Em sua primeira viagem ao exterior desde que assumiu a Presidência pela terceira vez, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reuniu com seu homólogo argentino, Alberto Fernández, em Buenos Aires, onde reforçou o discurso de retomada de relações na América Latina, algo que prometia desde a campanha eleitoral.
Na mesma toada, Fernández disse que o encontro com o petista, na Casa Rosada, ontem, representa o início de um laço estratégico mais profundo que "durará muitas décadas". As falas foram permeadas por elogios ao brasileiro e críticas a Jair Bolsonaro (PL) e a seu antecessor, Maurício Macri.
"Vi como (Lula) liderou políticas públicas que tiraram milhões de pessoas da pobreza", afirmou Fernández, acrescentando que "não vai deixar que nenhum fascista no Brasil se aposse da soberania popular", referindo-se ao ataque golpista às sedes dos Três Poderes, em Brasília, no último dia 8. "Nossos povos só querem bem-estar e justiça", prosseguiu o líder argentino. "O Brasil teve de atravessar Bolsonaro, e a Argentina teve de atravessar Macri; agora é o momento de entrar numa nova etapa."
Lula afirmou que, ao final de seu mandato, a relação do Brasil com a Argentina será a melhor entre todos os países da América Latina. De acordo com o presidente, a segunda-feira (23) marcou o começo de uma nova história entre os dois países. "Estejam certos que a Argentina será tratada com carinho e respeito que sempre mereceu. Nem o futebol será motivo de nos dividir, porque os interesses econômicos dos nossos torcedores são maiores", declarou o presidente brasileiro.
Para Lula, o Brasil vivia de costas para América do Sul e de frente para Europa, o que precisa ser mudado. "Vamos reconstruir a relação produtiva de dois países que nasceram para crescer", disse o presidente brasileiro.
Segundo Lula, a boa relação entre os dois países nunca deveria ter sido truncada. "Hoje não é dia de falar do acordo do protocolo que meus ministros assinaram aqui e do acordo que presidente [Alberto] Fernández e eu assinamos. Certamente vocês terão acesso a todos os documentos que foram assinados", afirmou Lula. "Hoje estou aqui para dizer ao presidente da Argentina, para dizer aos ministros argentinos e à imprensa argentina e à imprensa brasileira que hoje é a retomada de uma relação que nunca deveria ter sido truncada", acrescentou.
Lula agradeceu Fernández por sua "solidariedade" ao visitá-lo quando estava preso em Curitiba e lembrou as boas relações entre os dois países nos primeiros mandatos petistas, citando nominalmente a ex-presidente do país e atual vice-presidente Cristina Kirchner. De acordo com Lula, os empresários brasileiros já compreenderam a importância da Argentina. "As nossas universidades precisam estar mais próximas, porque uma boa relação não é apenas uma relação comercial, é também relação científica, tecnológica, cultural e sobretudo política", disse o presidente brasileiro.
Ignorando a forte crise econômica que atravessa a Argentina, o presidente afirmou que o país vizinho terminou 2022 em uma situação privilegiada.
Moeda comum entre Brasil e Argentina está em estudo, diz Lula; Haddad contemporiza
O projeto de moeda comum entre Brasil e Argentina está sendo trabalhado pelos dois países. A declaração foi dada pelo presidente Lula após reunião com o presidente argentino, Alberto Fernández. "Acho que com o tempo isso (moeda comum) vai acontecer, e é necessário que aconteça", afirmou Lula. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reiterou que não há qualquer projeto de adotar uma moeda única entre Brasil e Argentina, como chegou a circular nas redes sociais. Trata-se, segundo ele, de estudar uma moeda comum entre os dois países para transações financeiras e comerciais, visando reduzir a dependência do dólar.
O presidente brasileiro diz que o projeto de moeda comum será tratado junto a propostas de comércio exterior e de transações feitas pelas equipes econômicas da Argentina e do Brasil, após "muitos debates e reuniões". "Se dependesse de mim a gente teria comércio exterior sempre nas moedas dos outros países, para que a gente não precise ficar dependendo do dólar. Por que não tentar criar uma moeda comum entre os dois países, com países do Brics?", disse Lula.
Os governos do Brasil e da Argentina assinarão, ainda, um acordo para financiar exportações brasileiras em operações com garantias do país vizinho com liquidez internacional, para tentar reacender o comércio entre os dois países. O acordo prevê a abertura de crédito de bancos brasileiros para importadores argentinos e a criação de um fundo pelo governo brasileiro para garantir o pagamento dos empréstimos. Nessa operação, segundo a fonte, o banco paga diretamente ao exportador brasileiro, com garantia do Tesouro nacional, enquanto o Brasil recebe da Argentina o mesmo valor, depositado em Nova York, de títulos com liquidez internacional.
"Pode ser títulos chineses, pode ser contratos de compra de gás, de trigo. Algo com liquidez internacional que garanta que, no caso de não pagamento pelo importador argentino, o Brasil possa acessar para compensar esse não pagamento", disse a fonte. Toda a operação, segundo a fonte, seria feita em reais. O acordo prevê ainda a garantia de que as empresas brasileiras consigam retirar fundos da Argentina sem dificuldades. Sem divisas, o país tem controlado a saída de recursos de empresas estrangeiras, o que não deve acontecer mais com as brasileiras.
BNDES vai voltar a financiar projetos no exterior
Lula afirmou que Brasil, via BNDES, tem o dever de ajudar os vizinhos
/Fernando Frazão/Agência Brasil/JC
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou durante encontro com empresários brasileiros e argentinos, que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) vai "voltar a financiar as relações comerciais do Brasil e projetos de engenharia no exterior".
Uma das bandeiras do petista, em visita à Argentina nesta semana é o estreitamento de laços comerciais e a integração regional.
Mais cedo, Lula já havia afirmado que o financiamento de obras na América Latina pelo BNDES seria um "motivo de orgulho" para o Brasil, e que o país tem o dever de ajudar seus vizinhos
A atuação do banco de fomento no exterior foi alvo de críticas de opositores em gestões petistas anteriores, e mobilizadas durante a campanha eleitoral por apoiadores de Jair Bolsonaro (PL).
Um exemplo é o Porto de Mariel, em Cuba, cuja modernização foi feita pela Odebrecht com financiamento do BNDES. Outras obras foram financiadas na Venezuela e Moçambique -que chegaram a dar um calote nos pagamentos em 2018.
Ele disse, ainda, que se os empresários brasileiros mostrarem esforço, as condições para a construção de um gasoduto entre Brasil e Argentina poderão ser criadas.
"Eu tenho certeza que os empresários brasileiros têm interesse no gasoduto, nos fertilizantes que a Argentina tem, no conhecimento científico e tecnológico da Argentina. E se há interesse dos empresários e do governo, e nós temos um banco de desenvolvimento para isso, vamos criar as condições para fazer o financiamento que a gente possa fazer para ajudar no gasoduto argentino", disse Lula.