Como nos tempos do Cine Orpheu, depois Cine Astor, já está em cartaz a nova atração no endereço da avenida Benjamin Constant, 1.891, na Zona Norte de Porto Alegre. O hotel que se ergue por trás da fachada de quase um século está quase pronto e deve estrear até agosto.
Da bandeira portuguesa Moov, criada especialmente para o mercado brasileiro, o empreendimento, segundo da marca no Brasil - o primeiro já opera em Curitiba -, vai muito além dos 156 quartos distribuídos em 10 andares. O Moov porto-alegrense vai da releitura da arquitetura do passado - a fachada em estilo eclético é de 1923 -, ao selo verde, ao seguir requisitos para se habilitar à certificação Leadership in Energy and Environmental Design (Leed).
Os primeiros resultados da fachada restaurada aparecem com mais detalhes desde essa quarta-feira (23), quando a tela de proteção e parte dos andaimes foram retirados. Só esta exposição ainda incompleta já desperta curiosidade e um clima de "déjà-vu" (já vi antes).
"As pessoas passam aqui e falam: 'Que lindo que tá ficando. Tá ficando bem parecido como era. Olha os vidrinhos coloridos'", conta o arquiteto responsável pelo projeto de restauro, Lucas Volpato, da Studio 1 Arquitetura. Os "vidrinhos coloridos" fazem parte das bandeiras do Brasil que compõem o visual na transição do térreo para o segundo nível da fachada.
Detalhes como os vidros coloridos que formam a bandeira do Brasil voltaram a aparecer na fachada. Fotos Mariana Alves/JC
O cinema, primeiro como Orpheu, quando musicais dividiam as sessões com filmes, foi erguido em 1923, projetado pelo polonês Eduardo Pufal. Em 1963, o local virou Cine Astor, que fechou em 1993.
O diretor-geral da Endutex Hotéis, proprietária dos empreendimentos, Daniel Brites, informa que as obras estão nos acabamentos, instalações de últimos equipamentos e mobiliário. A expectativa é abrir até o fim de agosto, após obter últimas licenças e Habite-se da prefeitura. Serão abertos 20 empregos, com funções de camareiras, recepcionistas, cozinheiros, atendentes e área comercial.
"Os interessados devem ficar ligados nas redes sociais do Moov onde vamos informar", recomenda Brites. O número baixo de vagas se deve ao modelo de operação, que o diretor geral diz que é mais "enxuto". Na largada, o Moov se ajusta ao ritmo do mercado, ainda com demanda baixa.
Brites avalia que uma retomada mais firme deve ocorrer a partir de setembro. Parte da "confiança" do executivo, vem da aposta que a vacinação acelerada deve impulsionar o fluxo de negócios, da onde vem a clientela principal.
"Nossa expectativa era ter terminado em dezembro de 2020, estamos, portanto, com seis meses a oito meses de atraso", observa Brites, indicando que paradas devido a restrições da pandemia, menor número de trabalhadores na construção também devido a protocolos sanitários e ainda falta de materiais explicam a demora.
O investimento até a conclusão do complexo chegará a R$ 36 milhões. O restauro, incluindo serviços e ações que apoiam a intervenção, significa entre R$ 1,5 milhão e R$ 2 milhões da conta. Brites também revela que há mais projetos de hotéis na mira do Endutex, mas fora do mercado gaúcho, mas ele ainda não pode dar mais detalhes.
O Moov de Porto Alegre segue o padrão de preço de diária da bandeira vermelha, de classe econômica, na faixa de R$ 200,00.
Da fachada ao quarto: requisitos para selo verde
O Jornal do Comércio teve acesso ao canteiro de obras do Moov para conferir os arremates finais, os trabalhos que harmonizam a arquitetura do passado com a nova roupagem e requisitos que atendem à certificação Leadership in Energy and Environmental Design (Leed), buscada pelo empreendimento.
A bandeira portuguesa busca o Leed no nível platina, que é a mais elevada. A unidade de Curitiba já tem esta condição, ao atingir 82 na pontuação da Leed, que vai a 100. Em Porto Alegre, a meta é ir a 84 e 85 pontos. Os outros níveis são o básico (a partir de 40 pontos), prata e ouro. A construtora Andora executa a obra, e a Petinelli, que é especializada na cerificação, gerencia a implementação.
