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Processo de privatização da Refap é retomado em clima de ceticismo quanto ao sucesso do negócio
Petrobras tenta novamente vender empreendimento localizado em Canoas
Apesar da Petrobras ter reaberto o processo de venda da refinaria Alberto Pasqualini (Refap) nesta segunda-feira (27), há várias dúvidas quanto ao possível êxito dessa desestatização. Além da sombra do fracasso das negociações com o Grupo Ultra no passado (as tratativas entre as partes foram encerradas em outubro de 2021), a discussão da privatização tão próxima à eleição para presidente da República traz mais incertezas sobre o assunto.
Se o tema se estender, além de outubro, quando ocorrerá o pleito, há perspectivas bem distintas para o seguimento da alienação. Levando em consideração os perfis dos dois candidatos que lideram as pesquisas hoje, o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a perspectiva é que o primeiro, se ganhar, leve adiante a venda da refinaria de petróleo de Canoas e de outros complexos similares da Petrobras, já o segundo candidato sendo vitorioso deve interromper essas iniciativas.
A desestatização também encontra defensores e críticos entre os agentes do setor. O presidente da Associação RS Óleo Gás & Energia, Estevão Leuck, é favorável à privatização e justifica que o acesso de fornecedores do Estado à refinaria gaúcha, no modelo estatal, não é algo muito receptivo. Ele tem a esperança que, em uma eventual alienação, esse cenário mude.
Porém, apesar de ser um entusiasta da venda da Refap, o empresário prevê que a ação não seguirá adiante. “Parece que tem alguma dificuldade ali que não se resolve e é um sindicato forte (o dos petroleiros), é a minha percepção”, comenta Leuck. De acordo com o integrante da Associação RS Óleo Gás & Energia, o Grupo Ultra teria as melhores possibilidades de fechar o negócio e mesmo assim isso acabou não ocorrendo. Essa situação, diz Leuck, aumentou o ceticismo quanto à privatização da refinaria.
Questionada pela reportagem do Jornal do Comércio se há uma data prevista para ser concluída a desestatização da Refap, a assessoria de imprensa da Petrobras respondeu que não haveria como estimar um prazo. “Esse foi o relançamento do processo de venda da refinaria e as principais etapas subsequentes serão informadas oportunamente ao mercado”, reforçou em nota. No entanto, a presidente do Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande Sul (Sindipetro-RS), Miriam Cabreira, teve acesso a um documento que indicava a previsão de assinatura de contrato para o segundo semestre de 2023.
Até o momento, a estatal apresentou oficialmente poucas datas relativas à iniciativa, mas em julho já começará a ocorrer algumas definições. Conforme divulgação ao mercado feita pela Petrobras, o investidor que quiser participar da disputa pela Refap tem até 15 de julho para registrar oficialmente o seu interesse. Até 29 de julho, o eventual comprador terá que assinar o acordo de confidencialidade e a declaração de conformidade para participar do processo.
A presidente do Sindipetro-RS enfatiza que o prazo dado para a apresentação das empresas é exíguo. “Isso abre dúvidas sobre a lisura desse processo, porque não é assim para vender uma refinaria”, critica Miriam. Ela não descarta a hipótese que possa ser uma estratégia para acelerar as ações, tentando evitar uma reversão da desestatização, caso o atual governo não consiga a reeleição.
Para a dirigente, a alienação de refinarias significa apenas a troca de um monopólio regional estatal por um privado. Uma privatização da Refap, conforme a presidente do Sindipetro-RS, impactaria o preço dos combustíveis no Rio Grande do Sul, afetaria a arrecadação de impostos e de royalties, além de piorar as condições de trabalho dos petroleiros e terceirizados.
Preço do diesel baiano é o mais caro do Nordeste após privatização da Rlam
Quando se menciona a privatização de refinarias, sempre são levantadas questões quanto aos reflexos nos preços dos combustíveis. Uma experiência citada pelo diretor da consultoria ES-Petro, Edson Silva, é a da refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, vendida pela Petrobras para a empresa Acelen, do grupo árabe Mubadala Capital, ao final de 2021. Ele destaca que atualmente, depois da desestatização, o litro do diesel baiano está sendo vendido a R$ 8,072, o mais caro entre os nove estados nordestinos.
Em junho do ano passado, o diesel na Bahia, quando a Rlam ainda estava sob o comando estatal, era o terceiro mais barato do Nordeste, custando R$ 4,539 o litro, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). “Se a Refap vier a ser privatizada, estaríamos diante de dois possíveis prejuízos: a probabilidade da empresa ser vendida a um preço subestimado e a perspectiva da elevação dos custos (dos combustíveis) com a instituição de um monopólio (regional) privado”, comenta Silva.
Mas, o diretor da consultoria ES-Petro manifesta dúvidas se a Petrobras realmente conseguirá alienar a Refap dessa vez. “Tendo a crer que, a exemplo da primeira tentativa, não vai prosperar”, projeta. Ele frisa que o momento é inadequado para fazer a venda da refinaria, devido aos receios que devem preocupar os investidores atualmente. “Estamos em um ano de eleição para o comando do País, como fazer um investimento vultoso em um ambiente de incerteza, que já existe hoje e é reforçado pela disputa política?”, indaga Silva.
O consultor acrescenta que o cenário atual já é adverso à atração de eventuais interessados, por conta das sucessivas intervenções do atual governo federal na Petrobras, que busca condicionar a definição de preços dos combustíveis praticados pela empresa. O diretor da ES-Petro considera que o assunto da desestatização não é irreversível, mesmo que a venda da refinaria esteja amparada no Decreto 9.188/2017 e na Sistemática de Desinvestimentos da Petrobras, na Resolução nº 9/2019 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e em compromisso firmado pela Petrobras com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em junho de 2019 para a abertura do setor de refino no Brasil. Silva salienta que a resolução do CNPE tem como diretriz a livre concorrência na atividade de refino.
Porém, o consultor argumenta que livre concorrência em uma economia de mercado somente faz sentido se ela levar ganhos para o investidor e para o consumidor. Dentro do cenário de incertezas ele não sugeriria, como consultor, a compra da Refap. “Olhando pelo lado do investidor, se eu fosse contratado para fazer uma avaliação, eu desaconselharia a fazer o investimento, por mais que o ativo possa ser adquirido por um preço subavaliado”, conclui.