Luciane Medeiros, com agências
O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) se reúne nesta sexta-feira (17) em Brasília para definir se eleva o percentual do biodiesel adicionado no óleo diesel. Desde 2021, a mistura está em 10%, conforme resolução do CNPE. O Rio Grande do Sul é o maior produtor de biodiesel no Brasil, e parlamentares gaúchos pleiteiam a elevação do percentual, que pode beneficiar diversos setores. Por outro lado, entidades se mobilizam contrárias ao aumento.
Um dos defensores do aumento da mistura é o deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), que assume na próxima semana a presidência da Frente Parlamentar Mista de Biodiesel (FPBio). O deputado espera que na reunião desta sexta seja possível já aprovar a elevação do biodiesel no óleo de forma escalonada, subindo para 12% no fim de março e chegando a 15% no mesmo mês em 2024. “Essa proposta foi feita pelo setor porque a transferência de 10% para 15%, caso não haja reunião no final de março, geraria um aumento de mistura de 50% abruptamente e isto mexe com toda a estrutura de logística, produção e contratação. Para o governo é muito mais fácil para assimilar essa questão na composição dos preços na cadeia do abastecimento do combustível”, explica.
Moreira destaca a importância da medida do ponto de vista social, ambiental e econômico, que vai beneficiar não somente as grandes plantas de biodiesel no Estado, como a da BSBios, que é a maior, mas também as pequenas propriedades. “Começa numa pequena propriedade rural e vai terminar na prateleira de um consumidor. De cada quilo de óleo esmagado, 20% se torna óleo, o resto é farelo”, afirma. Conforme o deputado, no caso do Rio Grande do Sul, onde as cadeias produtivas de suinocultura, avicultura e leite são muito fortes, a ração animal é de fundamental importância. “Cada vez que nós vendemos a soja em grão, perdemos a possibilidade de agregação de valor e transformação. O aumento da mistura aumenta o volume de oferta de farelo e fica muito mais fácil para produzir nas outras cadeias”, defende.
O deputado diz que as críticas à proposta de elevação da mistura do biodiesel não se sustentam. “Os estudos técnicos sobre o funcionamento do motor e outras coisas, nada se justifica. A única coisa que fica é que aumenta um ou dois centavos na bomba. Isso é possível, mas em compensação reduz na outra ponta pela quantidade de mão de obra ocupada para poder fazer transformar em proteína e pelo volume e o preço do produto no Brasil, então as vantagens são gigantescas da política do biodiesel”, afirma.
Moreira se reuniu na terça-feira (14) com os ministros do Transportes Renan Filho e Simone Tebet, do Planejamento, para debater o tema. Os dois ministros devem participar da reunião desta sexta, que pode ter ainda a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Moreira se reuniu na terça-feira (14) com os ministros do Transportes Renan Filho e Simone Tebet, do Planejamento, para debater o tema. Os dois ministros devem participar da reunião desta sexta, que pode ter ainda a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O coordenador da Frente Parlamentar em Defesa dos Biocombustíveis, deputado Elton Weber (PSB), também acredita que a reunião do CNPE retome a proposta do setor de biodiesel de percentual de 12%, aumentando de forma gradativa. Segundo Weber, a adição maior do biodiesel beneficia a produção primária e colabora com a diminuição dos gases de efeito estufa. Ele também considera que o aumento de 2% a 3% na mistura não acarretará um repasse nos preços dos combustíveis.
O deputado do PSB diz que os maiores beneficiados com a elevação serão os agricultores familiares, uma vez que respondem por mais da metade da produção de biodiesel no Rio Grande do Sul, com 57%, e terão maior possibilidade de venda de matéria-prima. “Retomando a adição de biodiesel no diesel, com certeza ajudará a gerar emprego e renda para todos”, salienta.
Outro ponto elencado por Weber é a questão ambiental. Em países como os Estados Unidos, hoje a adição de biodiesel no diesel prevista para 2024 é de 21%. “O Brasil tem esse potencial, nosso Estado, a agricultura e o setor agropecuário, de colaborar”, avalia.
Presidente do Conselho de Administração da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), o ex-ministro gaúcho Francisco Turra destacou, por meio de nota publicada no site da entidade, que "não se trata exclusivamente de decidir tecnicamente sobre uma questão de política energética". Para ele, o encontro pode se configurar "em um marco do avanço ou do atraso em relação ao processo de transição energética que o País deseja em direção a um futuro sustentável."
