Nem todos gostariam de admitir, mas a verdade é uma só: hoje em dia, falar em "roqueiro das antigas" é quase redundância. Aí está a profusão de recentes shows e turnês de despedida de grandes nomes do rock pesado que não nos deixa mentir: como todo mundo, músicos (e fãs) do estilo também envelhecem, e o estilo de vida de quando se era jovem nem sempre combina com cabelos brancos, problemas de audição, dores nas costas e por aí vai.
O que não quer dizer, é claro, que velhos roqueiros não saibam se divertir. Na última quinta-feira (10), cerca de mil pessoas foram ao Opinião, em Porto Alegre, assistir um dos shows da turnê de despedida do Uriah Heep - uma banda que, desde o final dos anos 1960, se mantém firme e forte nas estradas de todo o mundo. Nem todo mundo era da 'velha guarda', digamos (havia um bom número de fãs mais jovens, e até alguns adolescentes aqui e ali), mas é justo dizer que a noite foi de celebração para amantes do rock que não cozinham mais na primeira fervura - e que devem ter voltado para casa extasiados depois de um show de qualidade quase surpreendente, considerando a média etária em cima do palco.

Performance do vocalista Bernie Shaw, de 68 anos, foi um dos destaques da noite
DANI BARCELLOS/ESPECIAL/JCO grupo, que se destacou nos anos 1970 com uma mistura coesa e melodiosa de hard rock e elementos de progressivo, quis mostrar logo de cara que não está vivendo apenas do passado: abriu o show com Grazed By Heaven (ótima faixa do disco Living the Dream, de 2018), seguida por Save Me Tonight, do recente Chaos & Colour (2023), dois bons exemplos de que a criatividade do quinteto segue funcionando bastante bem. Para quem acompanha mais a fundo a carreira recente dos britânicos, também agradou a inclusão de Overload, ótima e dinâmica faixa de Wake the Sleeper (2008), um dos melhores discos da banda pós-anos 1970. Nessas primeiras músicas, todas recebidas de forma positiva pela plateia, a energia e coesão da banda já deixaram ótima impressão - em especial a potente voz de Bernie Shaw, que continua cristalina e melodiosa mesmo após quase 40 anos de serviços prestados ao grupo.
Mas, se o material recente do Uriah Heep segurava bem a onda inicial, a verdade é que todo mundo estava ali para ver os clássicos. E foi Shadows of Grief, puxada pela guitarra do veteraníssimo Mick Box, que levou a apresentação para uma verdadeira viagem no tempo. O guitarrista, único membro original ainda na formação, fará 78 anos no mês de junho, mas continua demonstrando nítida satisfação em estar em cima do palco - e sua simpatia, somada à execução cristalina e melódica, foi um dos destaques da noite. Já na clássica Stealin', brilham os teclados de Phil Lanzon - outro que já está na banda há tanto tempo (desde 1986) que não deixa ninguém lembrar que o saudoso Ken Hensley (uma das maiores lendas do teclado em todos os tempos) já esteve naquele posto. A cozinha de Russell Gilbrook (bateria) e Dave Rimmer (baixo) é mais recente, mas segura muito bem o pique da apresentação.

Guitarrista Mick Box, de 77 anos, é o único membro da formação original, e foi muito festejado pela plateia
DANI BARCELLOS/ESPECIAL/JCEm certos aspectos, talvez se possa dizer que foi um show à moda antiga - em especial na relativa ausência de celulares, muito menos utilizados para fotos e vídeos do que a média nos espetáculos da Capital. Não se trata de dizer que um público é melhor que o outro ou qualquer coisa do tipo, mas talvez de constatar um hábito: de fato, boa parte do público vem de tempos em que essas tecnologias não existiam e, portanto, não estavam dentro das condutas usuais em shows de rock. Se as pessoas curtiram mais ou menos o espetáculo graças a isso, impossível dizer - mas é fato que canções como Sweet Lorraine, a bela balada The Wizard, Free 'n' Easy e a longa e épica The Magician's Birthday contaram com uma plateia animadíssima e, talvez ainda mais que isso, bastante atenta - uma situação que claramente deixou felizes os músicos em cima do palco. "Se essa é a festa que vocês fazem numa quinta-feira...", brincou o vocalista Bernie Shaw, em um elogio que arrancou aplausos e risadas do público.

Banda clássica do hard rock dos anos 1970, Uriah Heep levou cerca de mil pessoas ao Opinião
DANI BARCELLOS/ESPECIAL/JCO show encaminhou-se para seu final com Gypsy (clássico de 1970 que ajudou a definir as fronteiras do que, hoje, entendemos como heavy metal) e July Morning, antes que o bis com as indefectíveis Sunrise (talvez a mais bonita execução do conjunto em toda a noite) e Easy Livin' viesse para colocar os cabeludos (mesmo que, hoje em dia, muito mais carecas do que no passado) para pular. Uma noite de sentimentos tão positivos que, ao que parece, está ajudando o Uriah Heep a meio que voltar atrás nessa história de pendurar as guitarras. "Espero que vocês não estejam achando que vamos nos aposentar", disse o vocalista a certa altura, frisando que a banda pretende apenas "diminuir o ritmo" e "ficar umas semanas a mais com as famílias", sem desistir de vez dessa coisa do rock 'n' roll. Se o rock é o elixir da juventude, não é algo que nos caiba responder - mas que todos os roqueiros presentes, na banda e na plateia, pareciam rejuvenescidos nos cerca de 90 minutos de show, disso não há dúvida.