Região com grande concentração de pontos comerciais de Porto Alegre, o bairro Menino Deus amarga perdas significativas de estabelecimentos desde o início da pandemia. Nos últimos cinco meses, as placas de imóveis para alugar ou de aviso de fechamento de lojas, bares e restaurantes chamam a atenção de quem passa por suas principais ruas.
Segundo levantamento informal feito pela reportagem e pela Associação Comunitária dos Moradores e Amigos de Porto Alegre (Acomapa) - Núcleo Menino Deus, pelo menos 15 comércios fecharam, entre eles locais tradicionais da região, como a loja de calçados Casa Ivo e a Churrascaria e Galeteria Ravenna.
A notícia acompanha os anúncios, feitos na semana passada, do encerramento das atividades de outros tradicionais pontos comerciais de Porto Alegre, dessa vez localizados no Centro Histórico da Capital gaúcha: o restaurante Muralha da China, que fechou as portas depois de mais de 40 anos de funcionamento, e o Hotel Everest, um dos mais tradicionais de Porto Alegre. Já um dos ícones da boemia porto-alegrense, o Bar Van Gogh, na Cidade Baixa, foi colocado à venda.
No Menino Deus, a Casa Ivo, localizada na esquina da avenida Getúlio Vargas com a Rua Botafogo, já registrava 14 anos de funcionamento, mas o ponto comercial era ocupado por loja de calçados há mais de quatro décadas. De acordo com o proprietário, Marco Antônio Santos, a pandemia agravou a crise que se abateu no comércio de rua nos últimos anos, potencializada pela concorrência dos shoppings, e a situação da loja ficou insustentável. No dia 1 de abril o estabelecimento fechou as portas definitivamente, demitindo três funcionários.
Casa Ivo, na esquina da avenida Getúlio Vargas com a Rua Botafogo, já registrava 14 anos de funcionamento. Foto Facebook/Reprodução/JC
"A diminuição de movimento já vinha acentuada, tanto que em dezembro, que deveria ser o melhor mês de vendas, registramos metade do faturamento do ano anterior. Desde o início de 2020 as vendas vinham caindo, reflexo da queda ou congelamento do poder aquisitivo das pessoas. Com a pandemia, decidimos fechar a loja de vez", conta o comerciante, que ainda manteve a matriz na avenida Bento Gonçalves, também loja de confecções.
Já na avenida José de Alencar, as portas da Churrascaria e Galeteria Ravenna, na esquina com a Oscar Bittencourt, fecharam por tempo indeterminado no dia 18 de março, bem no início do período de isolamento social. Por meio da página do restaurante no Facebook, uma postagem desta data avisa: "É com pesar que comunicamos que, em função do coronavírus e redução do movimento no restaurante, tivemos que fechar o estabelecimento por tempo indeterminado! Agradecemos a compreensão de todos!". A casa, tradicional ponto de encontro das famílias do bairro aos finais de semana, operava em esquema de rodízio e bufê, e nunca manteve tele-entrega, o que pode ter dificultado o investimento em delivery ou pague e leve, sistemas que tornaram possível a manutenção de dezenas de restaurantes e bares da cidade nesse período.
Aviso na porta e nas redes sociais da Churrascaria Ravenna anuncia o fechamento indeterminado. Foto: Jyce Rocha/JC
Segundo pesquisa divulgada pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) no Rio Grande do Sul, pelo menos 45 restaurantes
fecharam as portas por conta da pandemia no Estado.
Dos 15 estabelecimentos que formavam o
Roteiro Gastronômico do Menino Deus, ação desencadeada no verão para dar visibilidade à gastronomia local, dois não resistiram à pandemia: o restaurante Cantinho do Filé, que estava há mais de 20 anos no bairro, e o Heilige Brew Pub, ambos na avenida Getúlio Vargas. O restaurante chegou a operar durante março e abril com entrega própria para os vizinhos do bairro e por aplicativos, mas não entrou maio a pleno. A cervejaria, que funcionava em um casarão antigo restaurado e tem matriz em Santa Cruz do Sul, já vendeu o ponto para outro estabelecimento do ramo.
O empresário Aureo Arndt, um dos organizadores da ação de verão no bairro e proprietário do Café Alencar e de uma pastelaria, enfatiza que assim como a maioria dos colegas, teve de adaptar os negócios ao momento, investindo em vender pratos congelados e nos serviços de entrega e retirada no balcão, para evitar fechar. De acordo com ele, a realidade dos bares, lancherias e restaurantes tem sido de demissões de funcionários e otimização do quadro remanescente para aguentar os meses sem abrir ao público. "O que a gente tem visto é que está todo mundo lutando com o cabo do facão. Por isso, quem pode se adapta com delivery e take away. Tivemos de transformar o mal necessário em questão de sobrevivência, mas, infelizmente, isso não se concretizou para alguns", ressalta.
Prédio da Livraria e Papelaria Papelê tem servido de abrigo para moradores de rua. Crédito: Joyce Rocha/JC
Para o presidente da Associação Comunitária dos Moradores e Amigos de Porto Alegre (Acomapa) - Núcleo Menino Deus, José Paulo Barros, embora a comunidade do bairro reconheça as consequências econômicas oriundas da pandemia, tem lamentado o fechamento de tantos locais e pontos já tradicionais de encontro, o que ajuda a desconfigurar a identidade do Menino Deus. "Além do forte impacto negativo na prestação de serviços, saindo prejudicada não somente a sociedade, mas os proprietários dos comércios, a atual conjuntura está fazendo com que o bairro perca parte de sua identidade e fortes atrativos. É preciso que empresários, poder público e sociedade em geral se unam na busca de soluções", comenta.
Pontos comerciais fechados no Menino Deus:*
Segmento de Alimentação
- Restaurante Cantinho do Filé
- Croasonho (reabriu na Cidade Baixa)
- Liberty Café
- Cervejaria Valente
- Heilige Brew Pub
- Padaria O Pão da Fé
- Boteco Botafogo
- Madrugadão Lanches
- Churrascaria e Galeteria Ravenna
Segmento do varejo:
- Casa Ivo
- Livraria e Papelaria Papelê
- Kanto de Mulher
- Tendência Básica
- Formação Moda Feminina
* levantamento informal feito pela reportagem
Matéria corrigida em 6 de outubro de 2020. Ao contrário do que foi referido, o restaurante Terra & Cor Gastronomia, localizado na Av. Praia de Belas 1400, não fechou.