O documento, intitulado "Decisão no CNPE deve olhar para o futuro sustentável", reforça que o Brasil tem vocação para produzir biocombustíveis, "o que nos levou a uma posição de liderança global em função de um direcionamento estratégico do Estado brasileiro", e aponta a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) como exemplo para muitos países.
O dirigente da Aprobio elenca que atualmente há 59 usinas de biodisel em operação e 19 mil pessoas envolvidas diretamente na produção, além de 360 mil empregos gerados nas cadeias do setor e cerca de 70 mil famílias de agricultores familiares integradas à produção. "O Brasil produziu cerca de 6,3 bilhões de litros em 2022, com uma mistura estagnada em 10%, mas tem uma capacidade instalada autorizada para uma produção superior a 13 bilhões de litros por ano", enfatiza.
Turra finaliza dizendo que "as experiências em outros países contribuem para evidenciar que a ampliação do uso de biodiesel no Brasil, até B15, não está desassociada do que acontece em outros países do mundo. Ela está alinhada com a política global de substituição de combustíveis fósseis". Nesse sentido, crê que a decisão do CNPE "nos colocará na mesma trajetória de países que já avançaram de forma consistente na área de transição energética para cumprir acordos internacionais de descarbonização."
O documento, intitulado "Decisão no CNPE deve olhar para o futuro sustentável", reforça que o Brasil tem vocação para produzir biocombustíveis, "o que nos levou a uma posição de liderança global em função de um direcionamento estratégico do Estado brasileiro", e aponta a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) como exemplo para muitos países.
O dirigente da Aprobio elenca que atualmente há 59 usinas de biodisel em operação e 19 mil pessoas envolvidas diretamente na produção, além de 360 mil empregos gerados nas cadeias do setor e cerca de 70 mil famílias de agricultores familiares integradas à produção. "O Brasil produziu cerca de 6,3 bilhões de litros em 2022, com uma mistura estagnada em 10%, mas tem uma capacidade instalada autorizada para uma produção superior a 13 bilhões de litros por ano", enfatiza.
Turra finaliza dizendo que "as experiências em outros países contribuem para evidenciar que a ampliação do uso de biodiesel no Brasil, até B15, não está desassociada do que acontece em outros países do mundo. Ela está alinhada com a política global de substituição de combustíveis fósseis". Nesse sentido, crê que a decisão do CNPE "nos colocará na mesma trajetória de países que já avançaram de forma consistente na área de transição energética para cumprir acordos internacionais de descarbonização."
Aumento do volume de biodiesel no combustível pode elevar custo do transporte público no País, diz NTU
A Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) se posiciona contra o aumento da mistura do biodiesel no diesel. Segundo a entidade, a medida poderá ter um reflexo imediato no reajuste das tarifas de ônibus coletivo. A mudança pode causar também uma perda do desempenho dos veículos do transporte de passageiros e de cargas, além de ter efeitos prejudiciais para o meio ambiente, ao contrário do senso comum.
“Nós apoiamos a descarbonização do setor e somos favoráveis à adoção de alternativas que reduzam as emissões, como os biocombustíveis”, esclarece o presidente executivo da NTU, Francisco Christovam. “Mas o tipo de biodiesel produzido hoje no Brasil, de base éster, gera muitos problemas, quando misturado ao diesel regular em quantidades mais elevadas, como a formação de borra no motor, com alto teor poluidor, além de danificar os componentes mecânicos. O que parece uma solução, na verdade pode piorar bastante a questão ambiental. E há o problema do custo mais elevado, que vai pressionar a tarifa do transporte”.
De acordo com a NTU, o diesel comercializado no Brasil já tem, atualmente, 10% de biodiesel adicionado ao combustível, volume acima dos níveis praticados em outros países: nos países europeus, por exemplo, o percentual de mistura autorizado é de 7%, enquanto no Japão, Estados Unidos e Argentina, o teor de biodiesel é de 5%; e no Canadá, varia de 1% a 5%.
Entidades se manifestam contra aumento do teor de biodiesel no diesel
Um manifesto assinado por nove entidades ligadas ao setor de transportes critica a elevação do percentual de biodiesel no diesel. Segundo o texto, “o que era inicialmente uma proposta de economia solidária e de incentivo ao uso de energia limpa se transformou em um negócio rentável apenas para os grandes produtores”.
