Usinas de carvão do RS são menos eficientes

Levantamento avaliou 72 termelétricas que operam no Brasil; Candiota 3 e Pampa Sul figuram no topo do ranking

Por Jefferson Klein

Risco de fechamento da usina Candiota 3 pode fazer com que trabalhadores busquem desligamento voluntário
 Uma discussão polêmica nos últimos anos dentro do setor elétrico, o uso ou não de térmicas a carvão, voltou a ter destaque. Por um lado, esse combustível fóssil ganhou novo fôlego com as informações que países europeus vão intensificar seu aproveitamento como alternativa ao gás natural proveniente da Rússia e por outro estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) mostra que entre as termelétricas brasileiras menos eficientes (com maiores taxas de emissões de gases de efeito estufa - GEE) estão as usinas a carvão. Duas plantas gaúchas aparecem no topo desse ranking: Candiota 3 e Pampa Sul.
Ambas localizadas em Candiota, as térmicas Candiota 3 e Pampa Sul tiveram os piores resultados dentro de 72 termelétricas avaliadas, registrando eficiências de 27,4% e 26,6%, respectivamente. A térmica Candiota 3 verificou, em 2020, uma taxa de emissão de 1.327 tCO2 por GWh e a Pampa Sul de 1.302 tCO2 por GWh. A constatação é feita pelo "Inventário de Emissões Atmosféricas em Usinas Termelétricas", que abrangeu 36 unidades a gás natural, 17 a óleo combustível, 11 a óleo diesel e oito a carvão.
A eficiência energética de uma térmica indica a parcela da energia liberada pelo combustível que é convertida em eletricidade. Quanto menor a eficiência de uma usina, maior o volume de combustível que ela precisa queimar para gerar a mesma quantidade de eletricidade que uma planta mais eficiente geraria. Ou seja, usinas menos eficientes queimam mais combustível e, consequentemente, emitem mais GEE por GWh produzido.
O fato das unidades a carvão terem maiores taxas de emissão que as estruturas a gás natural, por exemplo, não é necessariamente uma surpresa. No entanto, o diretor-presidente do IEMA, André Luis Ferreira, admite que chamou a atenção o complexo carbonífero catarinense Jorge Lacerda, que opera desde a década de 1960, ser mais eficiente que a Pampa Sul, a usina a carvão mais nova do País (inaugurada em 2019). O sistema situado em Capivari de Baixo, composto por quatro térmicas, teve um indicador máximo de 1.108 tCO2 por GWh.
"Achamos estranho, mas são dados relatados pelas usinas e que estão na base do Ibama. Não é um resultado que se esperaria, porém são os dados públicos que revelam isso", comenta Ferreira. O pesquisador do IEMA, Felipe Barcellos e Silva, complementa que os empreendimentos que são poluidores entregam ao órgão ambiental um relatório sobre as suas atividades, que foi onde o IEMA obteve as informações. "E a gente percebeu que nem sempre é feita uma auditoria mais rígida, a não ser que tenha alguma denúncia. Então pode ser uma explicação que os empreendedores estejam usando 'réguas' diferentes. Nós (IEMA) usamos os dados da fonte oficial, por isso é importante que se tenha mais transparência e um método único", comenta o pesquisador.
Ainda de acordo com o trabalho feito pelo Instituto, a geração termelétrica proveniente das oito usinas movidas a carvão mineral como combustível principal foi de 10,8 TWh, o equivalente a 20% do total da produção de eletricidade fóssil em 2020, de 54,1 TWh. Nesse mesmo sentido, as dez térmicas que mais emitiram, seis delas a carvão, foram responsáveis por quase metade (49%) do CO2e (dióxido de carbono equivalente) contabilizado no Inventário.
Para o diretor-presidente do IEMA, a expansão energética no Brasil a partir de fontes fósseis seria um caminho equivocado. Ele cita as possibilidades de atendimento do crescimento da demanda elétrica através de gerações como a eólica e a solar, entretanto admite que, pelo fato dessas fontes variarem com as condições climáticas, é necessário pensar em aprimoramentos. "A chave aí é o armazenamento, uma energia guardada, para complementar", argumenta. Ferreira sustenta que, para o curto e médio prazo, as hidrelétricas com reservatórios já existentes podem ser aproveitadas nesse sentido. Para um horizonte mais distante, ele adianta que é preciso discutir a utilização de baterias acopladas a usinas centralizadas (como em complexos fotovoltaicos) e o hidrogênio verde.
Atualização:
Posicionamento da CGT Eletrosul (responsável pela usina Candiota 3)
Após a publicação dos apontamentos do estudo do IEMA, em nota, a CGT Eletrosul informou que desconhece o método de cálculo utilizado para as estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) pela plataforma SEEG (que usa metodologia semelhante ao Inventário de Emissões Atmosféricas em Usinas Termelétricas, realizado pelo IEMA). A empresa ressalta, ainda, que a termelétrica Candiota 3 busca continuamente melhorar o desempenho de seu processo industrial alinhado a metas de redução de emissão de gases de efeito estufa.
Adicionalmente, a CGT Eletrosul esclarece que a eficiência da usina, conforme relatório preliminar da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), em 2020, foi de 34,69%, validada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) nos termos da Resolução Normativa 801/2017.
Atualmente, ainda segundo a companhia, a termelétrica Candiota 3 “utiliza prioritariamente carvão beneficiado, com significativos ganhos ambientais e de desempenho. No ano de 2020, as emissões totais da termelétrica foram de 1.278.445 TCO2e. Além disso, a usina é equipada com queimadores de baixo NOx, atendendo o limite de emissão estabelecido em sua licença ambiental”.
Conforme a CGT Eletrosul, no período de janeiro a março de 2019, foi executado um amplo serviço de manutenção e uma abrangente modificação no projeto para melhorar o desempenho da usina Candiota 3. A partir de março de 2020, a empresa iniciou a operação da planta de beneficiamento de carvão mineral a seco, com o objetivo melhorar a qualidade do combustível principal, obtendo ganho de desempenho e eficiência, e com menores emissões de GEEs.
Por fim, a CGT Eletrosul ressalta que a Eletrobras publica anualmente o Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa, com valores correspondentes a cada empresa subsidiária, incluindo informações sobre as térmicas próprias. O inventário segue a metodologia do IPCC (2006) e as diretrizes do Greenhouse Gas Protocol – GHG Protocol (WRI, 2004), sendo ainda auditado pela PricewaterhouseCoopers, empresa independente de auditoria.

