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Publicada em 24 de Abril de 2025 às 18:56

Um dos maiores escritores do século, Mario Vargas Llosa esteve várias vezes em Porto Alegre

Mario Vargas Llosa esteve repetidas vezes em Porto Alegre, como recorda o escritor e professor Sergius Gonzaga

Mario Vargas Llosa esteve repetidas vezes em Porto Alegre, como recorda o escritor e professor Sergius Gonzaga

LUIZ MUNHOZ/FRONTEIRAS DO PENSAMENTO/DIVULGAÇÃO/JC
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Adriana Lampert
Adriana Lampert Repórter
A literatura mundial perdeu, no último dia 13 de abril, um de seus maiores nomes: o escritor peruano Mario Vargas Llosa - que, aos 89 anos, já vinha com a saúde debilitada. Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2010, ele deixou um legado de mais de 40 livros, entre romances, peças de teatro e ensaios literários, além de diversos artigos jornalísticos. Para Porto Alegre, a notícia ressoou de forma particular, uma vez que a Capital vivenciou uma série de visitas memoráveis do autor.
A literatura mundial perdeu, no último dia 13 de abril, um de seus maiores nomes: o escritor peruano Mario Vargas Llosa - que, aos 89 anos, já vinha com a saúde debilitada. Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2010, ele deixou um legado de mais de 40 livros, entre romances, peças de teatro e ensaios literários, além de diversos artigos jornalísticos. Para Porto Alegre, a notícia ressoou de forma particular, uma vez que a Capital vivenciou uma série de visitas memoráveis do autor.
Escritor e professor de Literatura Brasileira (com doutorado em Literatura latino-americana), o coordenador de Literatura da Secretaria Municipal de Cultura (SMC) Sergius Gonzaga conta que teve o privilégio de acompanhar de perto as passagens de Vargas Llosa pela capital gaúcha. A primeira delas ocorreu em 1987, durante a 33ª edição da Feira do Livro de Porto Alegre, que teve Moacyr Scliar como patrono. "Naquela ocasião, ele foi a figura central de uma mesa redonda, apresentada por mim e mediada pelo (jornalista e escritor) Ruy Carlos Ostermann", recorda Gonzaga.
"Em sua palestra, ele falou por bastante tempo sobre seus livros e declarou que o romance que mais gostava foi também o que lhe deu mais trabalho: A guerra do fim do mundo (1981) - que narra a história da Guerra de Canudos, mesclando personagens reais e fictícios -, ambientado no Brasil e inspirado em Os Sertões, de Euclides da Cunha. Já o que ele considerava seu melhor livro era Conversação no catedral (1969), que realmente é excepcional", emenda o coordenador de Literatura da SMC.
A segunda visita de Vargas Llosa à Capital aconteceu em 1995, para participar do Fórum da Liberdade. Outra aparição foi em 2010, logo após sua consagração com o Prêmio Nobel. Desta vez, o escritor peruano desembarcou em Porto Alegre para participar do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento, onde abordou o tema Literatura, Cultura e Sociedade. "Tanto em 1987 quanto em 2010, eu jantei com ele e a esposa (Patricia Llosa)", revela Gonzaga, que também fez companhia ao autor durante sua permanência no camarim do Salão de Atos da Ufrgs, onde ocorreu o segundo evento. "Fui recebê-lo, e começamos a conversar", lembra Gonzaga - que naquele período era secretário de Cultura de Porto Alegre.
Naquele ano, Vargas Llosa enfrentava o luto pela morte da escritora boliviana Julia Urquidi Illanes, com quem foi casado. "Julia foi sua primeira esposa (era 14 anos mais velha) e teve um papel significativo na vida dele. Esta relação inspirou a obra Tia Julia e o escrevinhador (1977)", destaca Gonzaga. Ele conta que seu mergulho no universo de Llosa se estendeu além dos encontros pessoais. "Passei a ter intimidade com gente que escrevia sobre ele, incluindo um crítico literário peruano", conta. "Das duas ocasiões em que tive contato pessoal com ele, percebi que era uma pessoa extraordinariamente educada. Um sujeito culto e extremamente afável. Além de tudo, Llosa era brilhante. Para se ter uma ideia, aos 16 anos ele já era colunista e repórter de um dos maiores jornais de Lima, o El Comércio." 
Gonzaga ainda recorda um episódio que ilustra a generosidade do escritor peruano. "Lembro que, em 2010, ele tinha passado por São Paulo, onde deu entrevistas, e chegou em Porto Alegre (para palestrar). No entorno do evento, cinco alunos meus, jovens professores de literatura, se aproximaram, e ele, mesmo cansado, deu uns minutos de atenção para eles, falando da importância dos professores em manter a literatura viva."
O coordenador de Literatura da SMC observa que a dimensão da influência do autor peruano é global, tendo influenciado o surgimento de cátedras Vargas Llosa em todo o mundo. "Também sua obra transcende as fronteiras de seu país natal. Ele tinha um interesse muito universal, muitos de seus livros não se passam no Peru", observa Gonzaga, citando exemplos como A guerra do fim do mundo (Brasil), O paraíso na outra esquina (Taiti e França), A festa do bode (República Dominicana), Tempos ásperos (Guatemala) e Travessuras da menina má (Peru, Paris, Londres, Tóquio, Madri).