Outros pontos citados no pronunciamento das entidades dizem respeito aos impactos na indústria automotiva, com a perda de eficiência nos motores dos veículos, e problemas ao abastecer com biodiesel.
O texto é assinado pela Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC & Logística), Confederação Nacional do Transporte (CNT), Federação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Gás Natural e Bicombustíveis (Brasilcom), Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sindicato Nacional dos Transportadores Revendedores Retalhistas (SindTRR), Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustiveis) e Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave).
Leia a íntegra da nota conjunta de posicionamento sobre o possível aumento do teor de biodiesel no diesel:
"Nas últimas semanas, buscando pressionar membros do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), a indústria do biodiesel no Brasil tem chamado a atenção dos meios de comunicação com notas agressivas e distorcidas.
Utilizando-se da urgência na atenção ao meio ambiente e à adoção de práticas sustentáveis – preocupação real de toda a sociedade –, esses agentes econômicos buscam acobertar seus reais interesses: garantir uma reserva de mercado contra a concorrência de biocombustíveis mais modernos.
O que era, inicialmente, uma proposta de economia solidária e de incentivo ao uso de energia limpa, além de fonte de renda para a agricultura familiar e para o agricultor de baixa renda – com o plantio de palma e mamona para produção de biodiesel –, transformou-se em um negócio rentável apenas para os grandes produtores.
O biodiesel produzido hoje no Brasil é o de base éster. A característica química desse biodiesel gera problemas como o de criação de borra, com alto teor poluidor. Na prática, esse sedimento danifica peças automotivas, bombas de abastecimento, geradores de hospitais, máquinas agrícolas e motores estacionários. Outro dano ocasionado pela borra é o congelamento e contaminação do insumo. O biodiesel cristaliza em baixas temperaturas em motores quando as situações climáticas envolvem variação de temperatura e umidade.
Com a mesma soja e demais biomassas que se faz o biodiesel de base éster é possível fazer o diesel verde (HVO) – este, sim, sustentável e funcional. Mas as discussões sobre o incentivo à produção e uso de diesel verde não evoluem também por questões econômicas e políticas. Quem produz o biodiesel não quer o HVO. A verdade é que os atuais produtores de biodiesel não querem perder o lucro fácil e rápido do biodiesel de base éster, nem investir na modernização do processo industrial para produzir diesel verde.
Os responsáveis pela produção de biodiesel buscam empurrar essa realidade para debaixo do tapete.
O tema do uso do biodiesel e a sua atual forma de produção no Brasil precisam ser revisitados. Isso implica a promoção de estudos para identificar os impactos em toda a cadeia produtiva do Brasil, dos motores dos ônibus e caminhões, passando pelo distribuidor e pelo revendedor do diesel, até o transportador.
A indústria automotiva tem sofrido consequências com as avaliações de padrão de qualidade: perda da eficiência de motores, aumento do consumo de diesel e, consequentemente, mais poluição.
Donos de postos de combustíveis, além de problemas que enfrentam nas bombas, encaram a ira de motoristas que abastecem com a mistura de biodiesel e voltam para reclamar de pane em seus veículos, como se o combustível estivesse adulterado.
O transportador – que move este país –, por sua vez, tem se deparado com problemas mecânicos relacionados ao descompasso entre o teor do biodiesel e as limitações das tecnologias veiculares e peças automotivas. Além de gastar mais com um combustível que não é ambientalmente sustentável, ainda fica por vezes parado na estrada, perdendo tempo e aumentando seu prejuízo.
Esses prejuízos se dão em virtude do desgaste prematuro de peças veiculares; da descompensação ambiental das emissões de poluentes; e da onerosa participação do biodiesel no preço final do diesel comercializado.
Não há mais tempo para ‘achismos' (qual é a mistura ambientalmente mais viável, afinal?). Nem é momento, diante de tantas dificuldades já enfrentadas, de o país se curvar aos interesses econômicos de um setor que, sob o falso pretexto socioambiental, só quer lucrar mais.
O Brasil deve olhar para a experiência mundial. A mistura para o consumidor final, para os motores funcionarem a contento, garantindo a redução de emissões, é de 7% na Comunidade Europeia; 5% no Japão e Argentina; de 1% a 5% no Canadá; e de 5% nos Estados Unidos, usualmente. E esses países estão na linha de frente das preocupações climáticas. Aqui, já se pratica um percentual de 10%.