"Não era o plano inicial ter a Leed, mas acabou acontecendo", comenta Brites, que acredita que os atributos sustentáveis podem ser um diferencial na hora de as pessoas escolherem o hotel que vão ficar na Capital gaúcha. "Há uma parcela que cresce e está atenta a esses detalhes. Queremos nos posicionar na vanguarda", projeta o diretor-geral.
A chamada fachada ventilada gera um dos maiores impactos na eficiência energértica do hotel e que pesará na obtenção da certiticação Leed
Os requisitos para atender ao selo incluem reuso da água da chuva (para vasos sanitários, irigar jardins e lavagem), torneiras, chuverio e descarga com controle de vazão de água, materiais de mobiliário com certificação de origem legal, vidros duplos que reduzem a transferência de calor e barulho, painel solar para aquecimento de água e um dos mais impactantes, que é a chamada fachada ventilada.
O sistema é formado pela placa de porcelato externo, um espaço para circular ar de cinco centímetros, camada de lã de vidro para isolamento e a parede.
"A redução de consumo de energia é de 40% comparado ao padrão de construções no Brasil. A eficiência energética não é só a fachada, mas ela é a grande contribuidora", diz o sócio-diretor da Petinelli Rafael Gomes. A Petinelli coordena a verificação das medidas para depois submeter a documetação ao conselho da Leed, com sede nos Estados Unidos, o que deve ocorrer até o fim de 2021.
Outro atributo que impacta o padrão sustentável é o equipamento de climatização, com tratamento para renovação do ar que em de fora para as áreas internas. "O ar passa por um sistema de pré-resfriamento de ar e filtros para dar qualidade e garantir conforto ambiental, além de reduzir a demanda do ar condicionado", explica Gomes, citando que muitas empresas passaram a buscar a solução na pandemia. O monitoramento da temperatura e umidade é feito por sensores.
O Moov também pontua em fatores de mobilidade, tanto para quem trabalha no hotel ou quem utiliza as instalações. É levado em conta o acesso a transportes. Bicicletário e pontos de recarga para veículos híbridos e elétricos estão na estrutura. A destinação de resíduos da obra também seguiu condutas previstas na Leed, como reduzir ou eliminar o fluxo de restos de materiais para a rede pluvial. "São pré-requisitos de um canteiro de obra sustentavel que serve para mitigar impactos no entorno", esclarece o sócio diretor da Petinelli, que já gerenciou mais de 60 certificações Leed no Brasil.
Soluções integram antigo e o novo no empreendimento
A fachada chama a atenção por ser o resgate do passado, mas com novidades e tecnologia de hoje. O arquiteto Lucas Volpato conta que foi preciso reconstituir alguns elementos, como os medalhões que estão nas sacadas. Moldes de resina ajudaram a guiar a produção das réplicas. Ao longo do tempo, reformas desfiguraram os traços originais. A equipe coordenada por Volpato restabeleceu a identidade.
Volpato segura um dos moldes que foram feitos para a obtenção de réplicas de detalhes que compõem a fachada do antigo cinema
"Do coroamento do edifício (fachada) até o meio, recompomos o que era examente o Cine Orpheu, em 1923", cita o arquiteto. O que não se tinha uma descrição, foi feita uam "reconstituição simplificada", explica ele. "É uma premissa dos novos administtradores manter essa autenticidade, mas com nova roupagem", amplia Volpato. A entrada para o hotel terá um pórtico em aço. "O que vai mostrar que é um hotel e não mais um cinema."
Para definir a cor da fachada em 2021, foi feita uma propecção para descobrir camadas de cores, que indicou quatro referências: amarelo ocre, verde e dois tons de cinza. "O amarelo que usamos é o que mais se aproxima do original, mas a ideia foi fazer uma releitura", arremata o arquiteto.
Brites mostra a solução que une a parte nova erguida e a fachada, buscando fazer a conexão das duas arquiteturas. Foto: Patrícia Comunello/Reprodução/JC
Internamente, no espaço entre a fachada e a nova construção, está o ambiente que faz o encontro do antigo e o novo. Primeiro, as paredes centenárias precisaram receber pilares de metal para dar sustentação e evitar riscos futuros, devido às condições da construção. Uma cobertura foi refeita, lembrando a que se estendia no auditório original. "Serve para fazer a transição do antigo para o novo", traduz o diretor-geral Daniel Brites. Ficam visíveis na segunda fachada do hotel, um auditório, acesso à garagem recepção e ainda os espaços de café da manhã, com um espaço aberto. Tijolos da antiga parede ficam à mostra nas laterais, que são reproduzidos na área da recepção interna com pé direito bem alto.