O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) se reúne nesta manhã, em Brasília, para definir se eleva o percentual do biodiesel adicionado ao óleo diesel. Desde 2021, a mistura está em 10%, conforme resolução do CNPE. O Rio Grande do Sul é o maior produtor de biodiesel no Brasil, e parlamentares gaúchos pleiteiam a elevação do percentual, que pode beneficiar diversos setores. Por outro lado, entidades se mobilizam contrárias ao aumento.
Um dos defensores do aumento da mistura é o deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), que assume na próxima semana a presidência da Frente Parlamentar Mista de Biodiesel (FPBio). Ele defende a elevação do biodiesel no óleo de forma escalonada, subindo para 12% no fim de março e chegando a 15% no mesmo mês em 2024. "Essa proposta foi feita pelo setor porque a transferência de 10% para 15%, caso não haja reunião no final de março, geraria um aumento de mistura de 50% abruptamente e isto mexe com toda a estrutura de logística, produção e contratação. Para o governo é muito mais fácil para assimilar essa questão na composição dos preços na cadeia do abastecimento do combustível", explica.
Moreira destaca a importância da medida do ponto de vista social, ambiental e econômico, que vai beneficiar não somente as grandes plantas de biodiesel no Estado, como a da BSBios, que é a maior, mas também as pequenas propriedades. Conforme o deputado, no caso do Rio Grande do Sul, onde as cadeias produtivas de suinocultura, avicultura e leite são muito fortes, a ração animal é de fundamental importância. "Cada vez que nós vendemos a soja em grão, perdemos a possibilidade de agregação de valor e transformação. O aumento da mistura aumenta o volume de oferta de farelo e fica muito mais fácil para produzir nas outras cadeias", defende.
Para ele, as críticas à proposta de elevação da mistura do biodiesel não se sustentam. "Os estudos técnicos sobre o funcionamento do motor e outras coisas, nada se justifica. A única coisa que fica é que aumenta um ou dois centavos na bomba. Isso é possível, mas, em compensação, reduz na outra ponta pela quantidade de mão de obra ocupada para poder fazer transformar em proteína e pelo volume e o preço do produto no Brasil, então as vantagens são gigantescas da política do biodiesel", afirma.
Moreira se reuniu nesta terça-feira com os ministros do Transportes Renan Filho e Simone Tebet, do Planejamento, para debater o tema. Os dois ministros devem participar da reunião desta sexta, que pode ter ainda a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O coordenador da Frente Parlamentar em Defesa dos Biocombustíveis da Assembleia Legislativa, deputado Elton Weber (PSB), também acredita que a reunião do CNPE deve retomar a proposta do setor de biodiesel de percentual de 12%, aumentando de forma gradativa. Segundo ele, a adição maior do biodiesel beneficia a produção primária e colabora com a diminuição dos gases de efeito estufa. Para o parlamentar, o aumento de 2% a 3% na mistura não acarretará repasse nos preços dos combustíveis. "Retomando a adição de biodiesel no diesel, com certeza ajudará a gerar emprego e renda para todos", salienta.
Presidente do Conselho de Administração da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), o ex-ministro gaúcho Francisco Turra destacou, por meio de nota publicada no site da entidade, que "não se trata exclusivamente de decidir tecnicamente sobre uma questão de política energética". Para ele, o encontro pode se configurar "em um marco do avanço ou do atraso em relação ao processo de transição energética que o País deseja em direção a um futuro sustentável."
O documento, intitulado "Decisão no CNPE deve olhar para o futuro sustentável", reforça que o Brasil tem vocação para produzir biocombustíveis, "o que nos levou a uma posição de liderança global em função de um direcionamento estratégico do Estado brasileiro", e aponta a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) como exemplo para muitos países.
O dirigente elenca que atualmente há 59 usinas de biodisel em operação e 19 mil pessoas envolvidas diretamente na produção, além de 360 mil empregos gerados nas cadeias do setor e cerca de 70 mil famílias de agricultores familiares integradas à produção. "O Brasil produziu cerca de 6,3 bilhões de litros em 2022, com uma mistura estagnada em 10%, mas tem uma capacidade instalada autorizada para uma produção superior a 13 bilhões de litros por ano", enfatiza.
Turra finaliza dizendo que "as experiências em outros países contribuem para evidenciar que a ampliação do uso de biodiesel no Brasil, até B15 (15%), não está desassociada do que acontece em outros países do mundo. Ela está alinhada com a política global de substituição de combustíveis fósseis". Nesse sentido, crê que a decisão do CNPE "nos colocará na mesma trajetória de países que já avançaram de forma consistente na área de transição energética para cumprir acordos internacionais de descarbonização."
Aumento do volume pode impactar no transporte público do Brasil, diz NTU
A Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) também se posiciona contra o aumento da mistura do biodiesel no diesel. Segundo a entidade, a medida poderá ter um reflexo imediato no reajuste das tarifas de ônibus. A mudança pode causar também uma perda do desempenho dos veículos do transporte de passageiros e de cargas, além de ter efeitos prejudiciais para o meio ambiente, "Apoiamos a descarbonização do setor e somos favoráveis à adoção de alternativas que reduzam as emissões, como os biocombustíveis", esclarece o presidente executivo da NTU, Francisco Christovam. "Mas o tipo de biodiesel produzido hoje no Brasil, de base éster, gera problemas misturado ao diesel regular em quantidades mais elevadas, como a formação de borra no motor, com alto teor poluidor. E há o problema do custo mais elevado, que vai pressionar a tarifa do transporte".
De acordo com a NTU, o diesel comercializado no Brasil já tem volume acima dos praticados em outros países: na Europa, por exemplo, o percentual de mistura autorizado é de 7%, enquanto no Japão, Estados Unidos e Argentina, o teor é de 5%; e no Canadá, de 1% a 5%.
Entidades se manifestam contra a elevação da medida
Um manifesto assinado por nove entidades ligadas ao setor de transportes também critica a elevação do percentual de biodiesel no diesel. Segundo o texto, "o que era inicialmente uma proposta de economia solidária e de incentivo ao uso de energia limpa se transformou em um negócio rentável apenas para os grandes produtores".
Outros pontos citados no pronunciamento das entidades dizem respeito aos impactos na indústria automotiva, com a perda de eficiência nos motores dos veículos, e problemas ao abastecer com biodiesel.
O texto é assinado pela Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC & Logística), Confederação Nacional do Transporte (CNT), Federação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Gás Natural e Bicombustíveis (Brasilcom), Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sindicato Nacional dos Transportadores Revendedores Retalhistas (SindTRR), Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustiveis) e Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave).
A nota destaca que "utilizando-se da urgência na atenção ao meio ambiente e à adoção de práticas sustentáveis - preocupação real de toda a sociedade -, esses agentes econômicos buscam acobertar seus reais interesses: garantir uma reserva de mercado contra a concorrência de biocombustíveis mais modernos."
Também pontua que o uso do biodiesel e a sua atual forma de produção no Brasil precisam ser revisitados.
"Isso implica a promoção de estudos para identificar os impactos em toda a cadeia produtiva do Brasil, dos motores dos ônibus e caminhões, passando pelo distribuidor e pelo revendedor do diesel, até o transportador."
As entidades reforçam ainda a importância de serem ouvidos todos os setores, já que a decisão "afetará toda a sociedade." Leia a íntegra do texto no site do Jornal do Comércio.