Ouvir todos os setores que possam contribuir com o entendimento técnico do que representa a adição do biodiesel ao diesel nas atuais configurações é dever do Governo e do Legislativo brasileiros, porque isso afetará toda a sociedade. É o que todos esperamos."
Utilizando-se da urgência na atenção ao meio ambiente e à adoção de práticas sustentáveis – preocupação real de toda a sociedade –, esses agentes econômicos buscam acobertar seus reais interesses: garantir uma reserva de mercado contra a concorrência de biocombustíveis mais modernos.
O que era, inicialmente, uma proposta de economia solidária e de incentivo ao uso de energia limpa, além de fonte de renda para a agricultura familiar e para o agricultor de baixa renda – com o plantio de palma e mamona para produção de biodiesel –, transformou-se em um negócio rentável apenas para os grandes produtores.
O biodiesel produzido hoje no Brasil é o de base éster. A característica química desse biodiesel gera problemas como o de criação de borra, com alto teor poluidor. Na prática, esse sedimento danifica peças automotivas, bombas de abastecimento, geradores de hospitais, máquinas agrícolas e motores estacionários. Outro dano ocasionado pela borra é o congelamento e contaminação do insumo. O biodiesel cristaliza em baixas temperaturas em motores quando as situações climáticas envolvem variação de temperatura e umidade.
Com a mesma soja e demais biomassas que se faz o biodiesel de base éster é possível fazer o diesel verde (HVO) – este, sim, sustentável e funcional. Mas as discussões sobre o incentivo à produção e uso de diesel verde não evoluem também por questões econômicas e políticas. Quem produz o biodiesel não quer o HVO. A verdade é que os atuais produtores de biodiesel não querem perder o lucro fácil e rápido do biodiesel de base éster, nem investir na modernização do processo industrial para produzir diesel verde.
Os responsáveis pela produção de biodiesel buscam empurrar essa realidade para debaixo do tapete.
O tema do uso do biodiesel e a sua atual forma de produção no Brasil precisam ser revisitados. Isso implica a promoção de estudos para identificar os impactos em toda a cadeia produtiva do Brasil, dos motores dos ônibus e caminhões, passando pelo distribuidor e pelo revendedor do diesel, até o transportador.
A indústria automotiva tem sofrido consequências com as avaliações de padrão de qualidade: perda da eficiência de motores, aumento do consumo de diesel e, consequentemente, mais poluição.
Donos de postos de combustíveis, além de problemas que enfrentam nas bombas, encaram a ira de motoristas que abastecem com a mistura de biodiesel e voltam para reclamar de pane em seus veículos, como se o combustível estivesse adulterado.
O transportador – que move este país –, por sua vez, tem se deparado com problemas mecânicos relacionados ao descompasso entre o teor do biodiesel e as limitações das tecnologias veiculares e peças automotivas. Além de gastar mais com um combustível que não é ambientalmente sustentável, ainda fica por vezes parado na estrada, perdendo tempo e aumentando seu prejuízo.
Esses prejuízos se dão em virtude do desgaste prematuro de peças veiculares; da descompensação ambiental das emissões de poluentes; e da onerosa participação do biodiesel no preço final do diesel comercializado.
Não há mais tempo para ‘achismos' (qual é a mistura ambientalmente mais viável, afinal?). Nem é momento, diante de tantas dificuldades já enfrentadas, de o país se curvar aos interesses econômicos de um setor que, sob o falso pretexto socioambiental, só quer lucrar mais.
O Brasil deve olhar para a experiência mundial. A mistura para o consumidor final, para os motores funcionarem a contento, garantindo a redução de emissões, é de 7% na Comunidade Europeia; 5% no Japão e Argentina; de 1% a 5% no Canadá; e de 5% nos Estados Unidos, usualmente. E esses países estão na linha de frente das preocupações climáticas. Aqui, já se pratica um percentual de 10%.
Ouvir todos os setores que possam contribuir com o entendimento técnico do que representa a adição do biodiesel ao diesel nas atuais configurações é dever do Governo e do Legislativo brasileiros, porque isso afetará toda a sociedade. É o que todos esperamos."