Os últimos movimentos do governo estadual para a venda do maior volume de ações do Banrisul até agora provocaram críticas e até dúvidas sobre a manutenção do negócio.
Entre as razões, estão o preço que teria sido ofertado até agora, no limite do valor patrimonial da ação, abaixo de R$ 19,00, e baixa demanda do mercado. Até a restrição da oferta, a um número limitado de investidores profissionais - com R$ 10 milhões para aplicar -, foi questionada. Por que o Estado não colocou os 96 milhões de ações com direito a voto à venda para qualquer cidadão?
O governo trouxe um fato novo nessa quarta-feira (18), ao comunicar, por meio de
fato relevante do Banrisul, que estava reduzindo a oferta de ações ordinárias e ainda adiando e um dia o fechamento da operação, prevista para esta quinta-feira.
O novo calendário prevê que o Conselho Diretor do Programa de Reforma do Estado (CODPRE), órgão do governo que decide sobre a venda, vai se reunir nesta quinta-feira (19) para encerrar o processo de apresentação de propostas de investidores e fixação do preço por ação, conforme o comunicado. Neste momento, o conselho pode inclusive definir por mudanças na oferta, incluindo cancelar, caso os preços não atendam a expectativa.
A negociação das ações será nesta sexta-feira (20), feriado no Rio Grande do Sul, mas que é dia útil na bolsa de valores, a B3, em São Paulo. A liquidação dos negócios está marcada para segunda-feira (23).
O fato relevante diz que a quantidade de papéis passou de 96.323.426 para 71.350.686, ficando facultado o teto inicial. O comunicado oficializa ao mercado a decisão do CODPRE, que foi referendada pelo governador Eduardo Leite. O conselho se reuniu na teçRa-feira (17) para dar o novo rumo à alienação.
Especialistas de mercado que conhecem bem o banco e até quem se colocou de forma crítica sobre a venda indicam que o potencial de arrecadação ficaria menor, mas poderia dar conta do que o governo almeja. A ação ordinária está em quase R$ 24,00 na bolsa, mas tem baixa liquidez, não é parâmetro para a negociação. O valor patrimonial é de R$ 18,40 ou R$ 19,00, com dados do último balanço, defende o ex-presidente do banco, candidato ao governo em 2018 pelo partido Novo e autor da ação popular contra a alienação, Mateus Bandeira. Para ele, o melhor seria privatizar, o que obteria maior retorno.
"Está acontecendo tudo que imaginava. Primeiro era um péssimo negócio, o governo não fez estudo de avaliação econômica, e usou a justificativa do bookbuilding", elenca Bandeira. "O mercado, sabendo que o Estado quer vender por volume maior do que absorve, derruba o preço de ação", conclui o ex-candidato ao governo. Bandeira avalia que órgãos como Ministério Público Estadual (MP) e Tribunal de Contas do Estado (TCE) deveriam agir diante da possibilidade de repasse das ações por preço muito baixo. Deputados da oposição, independentes e da base, como Sebastião Melo (MDB), lançam na manhã desta quinta-feira um manifesto contra a venda.
Uma fonte que pede para não ser identificada vê diversos problemas no processo de oferta. Um deles é o momento do mercado acionário em bolsa que não entusiasma. Além disso, o pouco tempo para fazer a operação, a falta de uma definição da estratégia da nova direção, que assumiu em julho sob o comando de Claudio Coutinho, para o banco, e de perspectivas de entrega de valorização futura podem ter pesado. Dados do balanço do segundo trimestre, como carteira de crédito e queda de spread, indicam fragilidade da operação. "O banco não se preparou para ir para a rua, e os analistas percebem isso", diz a fonte.
Sobre ser ou não o melhor momento, o professor de Finanças e Governança na Escola de Administração da Ufrgs e da Fundação Dom Cabral Jairo Procianoy lembra o banco estuda a possibilidade de vender desde o governo anterior. "A operação não é feita de forma açodada. Se agora é o melhor momento ou depois, não vamos saber", pondera Procianoy.
O analista-chefe da Geral Asset, Carlos Müller, acredita que a operação acabará sendo concretizada mesmo com este ambiente. "O preço dificilmente vai vir abaixo do que já receberam. O Estado está precisando de dinheiro e a quantidade que venderem deve ser suficiente para cobrir o déficit de um mês", argumenta Müller.
Bandeira questiona por que o governo vai vender para investidores restritos por
baixo preço em vez de ofertar a "todos os gaúchos". A opção do Estado foi pela instrução 476 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), para oferta por esforços restritos, que limita a compra a até 75 investidores com caixa cima de R$ 10 milhões, chamados de profissionais.
O ex-presidente do banco cita que a alternativa era a instrução 400 da CVM, com oferta a investidores em geral, pessoa física ou jurídica. Procianoy afirma que não tem como garantir qual alcance renderia mais. O governo não comentou sobre a opção de oferta, alegando sigilo da operação.