sua queima, se acrescenta amônia no processo, resultando do procedimento um subproduto, no caso o fertilizante sulfato de amônia, que é utilizado no setor agrícola. “E hoje nós (Brasil) importamos esse produto”, ressalta Capeletti.
A operação pode ser realizada paralelamente à geração de termeletricidade. Capeletti comenta que, além dessa tecnologia, a JNG possui um método de captura de carbono também por aplicação de amônia. Essa ação permite reduzir o impacto ambiental da geração termelétrica e gera como subproduto o bicarbonato de amônia, outro fertilizante. “Consegue-se capturar, de maneira economicamente viável, até 80% de CO2 de uma usina a carvão, ficando uma energia mais limpa que o gás (natural)”, enfatiza o diretor-executivo da GCO Soluções Empresariais.
Entre os integrantes da cadeia carbonífera que formaram a missão à Ásia estava uma representação da empresa Diamante Geração de Energia, que administra o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, em Santa Catarina. De acordo com Capeletti, a companhia contratou um estudo de viabilidade econômica para averiguar a possibilidade de empregar a tecnologia chinesa em seu empreendimento.
Futuramente, ele adianta que a ideia é dialogar com a Fiergs e tentar montar uma comitiva de empreendedores gaúchos e representantes do governo do Estado para conhecer essa tecnologia chinesa. Ele lembra que o Rio Grande do Sul tem especial interesse sobre o assunto, pois possui em torno de 90% das reservas nacionais de carvão.
O gerente de Sustentabilidade Corporativa na Copelmi Mineração, Cristiano Weber, reforça que o mineral tem espaço dentro da transição energética. Conforme ele, as fontes fósseis são necessárias ainda hoje por causa da segurança energética e do volume de geração que podem ofertar, sendo consideradas como “firmes” – com estoques previsíveis e que podem ser acessadas a qualquer momento. O integrante da Copelmi acrescenta que as fontes renováveis ainda enfrentam muita intermitência quanto ao fornecimento (ou seja, variam com as condições climáticas, se faz sol, venta ou chove). “É um processo de transição no qual a gente precisa ter um olhar de matriz (energética)”, defende.
Weber diz que o Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC), um grupo de pesquisadores que estuda as mudanças climáticas globais, afirma que cerca de um terço do abatimento do CO2 que está sendo emitido na atmosfera vai ocorrer via tecnologias de captura, sequestro geológico ou uso do gás carbônico. “Ou seja, são tecnologias aplicadas nos combustíveis fósseis”, aponta.
Ele salienta que a própria Copelmi está avaliando o uso do carvão de formas menos impactantes.
A empresa gaúcha fechou a contratação de uma consultoria para elaborar um plano de transição energética e observar oportunidades para reduzir emissões. Os trabalhos nesse sentido devem começar em setembro. Outra estratégia da companhia é buscar mais linhas de negócios, na área de mineração, e uma dessas opções é no segmento de fertilizantes. “O setor do carvão não está desconsiderando a transição, fechando os olhos e dizendo que o que interessa é queimar o mineral indiscriminadamente. Nós estamos buscando meios de fazer a mitigação”, conclui Weber.

Impacto na saúde é outro obstáculo a ser superado dentro do setor

Os reflexos que a mineração pode causar na saúde de quem está próximo a essa atividade é um dos fatores de críticas ao aproveitamento do carvão. A mestra em medicina e doutoranda em pneumologia da escola de medicina da Pucrs, Liana Corrêa, atesta que a extração e a queima do mineral podem acarretar problemas de saúde.
Entre os eventuais impactos, Liana cita a bronquite e o enfisema como possíveis consequências da atividade mineradora, pela inalação de partículas, e até mesmo casos mais graves, como a fibrose pulmonar. A professora acrescenta que o carvão tem uma quantidade de sílica que também pode causar alterações pulmonares.
Ela detalha que as pessoas expostas podem sofrer somente uma leve falta de ar ou uma tosse ou serem assintomáticas por muito tempo. Liana também comenta que os impactos não são totalmente reversíveis. “Não tem com o pulmão normalizar, o que a gente perde não recupera se afastando do agente causal”, alerta. Ela informa que a doença tende a estabilizar, mas pode progredir mesmo que a pessoa deixe de atuar na atividade carbonífera.
De acordo com a professora, quanto maior a carga de poluição, maiores são os riscos. Ou seja, quem trabalha diretamente com o carvão estará mais exposto e muitas vezes acaba com os resíduos em suas roupas, levando também para casa e seus familiares parte desse impacto. Liana adverte ainda que o uso de equipamentos durante a atividade de mineração como, por exemplo, máscaras, oferece apenas uma proteção parcial.
Sobre os sintomas que um mineiro precisa ficar atento, a médica reitera que são a tosse e a falta de ar. Ela ressalta que, geralmente, são necessários mais de dez anos trabalhando com o carvão para que se comece a perceber os reflexos, entretanto essa questão depende da carga de exposição do trabalhador.
Liana destaca que alguns mineiros têm a consciência que a sua profissão pode causar alguma consequência futura a sua saúde, mas outros não têm esse conhecimento. “Quando a gente fala que foi dessa exposição ocupacional eles ficam até surpresos, porque às vezes eles já pararam há 20 anos de trabalhar nessa área e não sabiam que aquilo poderia fazer mal. As pessoas têm uma noção que a queima sim faria mal, porém não pensam que a extração ou o transporte poderia causar risco também”, finaliza.