O fim da isenção da cobrança de IPVA para carros com idade entre 20 e 40 anos e a ampliação de 0,5 ponto percentual da alíquota (de 3%) aplicada para veículos leves devem representar incremento de R$ 740 milhões aos cofres públicos do Estado. Atualmente o montante arrecadado gira em torno de R$ 3 bilhões. A medida é um dos pilares da reforma tributária proposta pelo governador Eduardo Leite, e busca ampliar a base tributária dos atuais 54% para 75% de 6,9 milhões de carros com emplacamento no Rio Grande do Sul.
O cálculo é feito pelo subsecretário da Receita Estadual, Ricardo Neves Pereira. Ele destaca que hoje "praticamente 50% da frota" é isenta de IPVA (imposto sobre propriedade de veículos automotores) e que parte do incremento (R$ 110 milhões) desta receita projetada seria arrecadada junto a mais de 2 milhões de unidades atualmente não tributáveis. "Importante salientar que 50% do total de recursos será repassado aos municípios", observa Neves.
"Este seria o primeiro ano de isenção", comenta o técnico de informática Marcelo Paza, sobre o Corsa 2000 que adquiriu em 2017. "Dá uma indignação", resume.
Se aprovada na Assembleia Legislativa, a reforma tributária prevê, entre outros pontos, que a cobrança de IPVA com alíquota de 3,5% passe a ocorrer para todos os carros fabricados a partir de 1981.
É o caso do Fiat Elba (ano 1995) do artista autônomo Diego Deodato, que atualmente circula isento de tributação. "Fico chateado, porque não é um momento bom para aumentar as despesas, já que não estou podendo trabalhar em meio à pandemia", comenta o proprietário do veículo. "Além disso, eu comprei um carro usado justamente para não pagar IPVA."
Situação semelhante ocorre com o aeroportuário Ricardo Carneiro. Ele adquiriu uma caminhonete Saveiro ano 1995, justamente no ano em que ficou isenta do IPVA. Carneiro afirma que caso a mudança aconteça, irá transferir a placa do veículo para Curitiba (PR), onde reside provisoriamente. "Eu não vou pagar mais este imposto, não concordo", dispara o aeroportuário. "Quem tem carro antigo tem mais despesa com manutenção, e assim como eu, muitas pessoas não têm posses para ter carro novo, por isso optam pelos usados, justamente pelo benefício de isenção do IPVA", comenta.
O fato de veículos antigos serem mais poluentes e se tornarem "perigosos" em caso de falta de manutenção são dois fatores na base tributável, destaca o subsecretário da Receita Estadual. "Além disso, estes veículos também utilizam as estradas que estão à disposição", justifica Neves.
"A gente paga IPVA, ICMS, pedágio, e nada de melhor acontece", reclama o mecânico Cesar Pivetta Cora. Proprietário de um Passat fabricado em 1998 (isento há dois anos da tributação) ele defende que "se o IPVA é um imposto cobrado sobre a propriedade do veículo, deveria ser pago só no ano da compra". "Já considero errado pagar todos os anos, o que dirá agora com esta ideia de acabarem com a isenção dos carros antigos."
No entanto, tributar menos o consumo e mais o patrimônio e a renda é uma das diretrizes da reforma tributária proposta. Segundo o subsecretario da Receita, "a ideia é aumentar a competitividade, gerar mais renda e emprego, tributar o patrimônio e desonerar a produção". Neves destaca ainda que no caso do IPVA, o governo quer adequar a legislação a outros estados brasileiros, para que a maioria dos veículos que estão circulando possam contribuir para os cofres públicos.
"Para resolver esta questão sem ser acusado de injustiça social, cobrando tributos de carros muito antigos, muitos estados optaram por reduzir a alíquota de IPVA à medida que o carro vai envelhecendo", contrapõe a advogada especialista em direito tributário Maria Carolina Torres Sampaio. "Desta forma, todos os proprietários de veículos pagam tributo, mas os que têm carros mais antigos pagam menos. Acredito que esta seja uma solução mais interessante", opina.