ABCM reforça aproveitamento da fonte fóssil como segurança energética

Se o reflexo ambiental é um argumento contrário ao aproveitamento do carvão, um ponto a seu favor é a maior segurança que o mineral possibilita quanto ao fornecimento de energia. Além de ser uma fonte que não oscila com as condições climáticas, para locais que contam com reservas carboníferas ele pode significar menos problemas geopolíticos.
O presidente da Associação Brasileira de Carvão Mineral (ABCM), Fernando Zancan, lembra que a Europa ficou "presa" à Rússia devido ao fornecimento de gás natural e agora com a guerra na Ucrânia muitos países, como França, Alemanha e Holanda, voltaram a aumentar o uso do carvão para diminuir essa dependência. Ele considera um erro a política de desinvestimentos nos combustíveis fósseis, pois, passado o auge da pandemia de Covid-19, cresceu a demanda por energia e, não tendo oferta, elevarm os preços. "Não vamos ter uma resposta para isso tão cedo", alerta Zancan.
O dirigente adianta que, em curto e médio prazo, haverá o incremento da demanda de carvão na Europa. No caso do Brasil, o presidente da ABCM recorda que no ano passado o País sofreu uma crise hídrica, o que dificultou o abastecimento elétrico nacional. Particularmente quanto ao Rio Grande do Sul, ele enfatiza que o Estado é "importador" de energia de outras regiões, contudo tem a maior reserva de carvão mineral do País (cerca de 89% do total). "Por que não usar térmicas baratas locais que sejam a carvão?", indaga.
Dentro de uma política energética nacional, Zancan ressalta que é preciso analisar também os postos de trabalho e as condições econômicas e sociais que uma fonte implica. "Não pode simplesmente olhar o CO2, a gente pode ter uma planta de carvão, com captura de CO2, gerando emprego e renda e sendo limpa", defende o presidente da ABCM.
Por sua vez, o diretor-presidente do IEMA, André Luis Ferreira, afirma que os aspectos ambientais e sociais são essenciais para uma transição energética justa e a questão do emprego em regiões que contam com empreendimentos como termelétricas precisa ser equacionada, mas isso não significa a manutenção de uma determinada fonte de energia. "Do ponto de vista da geração de eletricidade, o Brasil não precisa de novas usinas a carvão ou prolongar o uso delas", sustenta Ferreira.