"Ele foi muito cosmopolita. Nasceu no Peru, viveu lá até os 18 anos; migrou para a França, onde escreveu seu primeiro romance, A cidade e os cães (1963); depois foi dar aulas em Londres; mais tarde foi viver em Barcelona (de 1971 a 1974); dali foi para Madrid, onde tinha casa; e de lá para Nova Iorque, onde tinha apartamento. Ele também tinha uma bela casa em Lima, de frente para o Oceano Pacífico", enumera Gonzaga. "Para Llosa, a noção de nacionalidade era limitada. Ele criticava o nacionalismo político, argumentando que as fronteiras e o culto à nação levavam ao isolacionismo, ao preconceito e à guerra. Em seu livro O sonho do celta, ele aborda o imperialismo europeu no Congo Belga, expondo os métodos cruéis do rei Leopoldo II."
O coordenador de Literatura da SMC destaca que Vargas Llosa chegou a ter sua cidadania peruana cassada pelo ditador Alberto Fujimori, a quem criticava veementemente e pelo qual foi derrotado durante o pleito à presidência do Peru. "Um ponto que marca na trajetória de Llosa, mas não interfere no brilhantismo de sua obra, foi sua significativa transformação ideológica, afastando-se de sua inicial simpatia pela Revolução Cubana em 1971, após a censura a um poeta que havia criticado o governo. Ele e outros intelectuais latino-americanos, como os mexicanos Carlos Fuentes, Octavio Paz e Juan Rulfo, renunciaram à ideia do socialismo revolucionário, aproximando-se da social-democracia." Gonzaga pontua que, em função de declarações "não muito felizes" na última década, "deram-lhe a fama de reacionário".
"Mas isso não importa para seus leitores", pondera Gonzaga. "Não tem como cancelar um autor por suas ideias políticas, senão teríamos que cancelar vários, como Nelson Rodrigues, Drummond, Balzac, Dostoiévski. Nos livros, ele é mais cuidadoso, não se deixa levar por opinião momentânea ou buscando certo impacto. Li toda sua obra e posso afirmar que ele era um liberal (no sentido do Partido Democrata americano e do Partido Trabalhista inglês), um social-democrata mesmo. Acredito que algumas de suas falas eram mais no sentido de provocar (polêmicas)." 
Sergius Gonzaga reforça que o legado literário de Mario Vargas Llosa "é inegável", com diversas obras-primas da literatura mundial. "Sua produção inclui ensaios literários de grande profundidade, como A orgia perpétua, sobre Gustave Flaubert, que lhe rendeu a inédita admissão na Academia Francesa como o primeiro escritor não francófono a integrar a instituição." Ao longo de sua carreira, o escritor peruano ainda recebeu outros diversos prêmios literários. Também deixou sua marca ao escrever sobre outros gigantes da literatura, como Gabriel García Márquez, de quem foi amigo próximo antes de uma conhecida desavença pessoal. 
Em 2016, o autor voltou a Porto Alegre, onde participou novamente de uma edição do projeto Fronteiras do Pensamento. "Na ocasião, sua fala puxou mais para o lado político", comenta Gonzaga. "Assim como da primeira vez que participou do evento, foi muito aplaudido e prestigiado por uma plateia lotada. Llosa gostava das palavras, tinha conhecimento extraordinário de literatura, e falava muito bem". 
Ao longo de uma carreira literária que se estendeu por mais de seis décadas, Vargas Llosa construiu um legado raro. Em suas obras, explorou temas como poder, liberdade, corrupção e identidade cultural e  frequentemente refletia sobre a sociedade peruana e latino-americana, utilizando a literatura como meio para explorar questões como autoritarismo, violência e desigualdade social. "Foi um dos mais influentes autores do século XX", sinaliza Gonzaga. "Do ponto de vista técnico da literatura, ele fazia uma síntese entre a literatura realista do século XIX com a ideia de 'erguer o mundo'. Nas páginas de sua obra, o leitor enxerga o mundo (e não apenas um indivíduo) e todos os seus tentáculos, opções e oportunidades. No caso de seus personagens, são sempre indivíduos desafiados: ora oprimidos, ora em rebelião, às vezes derrotados", pontua. 
Na avaliação de Gonzaga, a cada livro, Vargas Llosa apresenta inovações formais e novos procedimentos de narrativa que surpreendem o leitor e criam uma espécie de dispersão do ponto de vista. "É como um salão de espelhos, onde surgem muitas faces dos personagens (psicológica, objetiva etc). Principalmente na estrutura da narrativa, há sempre vários pontos de vista inusitados, surpreendentes, com deslocamentos temporais e espaciais, monólogo interior, mesclados com uma visão realista do que está acontecendo diante daquele personagem. Sem dúvida, ele foi um escritor muito complexo."
 

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