Medidas não devem causar impacto no mercado, afirmam comerciantes
Com veículos anos 1972 e 1987, Silva diz que projeto é 'ultrajante'
/LUIZA PRADO/JC
Em queda por conta da recessão gerada pela pandemia de Covid-19, o mercado de carros novos e usados não deve sofrer grande impacto com as mudanças propostas para a cobrança de IPVA. Pelo menos é assim que especialistas do ramo avaliam. "Não creio que o aumento de 0,5 ponto percentual vai afetar a parte comercial do setor automotivo, mas irá sacrificar o pessoal de baixa renda, que tem carro mais velho", afirma o proprietário da Auto Spa Estética Automotiva, Marcelo Gonçalves da Silva.
"Alíquota de IPVA mais alta e extinção de isenções não devem impactar na decisão das pessoas em comprar ou deixar de comprar um veículo", concorda a especialista em direito tributário Maria Carolina Torres Sampaio. "Por outro lado, pode acarretar em efeito adverso ao pretendido pelo Estado", pondera.
O gerente de vendas da Car House, Fladimir Rosa, concorda que se houver impacto será mínimo. "Por outro lado, é muito prematuro dizer alguma coisa. Se houver diferença de tributação proporcional ao ano, pode ajudar as pessoas a atualizarem o patrimônio - não com um carro zero ou semi-novo mas com um mais atual dependendo da condição financeira de cada um."
De acordo com a advogada Maria Carolina Sampaio, "algumas pesquisas já mostraram" que o aumento de IPVA em épocas de recessão acaba gerando uma redução na arrecadação dos estados, porque as pessoas acabam não pagando o tributo. Ela observa que "se deve partir do pressuposto que pessoas que possuem carro com mais de 20 ou 30 anos têm um poder aquisitivo menor do que aquelas que possuem carros novos".
"A grande maioria é de gente que não tem condições financeiras pra ter 'carro do ano'. Essa medida parece coisa de quem não faz a menor ideia do perfil do proprietário da maioria destes veículos", emenda o analista de sistemas Mauro Eduardo de Almeida Silva. Proprietário de um Fusca (ano 1972) e um Passat (1987), ele considera "ultrajante" a proposta de fim da isenção para carros com idade entre 20 e 40 anos. Silva avalia que, se ocorrer, a mudança não deveria ser retroativa.
"Os veículos já isentos perderem a isenção é uma atitude lamentável e inexplicável." Na opinião do analista de sistemas, "o governo faria melhor se, por exemplo, obrigasse as locadoras de veículos emplacarem no Estado os carros novos que são alugados por aplicativos. "Essa frota toda paga IPVA em Minas Gerais e vem "gastar o asfalto" no Rio Grande do Sul onde não pagam nada.
Confira as mudanças previstas na cobrança de IPVA
- Aumento de alíquota de 3% para 3,5% para automóveis e camionetas
- Alteração dos critérios de isenções: serão isentos veículos fabricados há mais de 40 anos (e não há mais de 20 anos, como é hoje). Isso ampliará o percentual de pagantes de 54% para 75%
- Redução do valor mínimo do IPVA de quatro Unidades de Padrão Fiscal (UPF) para até uma UPF (atualmente, no valor de R$ 20,30)
- Redução dos benefícios de Bom Motorista: com três anos sem infrações, o desconto cairá de 15% para 5%; dois anos sem infrações, de 10% para 3%; e um ano sem infrações, de 5% para 2%
- Lei estadual para emplacamento obrigatório no RS
- IPVA Verde: a isenção já existente para os veículos elétricos será estendida para os veículos híbridos até 2023. Também haverá isenção por dois anos do IPVA na compra, até 2023, de novos ônibus e caminhões e isenção por quatro anos de ônibus novo com características de biossegurança
- Conforme o governo, o impacto das novas alíquotas e das demais medidas na arrecadação chegará a R$ 744 milhões anuais a partir de 2021